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Henrique Girão 

Henrique Girão é o diretor do Instituto de Investigação Clínica e Biomédica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (iCBR-FMUC). No cargo desde dezembro de 2021, o também docente, investigador e subdiretor para a Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico da FMUC faz um balanço positivo desta recente experiência e dá a conhecer um pouco melhor o instituto. 


Como descreveria o iCBR-FMUC a alguém que nunca tenha ouvido falar deste instituto?
O iCBR, em termos estatutários, é um instituto multidisciplinar de investigação da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC). Sendo um instituto da FMUC, a sua missão é promover atividades de investigação que tenham por base questões clínicas.

Por isso, descreveria o iCBR-FMUC como uma estrutura de encontro da investigação básica com a investigação clínica, que tenta abordar e responder a questões colocadas em ambiente clínico. Ou seja, vejo este instituto como o local onde podemos encontrar respostas a problemas levantados pela clínica, de forma transversal e holística.


Quais os principais planos e objetivos da nova direção?
Algumas das iniciativas que tenho planeadas para implementação no iCBR-FMUC têm, precisamente, a ver com este grande desafio, o de atrairmos a comunidade clínica para o instituto no sentido de, juntamente com os grupos de investigação já aqui existentes, resolvermos problemas clínicos. E este é mesmo um grande desafio.

Este desafio considera o ecossistema atual da Universidade de Coimbra [UC], que integra um excelente instituto de investigação na área biomédica, o CNC-UC [Centro de Neurociências e Biologia Celular]. Fazendo o iCBR-FMUC parte de um consórcio com o CNC-UC, o CIBB [Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia], penso que a nossa contribuição passa por complementar aquilo que já é feito, e muito bem, ao nível da ciência mais básica e fundamental pelo CNC-UC, através do reforço da componente clínica.

Como é evidente, todas as estratégias que queiramos implementar terão sempre como principal objetivo o de encontrarmos o nosso espaço e podermos dar o nosso contributo para um bem comum. Não queremos tirar o lugar, competir ou entrar em confronto com ninguém. Todos têm o seu espaço e área de atuação. Por exemplo, com o CNC-UC e o CIBIT [Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional], outro instituto da UC, partilhamos muita coisa, nomeadamente projetos, orientações de estudantes e equipamentos, e acredito que, se nos pudermos organizar melhor, sairemos todos mais fortes e a ganhar com isso.


Quais as principais linhas de investigação do iCBR-FMUC, e como estão organizadas?
Uma vez que falamos de um instituto da FMUC, toda a nossa estratégia científica está alinhada e articulada com a estratégia da direção da própria faculdade. A FMUC tem quatro grandes eixos estratégicos: Ciências da Visão, Ciências Cardiovasculares, Neurociências e Oncobiologia, Genética e Meio Ambiente. Estas áreas estratégicas contemplam uma outra área, transversal a todas, que é a do Envelhecimento.

O iCBR-FMUC está alinhado com estas áreas, tendo em conta nichos de especialização que, fruto das nossas competências e dos recursos existentes, vamos desenvolvendo. Assim, dentro de cada uma destas grandes áreas estratégicas, concentramo-nos em aspetos particulares, para os quais existem competências e recursos. Por exemplo, a área das Ciências Cardiovasculares do iCBR-FMUC integra ainda a área do Metabolismo – o nome da linha de investigação é, precisamente, Ciências Cardiovasculares e Metabolismo –, dado que temos no instituto competências nesse sentido. Em qualquer uma destas áreas, o objetivo, dentro da nossa dimensão e capacidade, é sempre o de abordar os problemas numa articulação estreita entre a investigação básica e a investigação clínica. Na minha perspetiva, é desta articulação que resulta a investigação de translação.

A investigação básica – e eu sou um investigador das ciências básicas – tem como objetivo produzir conhecimento. Não temos, necessariamente, de ter uma aplicação prática. E este conhecimento é tão válido quanto aquele que é criado já na perspetiva de uma aplicação, embora, hoje, todos sejamos incitados a encontrar uma aplicação para o que fazemos, o que nem sempre é possível. Nem sempre é possível e nem sei se é desejável, na verdade, pois podemos estar a precipitar ou forçar determinadas coisas, desvirtuando o propósito da questão que esteve na sua génese.

A investigação translacional, na minha perspetiva, pretende encontrar resposta para uma pergunta concreta e, como costumo dizer, complexa, que tem de emergir da clínica. Uma vez que surge de uma pergunta complexa, esta investigação requer a intervenção de grupos multidisciplinares, constituídos por pessoas com competências diversas e complementares. Aqui, sim, existe a real necessidade de uma aplicação prática. Na área biomédica, acredito que a investigação translacional só faz sentido se começar com a clínica. Para isso, precisamos dos médicos.


Falemos então das pessoas. Em termos de recursos humanos, nomeadamente no que diz respeito a investigadores, clínicos, doutorados e estudantes de doutoramento, quantas pessoas fazem parte do iCBR-FMUC atualmente?
São realmente as pessoas que fazem uma instituição. Nós não somos uma estrutura muito grande. Temos pouco mais de 120 elementos doutorados, sendo que metade são clínicos, e temos 44 estudantes de doutoramento.

Mas penso que, neste âmbito, devemos tirar proveito de duas coisas. A primeira, é que o facto de sermos uma estrutura relativamente pequena permite-nos alguma proximidade, quanto mais não seja pela maior probabilidade que temos de nos cruzarmos uns com os outros aqui pelo edifício, e que devemos potenciar.

A segunda, é que considerando que metade dos nossos doutorados são clínicos e, no meu entender, estão um pouco aquém do papel ativo que gostaria que tivessem, devemos tentar fazer com que nos ajudem a elevar o patamar de qualidade do

instituto. A contribuição dos clínicos para este instituto é fundamental: esta é uma casa que também é deles. Por isso, apelo a que os clínicos conversem connosco, critiquem-nos e façam sugestões porque, enquanto responsável, estarei disponível para ouvir qualquer proposta, que será sempre bem-vinda.

Nesse sentido, temos pensadas algumas iniciativas, algumas já em prática e outras a implementarmos num futuro próximo. Uma das iniciativas já em prática são os FIT [Found In Translation] Seminars, que acontecem uma vez por mês, às 8h30, em formato remoto. A ideia é trazermos a comunidade clínica para estes seminários e estimularmos uma conversa na qual as pessoas podem mostrar o trabalho que fazem e, no fundo, estimular outras áreas a apropriarem-se daquilo que elas fazem, seja no âmbito da ciência básica ou da área clínica, estabelecendo, assim, diversas colaborações que, de outra forma, talvez não tivessem a oportunidade de ser criadas.

Outra iniciativa prevista é trazer a visão clínica para os órgãos de gestão e de decisão do instituto, e aqui é fundamental envolver os jovens clínicos. Temos jovens médicos com um potencial e uma vontade de fazer coisas incríveis, e que acredito que podem vir a fazer a diferença no futuro. Isto passa também por uma maior proximidade, que devemos fomentar, às unidades de saúde, nomeadamente ao CHUC [Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra] e ao IPO de Coimbra [Instituto Português de Oncologia]. Esta é a minha intenção, a de que estas pessoas e instituições sejam parte integrante dos processos de decisão e de definição das estratégias e linhas orientadoras do iCBR-FMUC.

Para além desta maior aproximação à comunidade clínica, temos também tentado aproximar-nos cada vez mais da sociedade, quer através desta newsletter, a VoiceMED, quer através de outras iniciativas que temos levado a cabo e outras tantas que nos encontramos a organizar. Acredito que a visão e a perspetiva da sociedade são importantes para as linhas orientadoras da nossa instituição, e por isso pretendemos que faça parte também dos nossos órgãos de decisão esta visão da sociedade e, em particular, dos doentes, que nos podem ajudar a decidir e a definir aquilo que devemos investigar.

Nesta perspetiva de aproximação à sociedade, e em estreita colaboração com a FMUC, temos também tentado desenvolver trabalho nas áreas da educação e literacia em saúde. Felizmente, as pessoas estão cada vez mais exigentes no que ao conhecimento e aos novos avanços científicos na saúde diz respeito. Divulgando o nosso trabalho de forma simples e realista, não estamos apenas a promover-nos: estamos, igualmente, a contribuir para uma sociedade mais informada e, desejavelmente, que faça escolhas mais adequadas. Este tem sido um dos nossos pontos de honra, e que acho que deve ser também a missão de um instituto desta natureza.


Falou dos FIT Seminars. De facto, tem sido visível uma aposta na diversificação das reuniões científicas e dos seminários do instituto, considerando diferentes oradores e públicos-alvo dentro do iCBR-FMUC. Um dos seminários é inclusive organizado pelos estudantes de doutoramento deste instituto. Pode falar um pouco acerca desses seminários e reuniões?
Para além dos investigadores e dos clínicos, dos quais até agora dei especial ênfase, há dois grupos que eu prezo muito dentro do iCBR-FMUC: o pessoal técnico, fundamental para o funcionamento desta estrutura, e os alunos de doutoramento.

Acho que os alunos de doutoramento são a ‘alma’ do instituto. Pode dizer-se que são uma população passageira, mas passageiros, somos todos nós. E os alunos de doutoramento estão numa fase da vida muito pujante em termos de criatividade e entusiasmo.

Das primeiras coisas que fiz quando assumi a direção foi pedir aos alunos de doutoramento que se organizassem, que criassem um grupo. E uma das responsabilidades que lhes foi atribuída foi a organização dos SciBeer, seminários nos quais o objetivo é falar de ciência e de aspetos que complementam a atividade de ciência de bancada de uma forma mais informal. E isto pode fazer-se: uma cerveja pode ajudar, duas podem também facilitar… Três, se calhar, já não é muito recomendável!

Falando a sério, já tivemos alguns seminários neste registo e, de facto, têm sido muito interessantes. Para mim, tem sido extraordinariamente gratificante ver os alunos de doutoramento tão empenhados nestas iniciativas. Ninguém imagina a felicidade que me tem dado ver a forma emocionada como estes estudantes vestem a camisola do instituto.

Quanto aos outros seminários que o iCBR-FMUC tem vindo a desenvolver e organizar, temos diversificado as suas tipologias, já que acredito que, hoje, as pessoas têm a oportunidade de aceder a uma oferta muito variada de seminários, inclusive de forma remota e, por isso, parece-me pouco proveitoso ter apenas e só, uma vez por semana, um seminário puramente científico.

Por isso, criámos diversas tipologias de seminários, para além dos científicos que, naturalmente, mantemos. É o caso dos FIT e dos SciBeer, que já tive oportunidade de referir, e também dos Lay Break, em que a ideia é abordar temas da atualidade e mais relacionados com a vida social e interações com o mundo que não dizem respeito às nossas competências enquanto cientistas, clínicos, investigadores e estudantes, como o mindfulness, tema do nosso primeiro seminário desta tipologia.


Referiu a necessidade de um maior envolvimento dos clínicos na atividade do instituto. Na sua opinião, é isso que é mais urgente mudar ou implementar neste momento?
Esse é um aspeto que considero essencial, porque a perspetiva e visão clínicas são fundamentais para um instituto desta natureza, sob pena de não estarmos verdadeiramente a fazer investigação de translação.

Mas claro que existem aspetos operacionais que também têm de ser levados em conta. Por exemplo: a investigação não se faz sem recursos, nomeadamente humanos, técnicos ou tecnológicos. Nesse sentido, existe um alinhamento entre as direções do instituto e da FMUC para que possamos, gradualmente, encontrar forma de canalizar verbas para a aquisição de equipamento e para fazermos frente às necessidades. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, tem existido um esforço gigante por parte da FMUC, em articulação com o instituto, para proporcionar às pessoas boas condições de trabalho, até porque só assim conseguimos atrair e manter connosco os melhores. Temos no iCBR-FMUC pessoas novas e verdadeiramente incríveis, que têm tido a generosidade de ficar connosco. Não podemos desiludi-las e prescindir delas.

Acredito que temos também um bom ambiente interno. Podemos não ser todos os melhores amigos do mundo, mas conheço suficientemente bem a instituição e as pessoas para perceber que existe um espírito de entreajuda, solidariedade, coesão e companheirismo, que me deixa muito orgulhoso. Definitivamente, o ambiente que vivemos internamente pode ajudar-nos a sermos melhores.


Falamos muitas vezes, nomeadamente aqui na newsletter, do facto de Coimbra ser frequentemente “esquecida", no âmbito da investigação clínica e biomédica, em detrimento da investigação que é feita em Lisboa e no Porto. Como acha que se pode mudar esse cenário?
De facto, não temos a atratividade que têm Lisboa e o Porto. Estamos como a Alice no País das Maravilhas: se queremos estar à frente, temos sempre de correr o dobro. Isto é um facto, e compete-nos a nós fazermos esse esforço adicional.

Nesse sentido, acredito que, mais do que no ensino, onde podemos fazer a diferença em Coimbra é precisamente na investigação e no conhecimento que esta gera, que pode ajudar-nos a encontrar, por exemplo, novas abordagens de diagnóstico e terapêutica para determinada doença. Algo que, obviamente, tem impacto na agenda mediática e, consequentemente, aos olhos da opinião pública.

Se for sempre a mesma instituição a aparecer publicamente, nos meios de comunicação, porque descobriu isto ou aquilo, é natural que os pais queiram que os filhos vão estudar para lá, ou que os próprios estudantes o queiram fazer, porque acreditam que é ali que encontram melhores condições.

E nós temos, em Coimbra, condições únicas que não são devidamente aproveitadas. Muitas vezes, e digo isto sem qualquer problema, constato que não são aproveitadas fruto do feitio das pessoas, que se entretêm mais a dar tiros nos pés ou a denegrir o vizinho do que a tentarem trabalhar em conjunto para um bem comum. Infelizmente, há demasiados egos em causa, muitas pessoas demasiado centradas na sua sede de protagonismo e nas suas agendas, e é neste registo de egoísmo que se têm perdido boas oportunidades.

Temos capacidade de produzir mais e melhor. Temos, na parte da biotecnologia, o UC-Biotech, temos o IPN [Instituto Pedro Nunes] na parte da transferência do conhecimento para o mundo empresarial, temos o ICNAS [Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde] e as suas abordagens tecnológicas, temos o maior hospital do País… Temos, de facto, condições, e acho que a limitação, neste momento, somos só nós, as pessoas, e a forma como atuamos.

Aqui, parece-me que é importante uma estrutura que congregue todas estas valências, e que é o Centro Académico Clínico de Coimbra [CACC]. Acredito que esta é uma estrutura que, conciliando as vertentes assistencial, de ensino e de investigação, pode ser o elemento que nos ajudará a fazer a diferença e a promover as sinergias necessárias para potenciar os recursos que temos em Coimbra.


Assumiu a direção do iCBR-FMUC há menos de seis meses. Que avaliação faz até ao momento desta experiência recente? Está a corresponder às expetativas, ou não existiam expetativas?
Existiam expetativas, sim. Confesso que tinha, não tanto a ambição, mas o sonho de, um dia, porventura, chegar a este lugar. Nunca pensei que fosse tão cedo, até porque vinha sendo feito um excelente trabalho pelo Francisco Ambrósio, anterior diretor. E era um sonho que podia nem chegar a concretizar-se, na verdade, porque essa oportunidade podia não se proporcionar. Mas, respondendo diretamente à pergunta, tinha a expetativa de um dia poder ocupar este lugar e, ocupando-o, ajudar a contribuir para o sucesso do instituto.

Assumindo a direção, a minha perspetiva foi a de que este lugar devia ser alvo de alguma auscultação. Nesse sentido, tinha algumas ideias para o instituto, que não são melhores ou piores daquelas que já estavam implementadas, mas diferentes.

Passou muito pouco tempo… Para já, ainda só houve praticamente tempo para conhecer os cantos à casa, por assim dizer. O iCBR-FMUC tem vertentes variadas e problemas diversos. É um trabalho exigente, mas gratificante.

Muita desta nova organização interna tem sido feita com a proximidade ao Gabinete de Gestão de Investigação, o GGI, que tem sido um parceiro essencial, e é uma organização que tem também como intuito encontrar formas de promover mais as pessoas, dando-lhes voz.

Mais do que a minha contribuição a título individual, tem sido possível contar com a contribuição de todas as pessoas. Sempre que senti que precisava de ajuda no âmbito destas minhas novas funções, recebi muito mais do que aquilo que antecipava, o que demonstra a enorme generosidade das pessoas, que querem realmente contribuir para que o instituto seja melhor.

Tem sido uma experiência enriquecedora e com a qual tenho aprendido imenso. Muito daquilo que tem vindo a ser instituído no iCBR-FMUC nem sempre é da minha responsabilidade. O que eu às vezes tenho é uma ideia fraquinha e modesta, mas que depois, com a contribuição de todos, se densifica e, no final, quando é implementada é, felizmente, muito mais e melhor do que aquilo que eu de início tinha preconizado.

Penso que é importante atribuir responsabilidades às pessoas, criando uma espécie de pelouros no instituto. Jamais quero centrar em mim toda a responsabilidade da gestão do iCBR-FMUC. Acho que devemos todos dividir tarefas. Temos aqui pessoas tão competentes, capazes, dedicadas e entusiasmadas que me parece importante dar-lhes responsabilidades nas quais tenham interesse e para as quais se sintam motivadas. Temos aqui condições para podermos crescer, assentes nas pessoas magníficas que aqui estão connosco. Podemos não ser o melhor instituto do mundo, mas temos, seguramente, as melhores pessoas do mundo. Disso, eu não tenho dúvidas.

por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Henrique Girão


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