Estudo permite perceber como a pandemia afeta doentes com doença cardiovascular
Sobre o estudo
A doença por Coronavírus 2019 (COVID-19) causou grande impacto nos cuidados de saúde, não só pela afluência de doentes como também pela reorganização de cuidados que se verificou. Durante a primeira vaga pandémica, apesar de um número ainda reduzido de infeções e de doentes com COVID-19, verificou-se uma alteração marcada da atividade clínica assistencial e uma notável redução da afluência ao serviço de urgência por parte da população. Nessa altura, o impacto da pandemia no tratamento das outras doenças era difícil de avaliar, e surgia evidência noutros países de que as admissões hospitalares por Enfarte Agudo do Miocárdio estariam a reduzir e, em contrapartida, a incidência de morte súbita extra-hospitalar estaria a aumentar.
Neste contexto, tornou-se obrigatório verificar o que estava a acontecer em Portugal, e de que maneira as medidas tomadas para prevenir a propagação do vírus poderiam ser deletérias para a saúde da população. Para tal, avaliámos a incidência e as características dos doentes com Enfarte Agudo do Miocárdio nos primeiros meses da primeira vaga pandémica (Março e Abril de 2020) e comparámos essa informação com os dados do período homólogo do ano anterior, permitindo-nos assim perceber se algo teria mudado na orientação diagnóstica ou terapêutica destes doentes.
Resultados e impacto
O nosso estudo demonstrou que no nosso Centro Hospitalar não houve uma diminuição do número de doentes com Enfarte Agudo do Miocárdio, mas, em contrapartida, registou um aumento da gravidade da doença, com uma duplicação da taxa de mortalidade intra-hospitalar e uma redução da função cardíaca desses doentes à data da alta. Concomitantemente, identificaram-se algumas potenciais causas para estes achados. Desde logo, verificámos uma redução dos doentes transportados pelo serviço de emergência médica pré-hospitalar. Associadamente, notou-se também um atraso na instituição do tratamento adequado, que poderá ter sido consequência do diagnóstico mais tardio, como também da demora na procura de cuidados de saúde por parte dos doentes.
Este estudo permitiu perceber de que modo a pandemia estava a afetar os doentes com patologia cardiovascular. Assim, foi imperativo otimizar os circuitos de urgência agilizando a identificação do Enfarte Agudo do Miocárdio e também desenvolver campanhas de sensibilização sobre a importância dos cuidados médicos urgentes em contexto de dor torácica. A relevância da via verde coronária saiu mais uma vez reforçada e destaca-se que qualquer reestruturação dos cuidados de saúde deve ter sempre em atenção o tratamento atempado da patologia cardiovascular.
André Azul Freitas
Revista Portuguesa de Cardiologia
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