Clínica Universitária de Cirurgia Cardiotorácica
Quais foram, para si, os momentos mais marcantes enquanto diretor da clínica?
O mais marcante foi o momento em que cheguei para fundar o serviço. Existia um arremedo de cirurgia cardíaca, com resultados muito maus, que obrigou o diretor da Cardiologia, o professor Ramos Lopes, a informar o hospital que se recusava a enviar mais doentes para aquele serviço. Isso, que coincidiu com a abertura do novo hospital, levou a que procurassem alguém e surgiu o meu nome.
O hospital não estava habituado a este tipo de atividade intensa, tinha programado instalações para se fazerem 250 cirurgias por ano. Na primeira inspeção que fiz, disse que precisávamos, só para a zona centro, de espaço para 450, 500. Ficaram de olho arregalado, também por causa do que eu dizia que era possível fazer. Mas logo no segundo ano ultrapassámos as 450 e no terceiro as 500. Daí em diante foi sempre a subir até hoje.
É claro que isso mexeu com muita gente no hospital, houve quem gostasse e quem não gostasse. Estamos numa universidade que é muito tradicionalista, vir alguém de fora e basicamente afastar alguém que era da casa tornou-se problemático, com algumas peripécias iniciais. Mas rapidamente se construiu um serviço que se tornou um modelo e um exemplo para outros serviços do país. O meu contentamento não é apenas por mostrar que era possível fazer em Coimbra algo tão bom como se faz, em média, noutros países mais avançados, mas também por ver que o nosso exemplo serviu de estímulo para melhorar as coisas no nosso próprio hospital. No início, éramos o único serviço em que trabalhava até às seis, sete da tarde e lembro de ouvir um colega dizer, em público, "se o Manuel Antunes pode fazer, nós também".
Houve outros, claro. A construção deste novo edifício, exatamente porque o outro, num hospital com 15 anos, já não chegava para nós. Foi um projeto a que me dediquei de alma e coração. A família queria que tivesse sido engenheiro e eu sempre tive algum interesse pela área. Por isso, acompanhei a evolução das obras e fiz a sua fiscalização, de modo que posso dizer que as portas estão situadas no sítio certo e abertas para o lado que se entendeu.
Um terceiro aspeto foi o início do programa de transplantação. Quando aqui cheguei, o Diário de Coimbra fez um título como "Aí vem o famoso transplantador de corações". E causei alguma celeuma quando afirmei logo que não. Toda a gente estaria à espera que se iniciasse de imediato a transplantação, que já se fazia em Portugal há dois anos - num centro no Porto e em dois em Lisboa, no total um a mais do que penso que seria necessário. Por isso, pensei que abrir um quarto centro de transplantação não fazia qualquer sentido, para além de estarmos numas instalações que seriam apertadas para tudo. Hoje somos o maior centro transplantador do coração no nosso país e isso é apenas pouco mais de 1% da nossa atividade, mas que ocupa muito mais do que isso em termos de recursos humanos e materiais. Não fazia, então, sentido concebê-lo inicialmente, mas depois, com a mudança para este novo serviço, sem restrições de espaço, e pelo facto de, nos cinco anos anteriores à sua inauguração, nenhum dos doentes que tínhamos enviado para outros centros havia sido transplantado, pensámos que era quase um dever ético iniciá-lo. A organização do primeiro transplante cardíaco em Coimbra, sendo que foi feito 20 anos depois do primeiro em Portugal, e 35 anos do primeiro no mundo, não era para ser grande notícia, mas, mais uma vez, entendemos que a ser feito, devia sê-lo como deve ser.
Há dois anos, quando foram nomeados os centros de referência nacionais nas várias especialidades, o nosso foi o único eleito como centro de referência de transplantação cardíaca, porque mais nenhum correspondia às exigências impostas pelas regras do concurso. Mais tarde, porque os outros não gostaram, o ministro, por decreto administrativo, achou por bem nomeá-los todos, mas não deixou de dizer que o único era o nosso e que todos sabiam porquê.
Lembra-se do dia do primeiro transplante?
23 de novembro de 2003, 13 meses depois da inauguração destas instalações. Curiosamente, essa inauguração ocorreu no dia de São Teotónio, 30 de setembro, dia que marcou também a abertura do hospital.