Como disse, estão suspensas todas as atividades letivas presenciais até ao final deste ano letivo. É expetável que este final de ano sofra algum atraso?
Teremos as aulas não presenciais e, portanto, o ano letivo acaba a 31 de julho. Ou seja, as aulas terminam no final de maio, a primeira época de exames e de recurso é em junho e a época especial em julho. A única alteração que fizemos ao calendário escolar foi relativa à semana da Queima das Fitas, que passou a ser uma semana letiva.
Nos próximos dias, será feita uma previsão daquilo que será a avaliação de cada unidade curricular, em todas as unidades orgânicas da UC. Até ao dia 8 de maio, estará definido um calendário de exames, semelhante ao atual, mas que indique aos estudantes o tipo de exame que vão fazer.
Claro que deverão existir algumas exceções, mas, no geral, acabar o ano letivo a 31 de julho é algo com o qual a UC se deve comprometer, para não prejudicar o percurso académico dos estudantes. Se me perguntarem se estamos a prestar o mesmo serviço que prestaríamos se estivéssemos em ensino presencial, a minha resposta é não. Mas acho que devemos acabar o ano com dignidade, tentando manter o máximo de qualidade possível e respeitando o calendário escolar.
Vivemos um momento de incerteza. Não sabemos se, em julho, haverá ou não um medicamento, ou se haverá ou não uma segunda vaga. Ninguém prevê o futuro. Por isso, veremos se, em setembro, será possível retomarmos o ensino presencial, tendo em conta que o distanciamento social e a necessidade de termos alguns cuidados vai continuar a existir, certamente por muito tempo.
É absolutamente indispensável para a UC que muitas das coisas que estamos a fazer possam manter-se no futuro. Não estou a dizer que devemos ter uma universidade apenas online, mas devemos ter uma oferta online mais eficiente. Na área da administração da UC, já desmaterializámos muito e praticamente não usamos papel: assinamos tudo digitalmente.
Quanto às provas académicas, como as defesas de dissertações de mestrado e teses de doutoramento, estas também estão a acontecer à distância? Não houve qualquer alteração de datas quanto às provas que estavam agendadas?
Não, pelo contrário. Neste momento, estamos a fazer a avaliação toda à distância. Há doutoramentos, mestrados e até já houve uma agregação à distância. Claro que tivemos de nos adaptar. Preparámos minutas de atas para o presidente do júri das provas académicas.
E, pelo facto de serem provas públicas, são agora transmitidas em streaming.
Referiu que a UC conseguiu antecipar-se um pouco: ainda antes da declaração do estado de emergência, já tinha um plano de contingência ativado e não tinha atividades letivas presenciais. Extrapolando para o contexto nacional, acha que Portugal tomou, desde cedo, as necessárias medidas para evitar a propagação do vírus, ou havia algo a ter sido feito mais cedo?
Eu entendo que, no momento que vivemos, não é, talvez, a altura própria para se falar sobre esse tipo de situação, porque temos de estar unidos para ultrapassarmos esta situação da melhor forma possível.
Como é óbvio, onde há duas pessoas, provavelmente há duas ideias diferentes. Pessoalmente, não me revejo em muitas das medidas que foram tomadas, ou no seu timing, mas creio que o que é importante é que, felizmente, estamos com uma curva mais aplanada. Penso que isso é um dado positivo.
Penso também que podíamos ter aprendido um bocadinho mais com outros casos. Tenho estudado muito as evoluções que existem no mundo. A Coreia do Sul e o Japão são bons exemplos. A Itália é um mau exemplo e a Espanha também não é muito bom. O Brasil e os Estados Unidos da América (EUA), nem merecem comentários.
Mas ficaria quase mal com a minha consciência se não dissesse isto: se a UC teve o cuidado de não trazer estudantes de Itália quando se percebeu o que estava a acontecer, é difícil perceber que se tenha continuado, durante algum tempo, a receber nos aeroportos portugueses cerca de 20 mil pessoas vindas de Itália diariamente.
É difícil estarmos agora a fazer futurologia quanto a esta situação, conforme mencionou. Mas tendo em conta as suas formações académica e profissional [Farmacologia], como acha que será a evolução da pandemia? Estaremos assim tão perto de encontrar um tratamento, ou todas estas restrições a que estamos sujeitos ainda vão continuar por tempo indeterminado?
Quanto à questão mais farmacêutica, se quiser chamar-lhe assim, acho que termos um novo medicamento para este vírus demoraria uns dez anos. Acho que é provável que se consigam descobrir algumas moléculas que já estão no mercado e que tenham algum efeito no caso da COVID-19. Já existem algumas referenciadas e que são do domínio público, como a cloroquina e a hidroxicloroquina, mas há outras e há alguns antivirais também já conhecidos. Creio que uma situação terapêutica deste tipo tem a vantagem de poder ser usada rapidamente nos hospitais, mas será sempre em âmbito hospitalar, ou seja, nunca irá impedir a infeção. Diria que, se uma pessoa infetada estiver internada no hospital e com problemas respiratórios, essas terapias poderão ajudar a salvar vidas. Creio que isso acontecerá em poucas semanas.
Quanto à vacina, acredito que ela será uma realidade, e não apenas daqui a 18 meses. Acredito que poderemos ter uma vacina antes do final do ano. Claro que a sua produção e distribuição massiva poderá demorar algum tempo. Seguramente, se ela for descoberta nos EUA, vamos esperar que todos os americanos sejam vacinados primeiro e só depois os outros países poderão ter acesso a ela.
Acredito muito numa vacina por uma razão simples. Primeiro, é mais fácil desenvolver uma vacina do que um fármaco, no geral. Depois, porque este vírus é um “primo” do H5N1, cujo material genético já está tipificado. Neste momento, as várias vacinas que estão a ser testadas já terão o material necessário para provocar uma reação imunitária nas pessoas. O problema é que não sabemos qual o grau de imunidade que causa a infeção: há pessoas que já foram reinfectadas. Não conhecendo esse mecanismo, podemos estar perante uma situação na qual a eficácia da vacina seja difícil de prever.
Posso dar a minha opinião, que é a de alguém da área, mas que está a arriscar no que está a dizer. Ainda assim, acho que devo partilhar estes meus receios. Já sabemos que este coronavírus se liga ao recetor ACE2. Temos ACE2 nos pulmões e as pessoas de idade, devido às comorbilidades, têm ainda mais ACE2 nos pulmões, daí os casos de COVID-19 serem, por norma, mais graves nestas pessoas. Mas este recetor não existe apenas nos pulmões. Está também presente noutros órgãos, o que significa que podemos ter, no caso de infeção por COVID-19, uma infeção multiorgânica. Neste caso, podemos estar perante uma situação semelhante à do HIV. Ou seja, podemos ter, no futuro, pessoas infetadas cronicamente com COVID, em que aquilo que conta é a carga viral.
Ora, se isso acontecer, estaremos um bocadinho em apuros. Podemos estar a falar de um vírus que está dentro de nós, um inimigo silencioso e difícil de combater. Acho que ainda é cedo para se medir o real impacto deste vírus, mas acredito que a vacina será uma coisa de meses e que aparecerá medicação para, pelo menos, estarmos mais avançados que a doença. Já está a ser aplicada alguma medicação nos hospitais, mas creio que aparecerão coisas melhores dentro de alguns meses também.
Sendo otimista, daqui a um ano, estaremos onde estávamos há ano e meio. Mas, se a coisa não for exatamente assim, se calhar, a vida vai mudar um pouco.
Esperemos contar apenas com primeiro cenário.
Acho que é mesmo isso que todos queremos!
Claro que sim. Indo um pouco ao encontro do que estava a dizer, quanto aos desafios que esta situação coloca, considera que a UC sairá mais fragilizada de tudo isto, com uma necessidade de ajustar todos os seus modos de ensino, ou ficará mais forte e preparada para os desafios futuros?
A UC será sempre aquilo que, coletivamente, quisermos que ela seja. Não é o reitor que muda a Universidade. Sozinho, seguramente não, nem só com a equipa reitoral. Nós vamos ter um rombo financeiro significativo. Vamos ter uma diminuição de receitas brutal este ano, principalmente no que diz respeito ao turismo e aos estudantes internacionais.
Só vejo uma solução óbvia, que é a investigação melhorar muito. Para isso, temos de investir bastante nessa área. E temos também de arranjar outras – e a expressão não é bonita – áreas de negócio. Certamente que o ensino à distância será uma delas, mas não a única. Devo dizer que estou a trabalhar arduamente nisso e com bastantes ideias: minhas, de outras pessoas e que outras universidades estão a pôr em prática, a nível mundial.
A UC nunca mais será o que foi. Acredito que vamos sair mais fortes, porque há coisas que estamos a fazer hoje que não deverão retroceder. A desmaterialização e a eficiência de procedimentos, a nível da administração, é algo que não vou permitir que volte para trás. Mais fortes porque a nossa capacidade digital aumentou muito e vai ter de aumentar muito mais. E mais fortes porque nós já tínhamos um plano de ação para a área de investigação para que esta se tornasse, efetivamente, melhor.
Se já apostava, agora ainda aposto mais na Saúde e no MIA-Portugal [Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento]. Acho que será uma âncora para a UC. E acho que temos potencial em Coimbra para investir bastante na área da Saúde. Pandemias como esta podem afetar muito a Psicologia e o Direito, mas a área da Saúde é a principal protagonista. Se tivermos a capacidade de implementar projetos e atrair cientistas de qualidade, associados aos de muita qualidade que também cá temos, conseguiremos aumentar a nossa capacidade de influência, dentro e fora do País.
Gostaria muito de deixar de ser reitor deixando também uma UC mais atrativa, bem mais do que aquela que encontrei. É muito importante para nós que, nas candidaturas a este e aos próximos anos letivos, os futuros estudantes universitários olhem para a UC vendo nela um exemplo de qualidade, de antecipação dos problemas, de apoio aos estudantes, de investigação e de inovação, porque é isso que chama as pessoas a uma universidade.
por Luísa Carvalho Carreira
fotografia de topo de Paulo Amaral
fotografias de Miguel Santos e Carina Monteiro