Do curso
de Medicina 

A vida sob uma perspetiva positiva

Quando teve de abandonar a escola para ajudar a família, Manuel Teixeira Veríssimo acalentou, desde logo, a ideia de um dia voltar aos estudos. E voltou a todo o gás. Em 1980, licenciou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina de Coimbra (FMUC) e deu início a um vasto percurso académico, científico e clínico, sendo, atualmente, o presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM).

Nascido em Arazede, vila do município de Montemor-o-Velho, a 11 de junho de 1952, Manuel Teixeira Veríssimo frequentou a escola até concluir a instrução primária. Filho de agricultores, foi também à terra que se dedicou depois de terminar a antiga quarta classe.

“Fiz o que era comum, naquela altura, as crianças da minha idade fazerem. Aliás, lembro-me muito bem de sermos 52 colegas e de apenas quatro terem continuado com os estudos sem nenhuma interrupção. Os outros iam trabalhar para a agricultura ou para a carpintaria e outras profissões do género. Eu tive de parar de estudar, já que os meus pais não tinham condições económicas para que continuasse, e fui ajudá-los, trabalhando com eles na terra”, relata.

Manuel Teixeira Veríssimo conta que, entretanto, tomou conhecimento de que, aos 18 anos de idade, poderia candidatar-se, de forma autónoma, aos exames nacionais que permitiriam a conclusão dos anos escolares seguintes até ao equivalente 12º ano de escolaridade.


A partir daí, o desafio era maior!

“Sabendo disto, eu e mais três amigos, mais ou menos com a mesma idade, resolvemos pedir a um professor primário de Arazede que nos desse algumas explicações, em horário pós-laboral, de áreas como a Matemática e a História, para que nos pudéssemos candidatar autonomamente por forma a concluirmos o segundo ano, que hoje corresponde ao sexto ano do ensino básico. Concluí-o quando tinha 19 anos de idade”, observa.

“Uma fase estava feita, mas eu queria continuar! O passo seguinte seria fazer os três anos escolares seguintes, até ao atual nono ano, mas aí já não havia hipótese de fazê-los lá na minha terra. Por isso, e com algum apoio que, entretanto, consegui ter dos meus pais, matriculei-me num colégio em Cantanhede que tinha um curso noturno para trabalhadores. Foi lá que fiz esses três anos”, indica.

Manuel Teixeira Veríssimo conseguiu concluir estes três anos letivos apenas no tempo de um ano letivo. “No final desse ano, candidatei-me ao exame nacional do quinto ano, atual nono ano. Fui ao Liceu Nacional da Figueira da Foz fazer o exame e correu tudo muito bem. A partir daí, o desafio era maior!”, revela.

E era maior porque se para Cantanhede, que fica a nove quilómetros de Arazede, Manuel Teixeira Veríssimo conseguia deslocar-se inicialmente de bicicleta e, mais tarde, com uma motoreta oferecida pelo pai, para continuar os estudos equivalentes ao ensino secundário teria de ir até Coimbra, a cerca de 30 quilómetros de casa, considerando que, naquela altura, os acessos e a mobilidade entre os locais não eram os mesmos de hoje.

“Falei com os meus pais, que tinham algumas limitações financeiras, mas que, entretanto, tinham melhorado um pouco a sua condição de vida ao receberem ajuda de um familiar, e eles incentivaram-me a tentar encontrar uma escola em Coimbra onde pudesse estudar”, conta. “Uma vantagem foi ter conseguido poupar na renda, já que fiquei a morar nos Olivais, na casa que uma tia tinha cá em Coimbra e que estava sem ninguém”, acrescenta.

Manuel Teixeira Veríssimo procurou e optou pelo colégio privado mais barato que encontrou. “Era o Colégio Progresso, na Sé Velha, que custava 600 escudos por mês”, indica. “E pronto, num ano letivo, fiz os dois anos de escolaridade que me faltavam. Resumindo, em três anos passei do quarto para o 12º ano”, diz, entre risos.

Apesar de ter conseguido acelerar a caminhada no que respeita aos estudos, o passo necessário para a entrada na FMUC não se deu logo após a conclusão do correspondente atual ao 12º ano. “Aí, surgiu um estorvo na minha vida: a tropa. Embora, na verdade, hoje não o considere um estorvo, já que lá aprendi muito”, observa.

Corria o ano de 1973 quando foi chamado para a tropa. “Tive a sorte de ser chamado apenas na última incorporação, o que me permitiu concluir os estudos que me encontrava a fazer antes”, faz saber. “Depois, estive em vários locais no meu tempo de tropa, desde Leiria a Caldas da Rainha, Tavira e também Coimbra, onde, aliás estava no 25 de abril de 1974. Era militar no convento da Rainha Santa Isabel, que à data era onde ficava o Regimento de Artilharia Ligeira 2”, indica.

Manuel Teixeira Veríssimo acaba por ir, em outubro de 1974, para Angola. “Claro que, com o 25 de abril, tivemos a noção de que a guerra colonial iria acabar, mas, de certa forma, a máquina estava montada e, por isso, fui parar a Angola”, recorda.

Passado um ano, em outubro de 1975, regressa a Coimbra. “Nessa altura, e porque ainda vim a tempo de fazer a inscrição na FMUC, aproveitei imediatamente a oportunidade”, refere. “Antes de ir para Angola, já tinha tomado a decisão de ingressar no curso de Medicina assim que possível”, faz saber. “Foi quando fui para a tropa que o interesse pela Medicina despertou em mim. Até essa altura, e porque sempre fui muito bom aluno a Matemática, achava que o meu futuro poderia antes passar pela Engenharia”, complementa.


Quando explicamos a alguém aquilo que sabemos, estamos a dar um pouco de nós… 

Em 1981, e findo o curso de Medicina, Manuel Teixeira Veríssimo iniciou a atividade clínica em Cantanhede, na área da Saúde Pública. Em 1985, escolheu a especialidade de Medicina Interna e passou a integrar os quadros do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). Um ano após ter começado o internato da especialidade, foi convidado para assistente da cadeira de Propedêutica da FMUC.

Sobre a experiência enquanto professor, confessa que sempre gostou muito de dar aulas. “Acho que é um complemento importante para os médicos. É muito interessante podermos ensinar o que sabemos aos outros, seja muito ou pouco”, denota.

“Quando explicamos a alguém aquilo que sabemos, estamos a dar um pouco de nós, a dar o nosso cunho… Sempre foi algo de que gostei muito, especialmente de dar aulas práticas, até porque era na cadeira que lecionava que os alunos iniciam a atividade clínica. É com a Propedêutica que tem início o contacto com o doente. Por isso, a experiência enquanto professor foi excelente e gratificante, por saber que os alunos gostaram das minhas aulas”, acrescenta.

Entre 1988 e 1989, ainda durante a especialidade, estagiou em Paris. “Estive os últimos meses de 1988 e os primeiros de 1989 no Hospital Henri Mondor e na Faculdade de Medicina da Universidade Paris XII, no Laboratório de Bioquímica do Tecido Conjuntivo e Envelhecimento”, conta.

Em 1994, fez o mestrado em Medicina Desportiva, tendo sido médico do Clube de Futebol União de Coimbra e da Associação Académica de Coimbra e um dos sócios fundadores da Sociedade Portuguesa de Medicina Desportiva.

Mas à Medicina Interna e à Medicina Desportiva juntaram-se ainda outras duas áreas de estudo do seu interesse: a Nutrição e a Geriatria, sobre as quais, no âmbito do seu trabalho de investigação, escreveu e publicou diversas obras.

Foi, inclusive, na vertente de Geriatria que fez o doutoramento em Medicina, concluído em 1999 na FMUC, instituição na qual criou a primeira cadeira de Geriatria lecionada no País, bem como o Mestrado em Geriatria.













A partir de 2007, desempenhou as funções de gestor hospitalar, tendo sido presidente do Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro – Hospital Rovisco Pais e, posteriormente, presidente do Hospital Distrital da Figueira da Foz.

Desempenhou ainda os cargos de diretor do Centro de Medicina de Coimbra, presidente da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, tendo, nesta última e ainda antes de assumir a presidência, criado o Núcleo de Estudos de Geriatria.

A jubilação aconteceu no ano passado, quando completou 70 anos de idade, mas a vida continua tão ou mais preenchida do que antes. “Trabalho foi sempre aquilo que nunca deixei te der… Pelos vistos, habituei-me!”, graceja.

É bem possível, já que, no início deste ano, assumiu a presidência da SRCOM. Por isso, é natural que Manuel Teixeira Veríssimo afirme que a jubilação foi apenas uma “mudança de estado” pouco sentida. “Não deixei de ter interesses, e provavelmente hoje até tenho mais solicitações do que tempo disponível para dar conta de todas!”, salienta.

O facto de a jubilação ter coincidido com o início da campanha para a presidência da SRCOM também permitiu que redirecionasse os seus interesses sem que sentisse falta de uma rotina mais atarefada e preenchida, além de que manteve alguns projetos académicos e orientações de dissertações de mestrado e de teses de doutoramento.

Manuel Teixeira Veríssimo continua também a ter ligações às sociedades científicas das quais foi presidente, bem como a projetos como o Ageing@Coimbra, um consórcio que tem como missão a valorização do idoso na sociedade e a aplicação de boas práticas para o seu bem-estar geral e para um envelhecimento ativo e saudável.

“Em boa verdade, continuo ligado àquilo a que estive ligado toda a vida, ou seja, à prática clínica e à formação. Apenas mudei um pouco a perspetiva, já que, com a presidência da SRCOM, deixei, de certa forma, de ser um executor, para passar a ser um regulador”, constata.


É uma ideia que estou a sedimentar, e que segue um princípio em que acredito.

Os tempos livres são, por isso, muito poucos. Mas, quando os tem, Manuel Teixeira Veríssimo gosta, sobretudo, de ler, e também de fazer e ver desporto. “Também sou ainda o presidente da Assembleia Geral do Grupo Desportivo «Os Águias», lá da minha terra”, acrescenta. “E isto há mais de 30 anos, porque não me deixam sair”, brinca, “já que, como todos os clubes amadores, tem tido períodos melhores e outros piores e, quando os períodos são maus e ninguém quer continuar lá, ando eu e mais dois ou três amigos a bater à porta deste e daquele a pedir para serem presidentes do clube”.

A Geriatria é também uma área na qual continua a manter um grande interesse. “Nesse âmbito, mantenho várias ligações, nomeadamente a grupos no estrangeiro, e tenho também a vontade de implementar um projeto, de cariz social, na área do envelhecimento. É uma ideia que estou a sedimentar, e que segue um princípio em que acredito: cada um dá o que pode, e quem precisa leva aquilo de que necessita”, avança.

“Falando somente de Coimbra, onde me encontro, diria que temos milhares de pessoas aposentadas e com grande capacidade, nas mais diversas áreas, que estão subaproveitadas”, constata. “Por esse motivo, acredito que um projeto como aquele que estou a estruturar seria bom para que quem precise receba ajuda, mas também para que quem tem muitas capacidades e está subaproveitado, entediado e até deprimido possa igualmente sentir-se bem ao ajudar quem precisa”, observa.

Manuel Teixeira Veríssimo confessa que, se não estivesse agora na presidência da SRCOM, talvez já tivesse até avançado com este projeto, que considera muito interessante. “A vida não é ser-se criança, depois adulto e depois velho. É um contínuo e, infelizmente, aquilo que se vê é que as pessoas mais velhas são, não raras vezes, guetizadas, supondo-se que uma pessoa reformada já não serve a sociedade nem tem nada para lhe dar… e isso não é de todo verdade!”, enfatiza.

Quando questionado acerca daquilo que, no seu vasto percurso, mais o orgulha, Manuel Teixeira Veríssimo é expedito na resposta. “Orgulha-me ter a noção de que, genericamente, os meus doentes e os meus alunos sempre gostaram de mim”, admite. “Nunca nenhum doente me tratou mal, e tenho muitas histórias de doentes de que guardo boa memória e que são muito gratificantes para mim”, acrescenta.

“Dou muita importância à relação médico-doente: muitas vezes, ela também trata os doentes”, assegura. “Infelizmente, fruto da evolução da sociedade e da falta de tempo, essa relação tem vindo a perder qualidade. Por isso, acredito que aquilo que mais me orgulha é ter a noção de que os doentes e alunos gostavam de mim”, observa.

“O resto, aquilo que fiz ou não fiz, é consequência de uma carreira. Eu preocupo-me sempre em fazer o melhor que posso, principalmente nas instituições das quais estive à frente. É o que vou tentar fazer agora na Ordem dos Médicos”, avança.

Manuel Teixeira Veríssimo garante que vê sempre a perspetiva positiva das situações com as quais é confrontado, preferindo “dizer ‘sim’ a dizer ‘não’”. Talvez isso contribua para a compreensível sensação que tem de, face a uma análise do seu percurso de vida, gostar realmente de tudo aquilo que fez e que conseguiu alcançar. “Digo e continuo a dizer: sou sempre positivo”, conclui.

por Luísa Carvalho Carreira
fotografias por Manuel Teixeira Veríssimo