Depois de uma ausência mais longa do que o habitual, voltamos ao contacto para mais uma, tão aguardada, edição da Voice*MED. Hoje, permitam-me que partilhe algumas preocupações com a ciência no mundo, em Portugal, na Região Centro e em Coimbra. À escala global, e na maioria das áreas, se não todas, vivemos hoje um período de desalinhamento científico (utilizando um recurso tão caro, e provinciano, aos cientistas... em inglês “scientific mismatch”), com a sociedade a exigir cada vez mais à ciência e a ciência a pressionar cada vez mais os cientistas. Se por um lado os cidadãos reivindicam, com cada vez mais autoridade e determinação, que os cientistas encontrem resposta para os seus problemas, como se viu com a produção de vacinas para a COVID-19, por outro a pressão constante a que são sujeitos a maior parte dos cientistas, para que sejam bem (ou muito bem) sucedidos nas suas investigações e consigam obter financiamento, reconhecimento, visibilidade e sobreviver numa carreira cientifica, fazem com que a ciência seja feita, muitas vezes, em condições que são longe das ideais. Este é um problema que há muito está identificado e que vem comprometendo, ainda que de forma involuntária ou inconsciente, a reprodutibilidade, o impacto, a aplicabilidade e até mesmo a credibilidade da ciência que é produzida. Não vale a pena investir na procura de prevaricadores para depois os castigar. Parece-me mais inteligente apostar na formação, educação e preparação dos cientistas, nomeadamente ao nível da ética e integridade. E, essencial, é preciso encontrar os mecanismos que apoiem o trabalho dos investigadores. Ou seja, para nos deixarmos de meias palavras, é preciso FINANCIAMENTO! O argumento de que os cientistas portugueses fazem muito com muito pouco não pode servir de desculpa para não se investir mais. Imaginem o que se poderia fazer com um pouco mais? Para além de exportar bons jogadores de futebol, Portugal é também uma excelente incubadora de talentos, de onde brotam alguns dos melhores cientistas que o mundo tem ao seu dispor. Precisamos de mais apoio para projetos de investigação, para novos equipamentos (sem eles, não é possível fazer ciência), para reter, condignamente, jovens cientistas, dando-lhes as condições, nomeadamente em termos da estabilidade, que estes merecem. Ninguém duvide de uma coisa... o investimento em ciência é rentável e contribui de forma muito significativa para a produção de riqueza de um país. São inúmeros os estudos a mostrar isso. Só não vê quem não quer, talvez porque há uma coisa que a ciência ainda não produz, que são votos! Só para dar um exemplo, para que tenham uma ideia da aposta que é feita na ciência, em Portugal, a dotação orçamental do último concurso, em 2022, para financiar Projetos I&D em todos os domínios científicos foi...70 milhões de euros! Ou seja, o dinheiro que a FCT colocou neste concurso (que é SÓ de onde provém a maior parte do financiamento para projetos de investigação em Portugal) não dá para comprar um jogador de futebol de invulgar qualidade e dará para construir 10 km de autoestrada. Para além destes projetos, para se fazer ciência é preciso ter acesso a equipamentos de ponta que permitam, recorrendo à tecnologia mais avançada, chegar a resultados com maior impacto na vida das pessoas. E para isso, é fundamental ter mais apoio, nacional e regional. E quanto a apoios para ajudar ao desenvolvimento, coesão, capacitação, sustentabilidade (e tantas outras palavras sonantes...), habituamo-nos, nos últimos tempos, a ouvir falar dos muitos milhões vindos do PRRs, PT2030 ou outra fonte inesgotável de fundos. Pois muito pouco destes milhões disponibilizados através destes programas são para investir em ciência, mesmo que a todo o momento se questione a capacidade para a sua correta (e completa) execução. Muitos destes dinheiros são “distribuídos” regionalmente, através das CCDR. Por exemplo, a CCDR Norte, ao contrário de outras, tem tido uma estratégia para dar algum apoio à ciência. E isto traz-me até Coimbra, onde o nosso Centro Académico Clínico (CAC) de Coimbra, tal como outros 6 CAC, foi recentemente presenteado com 200 000 euros, para um financiamento para 3 anos. A dotação para este concurso de financiamento dos CAC, da maior relevância para Portugal, foi cerca de 1,8 milhões de euros (provavelmente o valor para a contratação de um jogador vulgar, de segunda ou terceira liga, ou para calcetar uma rua). Independentemente de tudo isto, temos, em Coimbra, as condições ao nosso dispor para fazer mais e melhor, ao nível da ciência básica e da clínica, mas acima de tudo, na sua interação entre as duas. Temos, para isso, que delinear a estratégia certa e escolher o caminho a seguir. Cada um sozinho poderá chegar a um qualquer sítio, que não será longe, mais depressa, mas seguramente que se o objetivo for chegar longe, isso só é possível se for uma caminhada conjunta.
Agora de volta à Voice*MED, que pretende também ser mais uma pequena contribuição para este clima de união e partilha. Em 4´33´, Miguel Castelo-Branco, recente vencedor do Prémio Bial de Medicina Clínica 2022 e um exemplo de como é possível atingir os mais exigentes patamares de qualidade científica em Coimbra, conduz-nos por uma viagem ao mundo do autismo, num testemunho pessoal, social e científico. Em “Do Curso de Medicina”, Júlio Leite, Professor Jubilado da FMUC, confidencia-nos a sua dúvida quanto ao “corte-e-costura” a que se queria dedicar, como alfaiate ou cirurgião. No entanto, em boa hora optou pela cirurgia, pela sua vontade de “resolver problemas graves aos doentes”. Em “Isto é FMUC”, Paulo Moura abre-nos as portas da Clínica Universitária de Obstetrícia, para nos dar a conhecer um dos poucos Serviços hospitalares que existe em duplicado e onde há máquinas de fazer ‘PING’. Carolina Baptista, estudante de Medicina do 1ºano do MIM da FMUC, em “Lucerna”, conta-nos como foi o caminho que lhe permitiu cumprir o sonho de vir para Coimbra e para a FMUC. Em "Fora da Medicina", vamos conhecer o PhDoing, uma excelente iniciativa lançada pelos estudantes de doutoramento do iCBR e do Programa de Doutoramento em Ciências da Saúde da FMUC. Este encontro científico pretende não apenas dar a conhecer o excecional trabalho científico que tem vindo a ser desenvolvido pelos estudantes de doutoramento, mas também promover uma maior interação entre os estudantes e destes com a comunidade científica e académica. Por fim, Ana Cristina Gonçalves prescreve uma viagem ao espaço, com partida da praia da Figueira da Foz.
Henrique Girão