Editorial

4'33'' (4 minutos e 33 segundos) de “silêncio”, como forma de homenagear os que sucumbiram na batalha contra o vírus, mas também todos os que têm contribuído para que tantas vezes o vírus tenha saído derrotado e para que possamos acreditar que esta pode ser uma guerra com um final à vista. No entanto, tal como a peça original de John Cage, a reportagem fotográfica de Lara Jacinto não consegue atingir o silêncio absoluto, remetendo-nos, constantemente, para gemidos de dor, gritos de desespero, murmúrios de angústia e impotência, suspiros de cansaço, que se misturam e ecoam nestes espaços onde lutam cumplicemente, por minutos de vida, doentes e profissionais de saúde. Devem ser também 4'33'' de silenciosa reflexão, que desperte em cada um de nós o sentido de responsabilidade e dever cívico de continuar a seguir todas as recomendações de segurança, por respeito, consideração e admiração pelo esforço e risco que profissionais de saúde correm, de forma discreta, para nos proteger e salvar. As palavras já são demasiadas e tantas vezes vãs, já não se conseguem ouvir no meio do enorme ruído que se foi criando em torno da doença. Estamos indiferentes e impenetráveis à cacofonia de discursos erráticos e repetidos. Resta-nos, acredito, o poder da voz silenciosa de uma imagem.

Há vida para além da COVID. Nesta edição, em “Do curso de Medicina”, o Professor Alfredo Mota desvenda-nos a sua paixão pelo piano e descreve-nos, de forma emotiva, as diversas etapas do seu percurso académico. Ficamos ainda a conhecer de que forma, nos palcos que pisou pela vida fora, a arte da medicina se cruzou com o teatro e a escrita. Em “Fora da Medicina”, vamos conhecer um dos símbolos maiores da cultura de Coimbra, a companhia de teatro “Escola da Noite”, com quase 30 anos de história, revela-nos uma representação particularmente marcante, em que Gil Vicente resolve brincar com os médicos da Corte. Na rúbrica “Lucerna”, Gil Correia, estudante do Programa de Doutoramento da FMUC, e especialista em Medicina Geral e Familiar, mostra-nos o caminho para uma carreira recheada de enormes sucessos e conquistas, assumindo que para isso foi essencial perceber que “Só sabemos com exatidão quando sabemos pouco”. Em “Isto é FMUC”, Rafaela Paiva, presidente da Comissão de Curso do 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina fala-nos das dificuldades e desafios desta etapa do percurso formativo de um estudante de Medicina, nomeadamente num momento delicado, em termos restritivos, como este que vivemos, que compromete seriamente o treino clínico. No final, Célia Gomes prescreve um concerto ao vivo, acompanhado de uma nota de alerta para a crueldade da doença mental.



Henrique Girão


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