Quando me foi pedido um testemunho sobre um ponto de viragem da minha vida académica ou profissional, a verdade é que me recordei de múltiplas situações. Lembrei-me das práticas de Gastroenterologia com o professor Maximino Correia Leitão e da primeira vez que, durante o curso de Medicina, me convenci que ia ser médico.
Das aulas de Pediatria com o professor Carmona da Mota no antigo Hospital Pediátrico de Coimbra, em que sob o olhar atento do mestre percebi a importância de ouvir os doentes e de pensar sobre eles. Da escolha da especialidade de Pediatria. Do estágio de Infecciologia Pediátrica, em Londres. Da entrada no programa doutoral. E das aulas de RMT, em que a informação científica me invadia pelos olhos e ouvidos, como se de uma explosão sinestésica se tratasse, tudo isto num convívio incrível com médicos, biólogos, farmacêuticos, enfermeiros e com o Marco, a Cláudia, o Carda e a Cátia Azenha. Como escolher um momento fundamental no meio de tantos? Então ocorreu-me uma memória. Algo que de facto marcou a diferença e semeou a base para o meu entendimento da prática da medicina e da importância da investigação como parte da arte médica.
Durante o meu quinto e sexto anos tomou conta de mim uma insatisfação, que foi crescendo e crescendo, transformando-se num vazio. Sentia que me faltava um projeto básico, uma investigação. Assim, eu e dois amigos, quais mosqueteiros de Dumas, fomos à procura desse desafio e dirigimo-nos então ao Gabinete de Apoio à Investigação (atualmente provavelmente designado de outra forma) da FMUC, para nos inteirarmos do que poderíamos fazer para colmatar aquilo que, para nós, era uma lacuna no então curso de Medicina – a ausência de uma preparação para se realizar investigação médica.
E foi então que aconteceu, esse ponto de viragem. Conhecemos o professor Miguel Castelo-Branco e iniciámos um projeto na área da doença de Parkinson, com doentes seguidos no Serviço de Neurologia dos HUC, em concreto na alteração da perceção do movimento. Passávamos a tarde com esses doentes e os seus familiares, a realizarmos testes computadorizados, mas também a falar e a ouvir, a sabermos as suas histórias e angústias. As tardes prolongavam-se e passavam a noites e ouvíamos o professor Castelo-Branco a ficar radiante com os resultados do estudo, sobretudo quando não correspondiam ao que queríamos ou esperávamos, porque levantavam novas questões e novos rumos a explorar.
Foi durante esse tempo que percebi que não há medicina sem investigação, que a ciência básica e a clínica se complementavam, que todos servimos o mesmo interesse e o mesmo propósito final que é o avançar do conhecimento. Mas também percebi que nada disto fazia sentido para mim sem a prática clínica. E foi assim, com esta necessidade perpétua de ser um médico melhor para os meus doentes e de saber que só o serei com a ajuda da investigação e da medicina translacional que decidi concorrer ao programa doutoral.