4'33''

Catarina Resende de Oliveira

voiceMED
É professora catedrática da FMUC, onde tem a seu cargo a regência da cadeira de Bioquímica desde 1988. Licenciada pela faculdade em 1970, concluiu o doutoramento na área da Neurologia em 1984, tendo, desde então, obra e meritório trabalho nas Neurociências. É neste momento membro da direção do Centro Académico e Clínico de Coimbra, lugar para o qual foi nomeada em março de 2016.


Fala-se bastante do Centro Académico e Clínico de Coimbra (CACC).
O que é, quando foi formado e qual o seu objetivo?

É um consórcio que foi estabelecido entre a Universidade de Coimbra (UC) e o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). Tem como missão potenciar as competências que existem, na Faculdade de Medicina da UC (FMUC) e no hospital, no sentido de otimizar as condições de ensino, investigação translacional e clínica, e também de assistência médica da mais elevada qualidade. Na génese do CACC está um conceito, que aliás faz parte do senso comum, o de não haver uma faculdade de medicina de excelência que não tenha associada a si um hospital de excelência e vice-versa. Não estamos perante um conceito inovador, já existem vários CACs na Europa.

A portaria que cria o CACC data de 2015. Quando começámos a pensar neste conceito e a tentar dar-lhe um corpo, tínhamos a ideia clara de que não somos excelentes em todas as áreas. Entendendo isso, e olhando para aquelas em que poderemos ser inovadores e reconhecidos, juntámos um grupo de clínicos e investigadores da UC e de centros de investigação associados e fizemos uma série de reuniões, ‘brain storming’, para identificar e avaliar a potencialidade de criar projetos centrados nessas áreas específicas. Partimos dos centros de referência, aprovados a nível hospitalar, e do facto de sermos uma região de referência, aprovada a nível europeu, para o envelhecimento ativo e saudável. Com estes dados concretos, construímos um documento orientador que está perto de ser finalizado.

Assim, tendo como “pano de fundo” o envelhecimento, tendo em conta as características demográficas da região Centro do país onde o CACC se insere, as áreas identificadas, como as que já conciliam atividades de investigação e de assistência médica, numa perspetiva translacional e clínica, foram as Ciências da Visão, as Neurociências, as Doenças Cardiovasculares, as Doenças Metabólicas e do Metabolismo, os Transplantes e Terapias Avançadas, a Oncologia e os Cuidados Paliativos. Apesar de considerarmos as duas últimas como áreas em desenvolvimento, são sem dúvida áreas com grande potencial de investigação e com uma relação forte com o envelhecimento. 


Coimbra recebeu, a meio de abril, o encontro regional da Cimeira Mundial da Saúde.
O CACC integra a M8 Alliance, e esteve também envolvido na organização do evento. Considera que esse momento pode ter sido o impulso necessário para o CACC? 

Sem dúvida que esta cimeira foi um momento importante para o CACC e espero que tenha reflexo no alavancar da atividade do consórcio nos próximos tempos. A M8 Alliance é um consórcio de CACs europeus, o CACC é o único integrante da M8 Alliance a nível nacional até ao momento, e estando inseridos nessa rede temos nas nossas mãos as oportunidades para promover a internacionalização dos nossos projetos. Considero que a realização desta cimeira em Coimbra foi um momento extremamente importante para todos, numa cidade em que a saúde poderá e deverá ser um elemento diferenciador a nível nacional e internacional.

Sempre que surgem conceitos e estruturas novas há opiniões a favor ou contra, mas penso que temos de nos convencer que as instituições, e tudo o que nelas se faz, depende das pessoas. Elas são o elo principal para que se possa realmente fazer algo que nos distinga. Esta ligação entre a FMUC e o CHUC é o embrião para a criação de um verdadeiro hospital universitário, mas isso requer uma vontade forte de todos os elementos envolvidos neste processo. Sem esforço conjunto, nada acontecerá.

Sou entusiasta dos CACs, defendo-os até à última instância e penso que as pessoas ainda não perceberam o que têm na mão. Se não agarrarmos esta oportunidade, nunca mais nos podemos voltar a queixar de que somos ignorados, que os hospitais universitários não existem, por exemplo. É evidente que é um processo que se constrói, que há inúmeros obstáculos que vamos ter de contornar e que temos de procurar soluções para colmatar diferentes aspetos que uma relação entre o Ministério da Ciência e do Ensino Superior e o Ministério da Saúde encontram, quando procuram fazer um projeto conjunto, como são os CACs.

Neste momento, devo dizer que já não tenho paciência de estar sempre a ouvir "isto não vai funcionar", "isto não vai levar a nada". Quando me dizem isso, peço que me apresentem propostas alternativas, para analisarmos e vermos se são, ou não, uma melhor solução. De facto, não tenho paciência para a crítica fácil.
Catarina Resende de Oliveira
Referiu que é entusiasta dos CACs. Qual é, para si, a referência a nível internacional deste tipo de estruturas? 

Há vários CACs que funcionam muito bem. O CAC que está associado ao Hospital Charité, em Berlim, está bem organizado. Quando visitamos o Charité, podemos ver que é um hospital antigo, mas funcional. Ficamos com a perspetiva de que não são necessárias novas instalações, é preciso é que as instituições funcionem, principalmente ao nível de atividades que são estruturantes. Por exemplo, a informatização dos serviços clínicos que permita um fluxo de informação interoperável e dialogante. A instalação de uma plataforma informática de registo e utilização de dados clínicos, que permita a recolha, agregação, armazenamento e utilização de registos clínicos segundo uma perspetiva de 'big data', é fundamental para o avanço do conhecimento biomédico e clínico no futuro. Hoje em dia não se pode pensar numa “ciência pequenina”, é fundamental olhar para a 'big science', ter acesso a dados dos pacientes, anonimizados, que permitam fazer uma investigação clínica com grandes coortes e grupos controlo, que facilitem a intervenção do clínico e promovam o avanço da ciência numa perspetiva mais aplicada e direcionada para a promoção da saúde e a prevenção da doença.

É um processo que envolve educação e treino dos elementos do corpo clínico, no processo de inserção de informação e, por outro lado, a compreensão pelos informáticos da perspetiva do clínico, por forma a construir uma visão global e integrada dos procedimentos.


Fala várias vezes das pessoas como um bem essencial. O que é que, na sua ótica, falta para o CACC ser uma realidade física?

É necessário que haja um núcleo alargado de pessoas que acreditem no CACC, na sua importância para a implementação de um hospital universitário, e é evidente que têm de existir as estruturas que permitam atingir os objetivos a que um CAC se propõe. Penso que há estruturas que deveriam ser comuns entre as partes envolvidas, o CHUC e a FMUC, como um gabinete de gestão de projetos. Isto permitiria aproveitar recursos, promover a investigação e tudo seria menos dispendioso. E porquê comum? Porque a gestão de projetos tem de ser gerida de maneira articulada, utilizando as redes interna e externa do CACC, deve facilitar o acesso dos clínicos aos diversos concursos nacionais e internacionais no âmbito de redes de que a UC e o CHUC fazem parte, como por exemplo a rede EITHealth, capaz de prestar apoio nos passos que têm de seguir para implementar um determinado projeto. Porque, mais uma vez, é certo que os clínicos estão sobrecarregados com tarefas assistenciais, mas, se tiverem este suporte, querem fazer investigação. A criação de uma Contract Research Organization académica, vocacionada para dar apoio à investigação clínica, nomeadamente aos ensaios clínicos da iniciativa do investigador, é outra das estruturas essenciais para a concretização da missão do CACC.

Outra estrutura, o biobanco, algo fundamental para a investigação clínica e translacional. Bem organizado, cumprindo todos os requisitos exigidos pela lei, com recursos humanos dedicados, com competências adequadas para dar suporte permanente à estrutura e à dinâmica de um biobanco, com ambição para enquadrar uma rede nacional de biobancos que esperamos venha a ser uma realidade futura. Um corpo técnico especialista nos procedimentos laboratoriais, um diretor com proatividade e capacidade de manter um biobanco de qualidade internacional. É uma estrutura com um valor incalculável. Mais uma vez digo, não é necessário muito dinheiro. É necessário equipamento, mas sobretudo são necessárias as pessoas certas, a organização e a visão estratégica que assegure a sustentabilidade desta estrutura.
Catarina Resende de Oliveira

Daqui a um ano, o que espera ver e ter do CACC?

Aquilo que gostaria de ver era uma estrutura organizada, a funcionar em velocidade de cruzeiro. Gostaria de ter em funcionamento as estruturas comuns de que falei, mas também uma comissão de ética com uma organização que lhe permita dar resposta célere aos diferentes estudos e projetos, ver concretizado o projeto de 'big data'. Gostaria de ver todo este processo a fluir ou, pelo menos, gizado de uma maneira que não fosse possível não acontecer. E é evidente que é necessário que as entidades envolvidas, o CHUC e a UC, entendam que, para isto acontecer, é preciso um mínimo de recursos humanos, mas sobretudo uma visão estratégica, ambição e vontade.

por Paulo Sérgio Santos
Fotografias - Arquivo da FMUC

Voltar à newsletter #6