Foi difícil, confesso. Mas a verdade é que se tornou num exercício interessante de introspeção. Um reviver de momentos, experiências e situações que mudaram o rumo da minha vida, moldaram a minha personalidade e me tornaram no homem, clínico e investigador que sou hoje. Pessoas, viagens, concertos, jantares, discussões científicas ou conversas de esplanada. A realidade é que tudo isto influiu (e continua a influir) naquilo que sou hoje. Mas pediram-me para definir um momento (um só!) e esse foi o verdadeiro desafio. Poderia falar da minha entrada no curso de Medicina, do meu ano de ERASMUS em Praga, do meu intercâmbio clínico em Reykjavík, da escolha da especialidade de Oftalmologia, da publicação do meu primeiro artigo científico, do dia em que me tornei especialista em Oftalmologia ou da minha admissão no programa de doutoramento da FMUC. Se foram marcos importantes? Foram, sem dúvida.
Mas o meu exercício de introspeção levou-me uns anos mais atrás. Na altura era um puto de seis ou sete anos que adorava correr atrás da bola nos intervalos da escola. Não sabia se queria ser médico, astronauta, bombeiro ou jogador de futebol, mas isso também não interessava. Era uma criança feliz e despreocupada. Os meus pais tinham comprado um MacIntosh II e eu vibrava com o “Kid Pix”, um programa onde perdia horas a criar os meus rabiscos. Sempre gostei de desenhar. A minha Mãe, professora, mestre e mais tarde doutorada, estava a desenvolver um material didático de educação ambiental e pediu-me para ilustrar o livro usando o “Kid Pix”. Publicado em 1994 pela DECO, “O Planeta (Re)Imaginado” visa sensibilizar a população para temas como a poluição, o aquecimento global ou as desigualdades sociais.
Não, não fui pago pelas ilustrações. Nem precisava. Mas recebi uns quantos exemplares para distribuir pelos meus amigos. Embora longe de o saber na altura, julgo que foi este o meu ponto de viragem, o momento que despertou o meu gosto pela investigação, pela publicação científica e pela divulgação do conhecimento entre pares. Hoje, reconheço a investigação como uma ferramenta fundamental no avanço do conhecimento médico e científico. Uso-a todos os dias na procura de respostas para os problemas clínicos dos meus doentes e defendo uma medicina integrativa, cooperativa e translacional. Obrigado, Mãe.
João Pedro Marques é oftalmologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e aluno do Programa de Doutoramento em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
Fotografia gentilmente cedida por João Pedro Marques
Ilustração por Ana Catarina Lopes