Do curso de Medicina   

O (feliz) acaso da Medicina  

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Que foi Professor Catedrático de Terapêutica na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), certamente a maioria dos leitores saberá. O que poucos sabem é que, antes de se tornar professor universitário, Frederico Teixeira foi professor primário. Uma experiência que lhe incutiu, desde sempre, uma forma muito própria de ensinar os seus alunos, ou, como diz, de “fomentar o desejo de aprender”.

Nasceu em 1940, em Cavez, uma freguesia pertencente ao concelho de Cabeceiras de Basto. De lá saiu aos 10 anos de idade, rumo à cidade de Braga, para prosseguir com os seus estudos. “Estive interno no Colégio Dom Diogo de Sousa. Era o que os pais faziam aos filhos que tinham de estudar a mais de 50 quilómetros de casa: pô-los num colégio interno!”, brinca.

E foi em Braga, depois de completar o antigo 5º ano do Liceu (atual 9º ano), que Frederico Teixeira se dedicou ao ensino, enquanto completava os seus estudos, conforme explica: “durante esse meu tempo como professor primário, continuei os meus estudos até ao 7º ano [atual 11º ano] e fiz, depois, a prova de aptidão para ingressar no curso Medicina”.

O porquê da escolha do curso de Medicina? Curiosamente, tratou-se mesmo de um acaso e, por essa razão, Frederico Teixeira não tem resposta para esta pergunta, uma vez que, até ingressar no curso, nunca tinha pensado sequer em tornar-se médico. “Não faço a mínima ideia de como fui parar a Medicina! Até porque, dos meus colegas do Magistério Primário, quase todos foram para Direito ou para Letras.”, conta.

Foi na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto que Frederico Teixeira fez a sua licenciatura, que terminou no final de 1967, tendo defendido a respetiva tese em janeiro de 1968. “Na altura, a defesa de uma tese de licenciatura deixou de ser obrigatória, mas como eu e mais de metade dos meus colegas de curso já a tínhamos feito, pensámos que, já que assim era, íamos defendê-la!”, explica.

Tendo em conta o afamado e já histórico ambiente académico vivido em Coimbra, fez-se necessário saber como era o do Porto no tempo em que foi estudante universitário. Dele, Frederico Teixeira guarda boas recordações: “era um ambiente bem vivido, com tradições académicas não iguais às de Coimbra, mas de uma amizade, de um convívio e de uma solidariedade grandes, sobretudo entre os alunos de Medicina, uma vez que as faculdades estavam todas dispersas”.

Frederico Teixeira

Do seu tempo enquanto estudante no Porto, Frederico Teixeira recorda ainda a Crise Académica de 1962, vivida devido à proibição, por parte do regime do Estado Novo, das comemorações do Dia do Estudante e da violenta repressão das forças policiais para com os estudantes universitários, que, como forma de protesto, decretaram o luto académico. “A vida académica no tempo do meu curso foi intensa, até porque vivemos momentos marcantes como este, mas que, mais uma vez, mostraram a grande solidariedade que existia entre os alunos”, denota.

Em 1968, já com o curso de Medicina terminado, deixou a cidade do Porto e partiu rumo a Lourenço Marques (atual Maputo) para ir lecionar para a hoje chamada Universidade Eduardo Mondlane e que, à data, possuía a designação de Estudos Gerais Universitários. Foi a convite de Veiga Simão, primeiro reitor desta instituição, que Frederico Teixeira se mudou, assim, para Moçambique.

É aqui que a Farmacologia entra na vida de Frederico Teixeira: embora o objetivo inicial da sua ida para Moçambique fosse o desempenho de funções enquanto Assistente de Cirurgia, acabou por ficar, na realidade, como Assistente de Farmacologia, substituindo Lobato Guimarães, catedrático de Farmacologia em Coimbra, que precisava de vir passar uns meses a Portugal.

“Quanto lá cheguei, apresentei-me ao Professor Veiga Simão, que me levou até ao Professor Lobato Guimarães e lhe disse «olhe, este rapaz vem para aqui e fica-lhe com a cadeira enquanto você vai para a metrópole», quando eu, na altura, não percebia nada de Farmacologia!”, desabafa. Pouco tempo depois, viria a ser o próprio Professor Lobato Guimarães a convidá-lo para vir com ele para Coimbra, onde chegou em 1973.

Dos tempos em que viveu em Lourenço Marques recorda algumas dificuldades, como a falta da família na altura em que Frederico Teixeira e a sua mulher, que tinha ido viver consigo, tiveram o primeiro filho, mas também uma “vida única e muito ativa socialmente”, de convívio entre todos: “durante toda a semana, trabalhava-se desalmadamente, mas o fim de semana era totalmente reservado para conviver”, refere.


Eu não devo ensinar, devo fomentar o desejo de aprender: são coisas diferentes.

Na sua ‘Última Lição’ enquanto professor da FMUC, a 1 de junho de 2010, disse que “a formação dos docentes de uma faculdade de Medicina faz-se todos os dias e durante uma vida”. Dez anos depois, a opinião mantém-se: “sempre senti uma constante necessidade de formação enquanto professor, e esse talvez tenha sido um vício que adquiri como professor primário”.

A sensibilidade em perceber os anseios e dúvidas dos seus alunos foi, por isso, algo que desde sempre o acompanhou. “Um professor primário é educado para estar ao nível das crianças – salvo seja! – e eu nunca perdi isso. Julgo que, durante toda a minha vida de professor universitário, tentei colocar-me sempre junto dos alunos de maneira a ser acessível e próximo: os meus alunos sempre entraram no meu gabinete sem pedir marcação, e sempre conversei com todos quando foi preciso”, declara.

Tal como referido na introdução deste texto, Frederico Teixeira, para além da proximidade com os alunos, também tentou, desde sempre, incutir-lhes o desejo de aprender. “Eu não devo ensinar, devo fomentar o desejo de aprender: são coisas diferentes.”, faz saber. Por esse motivo, refere que, mais do que uma exposição exaustiva de conteúdos, um professor deve antes “deixar pontos de discussão para que depois o aluno vá à procura desse conhecimento”.

Frederico Teixeira

Foi talvez essa proximidade com os alunos que levou a Tuna da Faculdade de Medicina a nomeá-lo como seu Tuno Honorário: todos os anos, Frederico Teixeira compartilha com os seus membros os festejos de aniversário da Tuna. A par desta proximidade entre o professor e os seus alunos, defende também que a mesma se deve verificar entre o médico e os seus doentes. “Na área da Terapêutica, tão importante quanto ter os conhecimentos é saber como aplicá-los”, uma vez que “as doenças são iguais, mas não há nenhum doente igual a outro”.

Tal como a qualquer um de nós, estes são tempos que também deixam Frederico Teixeira apreensivo. Por isso, houve ainda tempo para saber a sua opinião relativamente à evolução da atual pandemia no País. “Acho que o povo português foi excecional, porque entendeu muito cedo o risco que aí vinha – se calhar assustado com o que se passava com os exemplos de Itália e de Espanha, é certo – mas também acho que houve uma dedicação por parte de todos os profissionais de saúde, dos médicos, dos enfermeiros e dos auxiliares, que nunca será devidamente reconhecida”, declara.


Um médico tem de ouvir o doente, pôr a mão no doente e sentir o que o doente sente!

No entanto, Frederico Teixeira admite, igualmente, que esta boa resposta do Sistema Nacional de Saúde (SNS) à pandemia acabou por suspender o normal funcionamento do SNS: “neste momento, esse normal funcionamento ainda está esquecido e, para além disso, continuamos sem pensar nos problemas que ainda estão por vir”, relativos ao aumento do número de pessoas infetadas.

Na sua opinião, apesar do povo português ser bastante eficaz na procura de soluções para o dia-a-dia, acaba por não ser tão eficiente na definição de um adequado plano de prevenção e antecipação de problemas. Frederico Teixeira mostra ainda a sua preocupação relativamente ao ensino prático na área da Medicina, que, como será compreensível, está, neste momento, condicionado. “Como é que se vê um doente à distância? Um médico tem de ouvir o doente, pôr a mão no doente e sentir o que o doente sente!”, desabafa.

À medida que a conversa se aproxima do fim, é tempo de sabermos quais são os seus principais interesses para além da Medicina. A resposta surge prontamente: “Ler”. Não é por acaso que conta ter, num andar de sua casa, cerca de 3 mil livros. Frederico Teixeira é um ávido leitor, especialmente de livros sobre História da Arte, ou Arte, na sua generalidade, gosto que considera ter adquirido por influência dos professores que teve no Magistério Primário.

“Sempre fui um apaixonado por História da Arte, apesar das críticas dos meus filhos, que me achavam maluco quando começava a falar-lhes das caraterísticas de determinada obra e da sua possível data de construção, etc.!”, graceja.

Frederico Teixeira

Para além da leitura, Frederico Teixeira também se tem dedicado à escrita. Por isso, tem previsto para este ano o lançamento do livro ‘Princípios Gerais da Hidrologia Médica’, até porque, como indica, “não existe nenhum livro desta temática em Portugal”. Depois da publicação deste livro, deve ser publicado um outro, “também sobre Hidrologia, mas no sentido da sua História”, nomeadamente na Hispânia romana (atual Península Ibérica).

Ao longo deste texto, poderíamos ter referido que, no decorrer dos seus percursos clínico e académico, Frederico Teixeira desempenhou diversos cargos, destacando-se, tanto a nível nacional como internacional, nas áreas da Farmacologia Clínica e da Hidrologia Médica.

Poderíamos ter referido que foi membro da Direção da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos durante dois mandatos, de 1975 a 1979; coordenador, em 1985, da Comissão de Farmacologia Clínica encarregada pela Ordem dos Médicos da criação desta especialidade e o primeiro presidente eleito da Direção do respetivo Colégio, que continuou a integrar até 2018; que foi professor catedrático de 1973 a 2010 na FMUC e também presidente do seu Conselho Diretivo de 1997 a 1999.

E poderíamos ainda ter referido que foi também membro da Comissão Nacional do Termalismo, diretor clínico das Termas da Curia e de Monte Real e professor-coordenador do Instituto de Climatologia e Hidrologia da Universidade de Coimbra, ou que fez Clínica Geral na Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro de 1973 a 1983, passando depois para os Serviços de Assessoria Clínica da ARS até 2008, mantendo, até hoje, a sua atividade clínica numa unidade privada de saúde em Coimbra; que é membro de diversas Sociedades Científicas e de Conselhos Científicos ou Editoriais e autor de mais de 400 trabalhos de investigação científica ou caráter pedagógico publicados em revistas e livros portugueses e estrangeiros e que conta ainda com inúmeras participações em congressos, reuniões científicas e cursos, ou com mais de 600 comunicações ou lições realizadas e 28 prémios científicos.

Poderíamos ter referido tudo isso, mas essa seria apenas uma súmula do seu vasto currículo. Na verdade, o que sobressai da conversa com Frederico Teixeira, muito mais do que o seu currículo, que fala por si, é a sua preocupação e estima, quer pelos alunos, quer pelos doentes que têm ou tiveram o privilégio de se cruzar consigo.

por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Frederico Teixeira e de Nuno Batista