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Francisco
Ambrósio

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Francisco Ambrósio é o atual diretor do novo Coimbra Institute for Clinical and Biomedical Research, e investigador da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, onde lidera, desde 2002, um grupo de investigação na área das ciências da visão.


O que esteve na origem da mudança de nome de IBILI para iCBR - Coimbra Institute for Clinical and Biomedical Research?

No essencial, prendeu-se com o facto de ter sido criado um novo instituto, o Coimbra Institute for Biomedical Imaging and Translational Research (CIBIT), que está sediado no Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS), onde está a esmagadora maioria do equipamento de imagem biomédica do Polo 3. Portanto, não fazia sentido que o Instituto Biomédico de Investigação da Luz e da Imagem (IBILI) mantivesse um nome onde aparecia imagem biomédica, na medida em que essa tecnologia é quase inexistente no IBILI, nem estar situado a 30 metros de outro instituto com um nome similar. Além disso, não seria desejável que o IBILI, numa avaliação internacional, fosse indagado acerca do que faria na área de imagem biomédica.

Esta foi uma das razões para a mudança de nome. Mas houve outro fator relevante: do IBILI para o CIBIT transitaram cerca de 70 pessoas, do total das 180 que compõem o instituto. Como é óbvio, a estrutura do IBILI ficou algo fragilizada, até porque o Miguel Castelo Branco era o investigador mais reconhecido, a nível nacional e internacional.

Do meu ponto de vista, fazia todo o sentido haver um único instituto avaliado na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Com a vantagem de a faculdade possuir clínicos que podem desenvolver investigação de muita qualidade, algo que pode ser potenciado a outro nível e tornarmo-nos mais competitivos e reconhecidos no estrangeiro, em especial na área clínica. Após várias reuniões e discussões com colegas do IBILI e do Centro de Investigação em Meio-Ambiente, Genética e Oncobiologia (CIMAGO), propus ao Conselho Científico da FMUC a alteração de nome, de IBILI para Coimbra Institute for Clinical and Biomedical Research (iCBR). Ou seja, foi de propósito que se incluiu a palavra 'clinical' em primeiro lugar, para dar ênfase à investigação clínica.




Quais são as grandes apostas do iCBR, em articulação com o Plano Estratégico da FMUC?

Desde logo, gostaríamos de tornar o iCBR mais reconhecido a nível nacional e internacional. Para isso precisamos, de forma objetiva, de ser competitivos a nível científico, sendo para isso importante haver investigadores de qualidade, com capacidade de angariação de financiamento. Mas, para atingir esse reconhecimento, é determinante haver áreas nas quais sejamos competitivos e que estejam alinhadas com a estratégia da FMUC. A própria faculdade já tinha identificado várias áreas estratégicas (ciências cardiovasculares, neurociências, ciências da visão e oncobiologia e genética), na altura em que eu fui subdiretor para a Investigação e Desenvolvimento Tecnológico, e a identificação dessas áreas foi também suportada pela realização de um inquérito. Além destas, embora não fosse designada como área estratégica pela FMUC, havia o envelhecimento, a funcionar como área transversal, porque todas estas áreas estão associadas a investigação em várias patologias nas quais o envelhecimento é um fator de risco. A direção atual da faculdade prosseguiu com a aposta nessas áreas estratégicas, bem como o iCBR.

Resumindo, os objetivos passam por criar condições para que a nossa investigação na área clínica, fundamental e translacional consiga atingir patamares de excelência mais elevados, o que nos dá, desde logo, reconhecimento internacional. Queremos também tentar fazer sempre investigação em que haja pontes entre a parte clínica e a parte fundamental. E, sempre que possível, fazer investigação translacional e também apoiar projetos que não estejam focalizados apenas numa área estratégica.


Falou um pouco da ambição de afirmação no plano internacional. Prevê que isso possa acontecer em quanto tempo?

O iCBR é uma unidade de investigação relativamente pequena, quando comparada com outras existentes em Portugal. No entanto, na área da Biomedicina, a maioria das pessoas que trabalham nesta área reconhecem o trabalho desenvolvido pelo IBILI e o que vai ser agora desenvolvido pelo iCBR.

A nível institucional é uma entidade reconhecida, tendo sido, durante várias avaliações, classificada como excelente. Ao início, talvez se diferenciasse mais pela investigação feita nas ciências da visão, mas o IBILI era mais do que isso, com trabalho reconhecido na área da imagem biomédica, neurociências e ciências cardiovasculares, por exemplo.

Para se ser reconhecido a nível internacional... Temos de admitir que não o somos. Se falarmos no Max Planck Institute ou no European Molecular Biology Laboratory (EMBL), as pessoas reconhecem os nomes. Ou se falarmos de universidades como Cambridge, Oxford, Harvard. É necessário termos investigadores de nível internacional, capazes de atrair financiamento significativo. Se conseguíssemos ter pessoas com essa qualidade superior, e não quer isto dizer que não tenhamos pessoas com qualidade, seria um passo em frente. Contudo, isso não é fácil, dado que é complicado atraí-las para Coimbra, desde logo pelos baixos salários oferecidos em Portugal. Os incentivos também são praticamente inexistentes. Por exemplo, estive há pouco tempo em Heidelberg, no EMBL, onde são oferecidos pacotes anuais de verbas relativamente avultadas para que as pessoas possam desenvolver investigação e para a aquisição de equipamentos. A um investigador norte-americano, cujo laboratório visitei, foi oferecido um microscópio de alta resolução que custava um milhão de euros, e isso era apenas uma parte do pacote oferecido. Essa é uma realidade que não vejo que possa ocorrer aqui nos próximos anos. Assim, torna-se mais difícil ter um reconhecimento internacional como têm outros institutos.

Mas temos de ser positivos e de fazer um esforço nesse sentido. Temos publicado melhor. Ainda estamos longe de publicar com regularidade em revistas de topo, mas temo-lo feito noutras, com um fator de impacto bastante interessante, o que nos traz reconhecimento e atratividade. Acredito que este reforço do investimento na investigação clínica, no tentar atrair mais médicos para fazerem investigação, vai ter resultados positivos em alguns anos.
Francisco Ambrósio

Uma alteração legislativa, por exemplo da passagem de um regime de bolsas para contratos, poderia ser um incentivo para fixar jovens investigadores, ao invés de emigrarem?

Objetivamente diria que sim, mas também depende do tipo de contratos. Mesmo com a nova legislação, que é positiva, uma vez que se pretende terminar com a precariedade das bolsas e oferecer contratos de trabalho aos investigadores mais jovens, os salários ainda não são competitivos ao ponto de atrair estrangeiros.

Depois, mesmo a nível nacional, há essencialmente dois polos, Porto e Lisboa, onde há um conjunto de instituições de grande qualidade na área da Biomedicina, com outros recursos a nível humano e de equipamentos, com uma maior massa crítica. São, também, áreas mais populosas, o que faz com que se tornem mais atrativas, dificultando que uma cidade mais pequena, como Coimbra, consiga atrair pessoas. Tem acontecido, em vários concursos, que as pessoas vêm para o iCBR, mas assim que conseguem, mesmo vivendo em áreas limítrofes a Lisboa ou ao Porto, mudam-se para instituições dessas duas cidades. Não podemos, de forma alguma, descurar as condicionantes económicas.

Isto é um problema que não é apenas de Coimbra. Aveiro também o tem, Covilhã... Se é impossível inverter isso? É muito difícil. Há universidades relativamente pequenas, mas de grande prestígio, como Stanford, que até tem menos alunos que a Universidade de Coimbra. No essencial, para além da excelência científica, que do meu ponto de vista é o principal fator de atratividade, são necessários melhores salários, outro fator de atratividade, e algo que não sucede muito na Europa - donativos para investigação, que são uma realidade, por exemplo, nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Penso que deveria haver um investimento claro de milhões de euros para contratar pessoas de qualidade, numa infraestrutura como o planeado BioMed, e para adquirir mais e melhor equipamento. No essencial, uma estratégia de médio/longo prazo, com uma aposta sustentada da Universidade de Coimbra e das diferentes forças da cidade, que tenham como desígnio uma cidade da investigação e da saúde.

O Biocant é um exemplo interessante, inserido numa cidade de pequena dimensão, que tem conseguido atrair pessoas, investimento e empresas, o que mostra que é possível fazê-lo, mesmo começando do zero, o que não é o caso do iCBR.

Como é que vê o panorama da investigação nacional nesta área?

Isso é uma pergunta à qual não é fácil responder. Olhando para os últimos dez, 15 anos, a investigação desenvolveu-se bastante e a qualidade dos nossos investigadores e das suas publicações melhorou substancialmente. Ou seja, estamos, de forma objetiva, melhor. Quando nos comparamos com instituições internacionais de topo, e devemos comparar-nos sempre com essas, ainda estamos a uma grande distância, diria mesmo que a vários anos de atingir esse patamar. Para superar essa diferença teria de haver, a nível nacional, um investimento ainda maior na ciência. Há sinais deste governo, porque com a crise a ciência foi bastante afetada, de que pretende voltar a criar condições para tornar a ciência mais competitiva.

Mas persiste sempre um problema, o da enorme burocracia, que se reflete na incerteza quanto à abertura de concursos para projetos de investigação e para bolsas. Li no Público que vai haver um “simplex” para a ciência, o que é de louvar. Também houve uma petição recente, lançada por vários investigadores, que o ministro e o presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia assinaram, e que pede que todos os processos associados à investigação científica se tornem mais simples, que os concursos se tornem mais céleres, transparentes e fáceis, de maneira a que as pessoas que fazem investigação se sintam mais satisfeitas. Porque é uma área extremamente competitiva, em que, em teoria, apenas os melhores projetos é que são financiados.

Quero acreditar, com o “simplex” e com a intenção deste governo, e creio que da sociedade em geral, que vai haver um maior investimento na ciência e na tecnologia, atingindo uma percentagem do PIB similar à que é investida noutros países mais desenvolvidos, como os nórdicos, que estão criadas as condições para melhorarmos. Todos temos a ganhar com isso, com a eventual translação do conhecimento produzido para a sociedade. E qualquer sociedade que seja mais bem informada, uma sociedade do conhecimento, é necessariamente mais evoluída e, do meu ponto de vista, mais feliz. 

por Paulo Sérgio Santos
Fotografias gentilmente cedidas por
Francisco Ambrósio

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