Odes de Ricardo Reis (14-2-1933) Fernando Pessoa (1888-1935)
A vida faz-se caminhando...
Quando me foi pedido para definir um marco na vida, um ponto de viragem, o momento que me fez trilhar o caminho para um doutoramento, decidi parar, olhar para trás e tentar perceber se de facto esse momento existia... Aí pensei que seria demasiado injusto nomear algo ou alguém porque, de facto, são vários os pontos, marcos e factos que foram norteando as minhas escolhas...
É na tomada de decisões que traçamos e reinventamos o nosso percurso de vida. Decidi abraçar a carreira médica e, nesse compromisso, assumi responsabilidades e obrigações que elegem como valor maior a saúde e o bem-estar da pessoa doente. Na minha incursão pela Medicina escolhi Cirurgia Geral e foi aqui que iniciei um dos maiores e mais arrojados projetos de vida.
Quase concluído o curso de Medicina surge o contacto real com a Cirurgia Geral no sexto ano. Tive o prazer de trabalhar de perto com as duas pessoas mais importantes na minha vida profissional... O saudoso amigo e mestre Prof. Dr. Francisco Castro e Sousa e o amigo de todas as horas e companheiro de viagem Prof. Dr. J. Guilherme Tralhão... Homens notáveis, cirurgiões com qualidades técnicas, científicas e humanas inexcedíveis e investigadores inconformados sempre na procura da excelência de melhor servir e tratar...
Nesse contacto percebi onde iria fazer o meu internato, no Serviço de Cirurgia III do CHUC... Para além da vertente clínica e assistencial de excelência, havia a vertente académica e investigacional sempre presente, e para a qual todos, sem exceção, eram motivados para não se contentarem com a resposta “é assim porque é”...
Foi aí que percebi que não bastava ler os livros e artigos científicos, que não bastava a prática do dia-a-dia para melhorar, mas que era nela que encontraria os desafios de todos os dias, as perguntas sem resposta e que teria de ser proativo na busca do saber...
Foi, por isso, natural a candidatura ao Doutoramento em Ciências da Saúde, pois encerrava em si uma oportunidade para explorar e avaliar com mais detalhe mecanismos biológicos complexos, com os quais me deparava, todos os dias, na prática clínica enquanto interno de Cirurgia Geral. Poderia obter conhecimentos na vertente investigacional, em projetos de investigação básica e translacional, que à semelhança dos Mestres com quem trabalhava, pudessem ser aplicados em prol da melhoria contínua dos cuidados prestados aos doentes, ajudando na minha formação enquanto homem, médico e investigador.
Quatro anos volvidos, e com o projeto de tese quase terminado, VALEU A PENA! Desenvolvi capacidades técnicas e científicas, mas mais importante, desenvolvi capacidades humanas, de trabalho em equipa multidisciplinar. Fui confrontado com o desconhecido e aprendi a enfrentá-lo... Tenho o prazer de colaborar com investigadores de diversas áreas, que me abriram horizontes, me fazem querer ir mais além e perceber que o terminar do projeto do doutoramento será apenas mais uma página, às quais muitas outras se vão seguir...
Porque a vida se vai continuar a fazer caminhando...
Ricardo Martins é cirurgião no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e aluno do Programa de Doutoramento em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
Fotografia gentilmente cedida por Ricardo Martins
Ilustração por Ana Catarina Lopes