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Carlos Robalo Cordeiro 

Professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), pneumologista e diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), Carlos Robalo Cordeiro assumiu, no passado dia 11 de setembro, a direção da FMUC. O mandato tem a duração de dois anos. 

Assume a direção da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) até 2021. Quais os objetivos que a direção pretende alcançar nos próximos dois anos?
Dá-me uma hora para responder?

A pergunta é abrangente, é verdade.
Olhe, desde logo, abrangente é uma boa palavra. Eu acho que podemos e devemos pugnar por uma faculdade abrangente, envolvente e inclusiva. É isso que nós estamos a tentar, através da convocação de equipas, como está inscrito nos Estatutos da Faculdade, com a possibilidade de haver assessores dos subdiretores e de haver subcoordenadores ou subdiretores nos diversos gabinetes. É o que estamos a fazer, envolvendo a faculdade, sobretudo através dos seus mais jovens elementos, para que possam, de certa forma, integrar-se nos dossiers e preparar-se também para a gestão futura da faculdade.

O envolvimento e a inclusão é algo que eu gostava de promover, e isso também se reflete dentro de casa, ou seja, no que se refere ao corpo técnico. Nós temos situações críticas, relativamente ao corpo técnico da faculdade, não apenas porque perdemos muitos elementos nos últimos anos, por mobilidade, por aposentação, como também porque temos um excessivo número de situações laborais precárias, através de bolsas. Um dos primeiros focos desta direção é precisamente fazer pressão junto da reitoria para que isso se possa resolver. Estamos a dar passos muito significativos na resolução de alguns dos nossos problemas, para que possamos acolher mais não-docentes para o nosso corpo técnico, no sentido de dar expressão às necessidades de diversas áreas do funcionamento normal da faculdade que estão hoje muito deficitárias. Esse é um objetivo, em termos de coesão de grupo e de satisfação laboral, que eu considero vital.

Claro que há prioridades que se prendem depois com as áreas estruturais da nossa faculdade, desde logo no ensino e na formação. Nós estamos num processo de terminus, no final deste ano letivo, da nova reforma curricular e, portanto, é altura de fazermos um pouco a monitorização do que aconteceu. Eventualmente, é altura também de se fazer a verificação daquilo que pode ser exponenciado e melhorado aos mais diversos níveis. Temos hoje uma nova Prova Nacional de Acesso, com um perfil completamente diferente, muito mais baseado no raciocínio clínico e na integração de conhecimentos. É importante que o ensino e que os métodos de avaliação sejam também adaptados e sejam tornados mais próximos daquilo que é, depois, o método de avaliação final para os futuros especialistas e para os futuros internos de especialidade.

Temos também que reforçar, porque temos esse potencial e esse histórico, a área da simulação, do ensino através de casos clínicos virtuais, que já foram exercitados este ano e que têm um potencial enorme, diminuindo um pouco o tempo e o peso da área teórica e expositiva e aumentando a capacidade de interação através desses meios, virtuais. Parece-me importante que se olhe para o aluno da faculdade mais na perspetiva da aquisição de competências e que isso seja definido dentro do perfil e dentro daquilo que são as necessidades dos tempos modernos, da aquisição de competências e não tanto apenas do conhecimento.

Julgo que é importante também que se olhe para a área da investigação como um dos métodos de captação de jovens investigadores. Parece-me importante que haja uma renovação e que se possam captar jovens investigadores através de incentivos que lhes sejam concedidos, de utilização e de acessibilidade às nossas plataformas tecnológicas, de maior apoio para a produção de projetos de investigação. Na área da investigação, temos, neste momento, um desafio que vai ser muito importante para os próximos tempos, que é o Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento, que vai ser uma realidade, a breve prazo, e que traz consigo a construção, finalmente, do chamado edifício do Biomed III, para instalação de investigação de excelência na área das Ciências da Saúde. Este é um aspeto muito importante, que esta direção da faculdade pretende alinhar, claramente, com a reitoria da Universidade de Coimbra.

Esta equipa reitoral também tem incluído no seu programa e na sua estratégia as Ciências da Saúde como um foco principal e, portanto, isso traz-me já para aquilo que são as relações institucionais que esta faculdade tem que promover, desde logo com a reitoria, mas também com o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), porque esta é a casa com que nós mais trabalhamos. As Clínicas Universitárias têm o seu funcionamento naquele hospital universitário e esse deve ser um dos nossos focos, olhar para o hospital como um hospital verdadeiramente universitário. Deveremos sempre apoiar e perceber quais são as formas de levar a cabo esse objetivo fundamental, que é operacionalizar o verdadeiro estatuto de hospital universitário, em conjunto. Nós, professores da faculdade e diretores do hospital ou diretores das clínicas universitárias, somos as mesmas pessoas. Não podemos estar a trabalhar de forma diferente por estarmos a falar em nome de uma faculdade ou de um hospital. Nós temos uma comunhão e a Medicina, em Coimbra, só agradecerá que isso aconteça. O doente agradecerá no final, porque, se houver melhor ensino, melhor investigação e melhor formação, o doente será o mais beneficiado.

Somos a unidade orgânica com uma maior capacidade de prestação de serviços especializados e diferenciados, e devemos investir, em termos tecnológicos, para que essa oferta seja cada vez mais diferenciada e mais capaz. Devemos também olhar para outras formas de financiamento da faculdade. Tem que ser através desta prestação de serviços, cada vez de maior qualidade, da oferta na área da formação, através de cursos de especialização que possam trazer novos clientes para a FMUC, tem que ser através da procura de mecenato e de formas de apoio diferenciado. Não podemos ficar de braços cruzados apenas porque não temos verbas suficientes do Orçamento de Estado. Dificilmente o teremos a mais, a breve ou médio prazo.

Deveremos olhar com muita atenção para a área da internacionalização também como uma prioridade e promover, cada vez mais, outros acordos e protocolos que estão em projeto e para execução na área da investigação com outras Escolas Médicas, nomeadamente da União Europeia. Mas também deveremos olhar para a mobilidade dos alunos e para programas que possam permitir essa mobilidade para fora da Europa. Temos estado a preparar essas possibilidades, nomeadamente para os Estados Unidos, mas também para outros países fora do continente europeu.

Julgo que algo vital é olhar para a Medicina Dentária como uma parte fundamental da nossa faculdade. Nós somos a única faculdade do país que tem esse mestrado e é algo que nos distingue, que nos valoriza e que devemos manter como uma joia da nossa coroa, até pela qualidade que temos na área da Medicina Dentária, no ensino e na prestação de serviços. Temos um corpo docente altamente qualificado, que é reconhecido fora de portas. Temos também que olhar para os problemas particulares da Medicina Dentária, como a necessidade de implementar uma reforma pedagógica que está a ser, atualmente, desenvolvida, dando apoio à promoção dessa reforma. Muito foi feito na direção anterior, para a renovação estrutural e de equipamento, quer da área pré-clínica, quer da área clínica, mas temos que continuar a olhar para esse investimento como algo vital para a faculdade no seu todo.

Há um aspeto que eu gostava de focar, que é olhar para algum isolamento e eventual défice de condições estruturais em que ainda seis institutos vivem, no Polo I da faculdade, como algo a apoiar na perspetiva da melhoria das condições e da maior integração desses institutos e das pessoas que aí trabalham com a Escola no seu geral, tentando perceber de que forma é que a futura Subunidade 2, que há-de acolher esses institutos, pode ser pensada e desenhada para que possa acontecer, não digo a breve prazo, mas a médio prazo, desejavelmente. São problemas particulares, que afetam as pessoas e os institutos que estão naquele espaço, no Polo I, de condições que têm que ser resolvidas.

Depois, é importante nós aproveitarmos o facto de integrarmos o Centro Académico e Clínico de Coimbra (CACC) para que essa seja uma oportunidade para olhar para este conjunto de entidades que o constituem, não apenas numa perspetiva da cidade, mas numa perspetiva até do Centro do País, ou seja, olhar para a possibilidade de captação de outras estruturas e outras instituições, como institutos politécnicos ou mesmo outras cidades, que têm também academia, e tentar encontrar uma linha comum entre a comunidade académica do Centro. Hoje, assistimos a uma bipolarização grande, entre Lisboa e Porto, e julgo que é conjugando forças no Centro do País, e não isoladamente em Coimbra, Aveiro, Covilhã ou Viseu, mas encontrando, de facto, um aumento significativo da massa crítica, que podemos criar algum contraponto à bipolarização. Somos claramente favoráveis a isso, a que haja um encontro de capacidades e de potencial na zona Centro para contrapor a essa ideia bipolar que existe no nosso País.

Carlos Robalo Cordeiro
E o que representa para si ser diretor da FMUC? 
Representa duas coisas. Representa um orgulho grande, porque é uma instituição histórica com um passado e, espero, com um futuro merecedor dos nossos maiores elogios. Mas é também uma grande responsabilidade porque é, de certa forma, olhar para aquilo que nós, direção da faculdade, poderemos fazer para melhorar a vida das pessoas. Ao formar médicos, objetivo número um de uma faculdade de Medicina, estamos a criar condições para que os doentes tenham uma melhor qualidade de vida no futuro e uma maior qualidade na saúde e nos cuidados de saúde que lhes são prestados.

Isso faz parte da nossa missão, adaptar a nossa visão e o nosso foco àquilo que é a realidade que vem de fora. Hoje, temos uma população envelhecida, com muitas doenças associadas, as chamadas comorbilidades. Temos um panorama e um espetro de doenças crónicas, nomeadamente do doente idoso, que são a base da morbilidade e da mortalidade por doença no nosso País. Portanto, temos que adaptar a faculdade, na perspetiva pré e pós graduadas, para que, na realidade, se possa dar resposta a essas necessidades da população, porque eu acho que nós estamos aqui de facto para ensinar os nossos alunos a serem melhores médicos e a serem médicos dos tempos atuais, com a realidade populacional que vão enfrentar no futuro.

Atualmente, e para além de diretor, é também Professor da FMUC e diretor do Serviço de Pneumologia do CHUC. Como é que tem sido conciliar a docência e a prática clínica com a direção da faculdade?
Estes primeiros tempos não foram nada fáceis, porque houve, e estão, neste momento, a existir, necessidades particulares no meu Serviço, que está em pleno processo de fusão hospitalar entre os dois polos que existem no CHUC e, ao mesmo tempo que este processo de fusão se iniciou, iniciei também funções na FMUC e terminei, mas terminei de uma forma, digamos, bastante intensa, as minhas funções na direção da Sociedade Europeia [nota da autora: Sociedade Respiratória Europeia – ERS], no dia 1 de outubro, com a organização de um congresso com 22 000 pessoas. De forma que podemos dizer que o mês de setembro talvez tenha sido dos meses mais exigentes da minha vida profissional. Obviamente que tudo tem um tempo. A aquisição de maior conhecimento que se vai tendo, nomeadamente na FMUC sobre o funcionamento da Escola, vai também criando mais facilidade no processo da direção, mas devo dizer que a conciliação foi complexa, nos primeiros tempos. Está agora claramente a melhorar.




Relativamente à prática clínica, sempre quis ser médico? 
Sempre. Acho que isso faz parte, não digo do meu ambiente genético, mas do ambiente familiar. O meu pai era médico, também na área em que eu trabalho. Tenho dois irmãos mais velhos que acabaram por seguir outras vias diferentes, e não Medicina. Portanto, não tive a mínima pressão nem me senti obrigado a tal, mas senti-me, de certa forma, impelido a dar alguma continuidade àquilo que eu via de muito positivo na atividade de um médico, que acompanhei durante muitos anos. Obviamente, na exigência, no trabalho, na sobrecarga, mas também na recompensa que é ser médico, porque nós trabalhamos com um objetivo principal, que é de olhar para as pessoas, saber entender os nossos semelhantes, que podem estar num momento de maior fragilidade e dar-lhes esse conforto, de poder tratá-los, de poder curá-los, de poder acompanhar a sua doença quando não é possível fazer outra coisa. Isso foi algo que me acompanhou ao longo da vida, de uma forma que muito me marcou porque, ao mesmo tempo que eu percebi e que assistia a essa exigência e a essa sobrecarga, existia também a recompensa que sempre me fascinou e, por isso, aqui estou.

E relativamente à Pneumologia, a escolha dessa área tem a ver com a ligação familiar de que falava? 
Não tem a ver com o facto de eu ter asma brônquica, se é isso que quer saber! Não é por eu ser um asmático que estou na Pneumologia. É mais uma vez, também, pela influência familiar.

Resta-me perguntar-lhe se lhe sobram tempos livres e o que gosta de fazer, caso os tenha.
Essa tem que perguntar à minha mulher! Não, vamos lá ver… falta-me tempo, isso falta. Falta-me tempo para uma coisa que eu considero fundamental, que é a família. Claro que eu gosto muito de fazer duas, três coisas, e tento fazê-las. Uma é fazer jogging. Eu utilizo muito o jogging para pensar, para refletir. São, julgo eu, neste momento, os meus poucos momentos de reflexão. Penso que temos cada vez menos e esse é um aspeto que acho que é relevante. Hoje, somos cada vez mais um homo faber e menos um homo sapiens. Temos cada vez menos tempo para refletir e para olhar com cuidado sobre tudo o que fazemos. Fazemos muito mais do que pensamos, claramente, e não deveria ser assim. E um dos poucos momentos em que eu dou comigo a pensar, precisamente, é quando faço jogging, é quando corro. Essa é uma das poucas atividades para as quais me tenho dedicado, para além da preocupação, nem sempre conseguida, de dar a atenção suficiente à minha família.


por Luísa Carvalho Carreira
fotografia de topo de Carina Monteiro 
fotografias de Rodrigo Canhão  


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