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Fernando Regateiro

VOICEmed #5
Nascido em 1952, é, desde 2004, professor catedrático da FMUC e regente da cadeira de Genética. Foi, entre outros cargos, presidente do Conselho de Administração dos HUC, entre 2007 e 2011, cargo a que regressou em 2017, agora à frente do CHUC.


Foi um dos 'speakers' do Regional Meeting da World Health Summit, que se realizou em Coimbra nas últimas quinta e sexta-feira (19 e 20 de abril). Qual a importância, para a cidade, de acolher este evento?

O consórcio internacional M8 Alliance reúne membros de 18 países. A realização em Coimbra do Encontro Regional trouxe à cidade personalidades de diferentes quadrantes, com formas distintas de ver as organizações e a sociedade. Neste ambiente diverso, pretendemos refletir sobre a saúde global, os aspetos que se referem à doença e que vão para além da doença. Hoje, as fronteiras estão mais esbatidas e a permeabilidade e a mobilidade são completamente diferentes do passado. O acesso aos cuidados de saúde básicos, à prevenção das doenças e a terapêuticas inovadoras devem ser disseminadas.

O cruzamento de experiências e de culturas é de extrema importância para esta reflexão. As formas de estar, de ser, de procurar equilíbrios e caminhos são relevantes, na perspetiva da definição de saúde como um bem-estar biopsicossocial e não simplesmente como a ausência ou presença de doença.

Isto permitiu que Coimbra se inserisse uma vez mais nesta discussão globalizada, podendo ainda ser potenciada a vinda para a cidade de novos investimentos na área da saúde, a par de novos ou reforçadas pontes de contacto para criação de conhecimento. Coimbra tem de estar no mapa mundial, tem feito por isso e tem de continuar a fazer por isso. Foi o que fizemos!


Falta cerca de um mês para completar o primeiro ano deste seu segundo mandato enquanto presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), antes dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). Que balanço faz até ao momento e que planos tem para os próximos dois anos? 

No regresso ao Conselho de Administração e à função de presidente do agora CHUC, encontrei uma nova realidade, que difere, de forma substancial, daquela que era a dos HUC. Há uma dimensão acrescida em cerca de 50%, que trouxe mais diversidade.

Coimbra tem-se caracterizado pela elevada diferenciação médica, pela qualidade na assistência hospitalar e pela capacidade de resolver situações complexas, e é necessário que assim se mantenha. A cidade tem de continuar a afirmar a sua diferença através da inovação e da produção de conhecimento e da sua transferência para a prática médica, bem como pela externalização de saberes médicos, para sustentar e fazer crescer o prestígio da cidade de Coimbra na área da saúde.

É isso que atrai doentes de todo o País e justifica e sustenta a dimensão hospitalar na cidade.

Os ambientes da saúde, do ensino e da investigação e os ambientes culturais conjugam-se para que exista, em Coimbra, inquietude por saber mais, insatisfação com aquilo que é comum, vontade de ir mais além no conhecimento e na experiência médica.

Estes meses passados serviram para perceber melhor o que fazer para manter o CHUC neste patamar e o fortalecer. Para isto, temos que dar passos muito pragmáticos e, sem interferir com a ação diária, fazer evoluir a organização interna, desenvolver planeamento estratégico, requalificar espaços, reorganizar respostas em função de patamares de complexidade, criar coerência funcional, adquirir equipamentos novos, fomentar a inovação, criar condições para reter e atrair talentos, ter ganhos de eficiência e de qualidade.

Apenas, como exemplo da forma como o prestígio do CHUC funciona, refira-se que um dos últimos equipamentos instalados ainda só está a funcionar neste hospital, a nível mundial, e na sede da empresa que vai comercializar o novo modelo.

Temos uma certeza - ninguém nos procura hoje, só por termos sido bons no século XX, mas porque trabalhamos muito para sermos melhores hoje e amanhã!

Para tudo isto, é necessária uma liderança forte, uma visão estratégica clara e um desígnio comum dos profissionais do CHUC. É necessário que as pessoas gostem do que estão a fazer e atinjam elevados patamares de motivação.

Essa tem sido uma das nossas preocupações. Estamos a conseguir? Temos a sensação que sim, mas passaram somente onze meses. Para a complexidade desta casa, a dispersão geográfica das suas unidades, a diversidade motivacional e as culturas das unidades que passaram a integrar o CHUC, é preciso tempo, principalmente para que os seus profissionais se conheçam e criem interações entre si.

Outra preocupação tem consistido numa prática de porta aberta, para quem nos procurar para conversar. Os profissionais têm de sentir que a administração não é uma entidade abstrata e que são ouvidos.
Fernando Regateiro
É também o coordenador nacional para a reforma do Serviço Nacional de Saúde,
na área dos cuidados de saúde hospitalar. O que é necessário alterar? 


Como coordenador, reuni uma equipa de doze profissionais nacionais, de alto-relevo na área: médicos, enfermeiros, gestores e administradores hospitalares. Em primeiro lugar, fizemos um trabalho extenso para conhecer a realidade e nos darmos a conhecer, com um périplo pelo país e dez reuniões descentralizadas, de Bragança a Faro. Fomos “lá”, falar com as pessoas, identificámos algumas prioridades.

A primeira teve a ver com a reorganização das urgências. Em Portugal, uma percentagem muito significativa da procura das urgências é inadequada. Não quer dizer que não seja necessária, mas, muitas vezes, quando o cidadão se sente mal só tem o hospital – é noite, os centros de saúde estão fechados, ou não têm capacidade instalada para resolver o problema.

As urgências polivalentes, como a do CHUC, existem para resolver problemas graves, não para resolver problemas comuns que podem ter resposta num hospital de proximidade ou num centro de saúde. Uma em cada três pessoas que vão à urgência do CHUC não precisariam de vir, havendo respostas em proximidade, como sejam centros de saúde com elevada resolutividade.

Uma área que está a beneficiar da intervenção do CHUC, em proximidade, é a da saúde mental. A grande maioria dos concelhos do distrito de Coimbra tem equipas de saúde mental comunitária, originárias do CHUC, que envolvem médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos. A sua implantação no terreno foi muito notória e um recurso precioso na sequência dos incêndios de Verão - quando foi preciso intervir, a presença das equipas de saúde mental não foi novidade, em termos de forma de trabalho para as populações.

Fizemos, também, a identificação da inovação nos hospitais portugueses e recebemos mais de cem contributos, que foram tratados e que irão ficar acessíveis. Os cinco melhores projetos foram apresentados num encontro nacional que se realizou aqui, em Coimbra.

Sobre a inovação, diria ainda que há pessoas que têm medo dela, que dizem que é cara! A estas pessoas pergunto quanto custaria a ausência de inovação. Sem inovação, não há progresso!

A Coordenação da Reforma Hospitalar tem também vindo a fazer a promoção da hospitalização domiciliária, como forma de aproximar cuidados hospitalares do local em que as pessoas vivem. E estamos agora a abordar aspetos relacionados com o medicamento e os recursos humanos. 
Fernando Regateiro

É o regente da cadeira de Genética na FMUC e o coordenador-geral do curso de Medicina da Universidade de Cabo Verde. Que desafios prevê?

O maior desafio que vejo é que os alunos retenham a lógica de raciocínio que lhes permita construir facilmente conhecimento no presente e no futuro e que a Genética seja percebida como uma ciência que evidencia o valor da diferença. Hoje é possível afirmar, sem dúvidas, que não há duas pessoas iguais. A partir daqui, espera-se que ninguém no mundo tenha a veleidade de pôr em prática políticas e orientações baseadas nas diferenças, sem respeito pela pessoa!

Outro desafio é o conhecimento da interação entre o ambiente e o genoma e do modo como aquele condiciona a expressão deste último, através do que comemos, do que bebemos e dos estilos de vida. E ainda, a forma como estes fatores influenciam a expressão da informação que transmitimos aos filhos. Somos o que somos, muito em função da nossa relação com o meio ambiente.

Queria ainda referir o meu trabalho como coordenador-geral do curso de Medicina da Universidade de Cabo Verde, que espelha bem os laços profundos que unem Portugal e a Universidade de Coimbra com Cabo Verde. Tem sido um trabalho muito sério e empenhado de ambas as partes. No próximo ano letivo já teremos aqui, na Faculdade de Medicina, no quarto ano, alunos cabo-verdianos oriundos desta virtuosa cooperação. 


por Paulo Sérgio Santos
Fotografias D.R.

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