Ele era um rapaz muito bonito, muito jovem ainda, eu imaginei dizer-lhe ‘já pensaste em ser modelo? Tens uns olhos muito expressivos’. A sua timidez escondia um sorriso que emergia do mais profundo do seu ser, a sua esperança. Vi-o por segundos; o sorriso a erguer-se de cada osso, de cada músculo, de cada cabelo e unhas e órgãos. Todo ele era um sorriso como uma raíz que cresce.
A energia que lhe saía dos ossos seria eu aos pulos a gritar de riso num dia de inverno frio, cheio de chuva, eu toda gelada por causa da chuva e com o coração partido. Isso seria o meu limite: dar pulos de alegria e rir que nem uma louca de coração partido. Esse sorriso, que era dele, fez-me realizar o sofrimento que seria ter chegado ali e não ter qualquer saída. Ele estava na rua. Ele estava esforçar-se, eu senti-o, não tinha ainda um sentimento bem definido, nem ódio nem dúvida. Ele reunia todas as forças rumo à entrada do qual o silêncio começa. Sorria.
E eu não estou a culpar-nos, a nós, cidadãos. Estou a consciencializar-nos que também é nossa a responsabilidade daqueles que pedem nas ruas, daqueles que se despem e entregam o corpo como troca, porque a vida não lhes deu outro caminho, porque não nasceram no lugar ou hora ou família corretos. Porque cada corpo que se encontra na esquina da rua é um corpo negado, um corpo rejeitado pela sociedade, é um corpo que escapa aos dias com a lentidão de um dia de inverno que teima em passar. É nosso dever ajudar.
E quando eu falo no sorriso era um sorriso sem dentes, calado, quase um segredo que só a ambos pertencia.
Senti à minha volta um deserto, não sabia para onde prosseguir. Seria a morte do rapaz já presente, ou seria então a morte do dia?
Era um rapaz bonito.