Em busca de um
novo tratamento
para o traumatismo
cranioencefálico

Isto é FMUC

O Traumatismo Cranioencefálico (TCE) é uma das principais causas de morte e incapacidade a nível mundial. Trata-se de uma lesão no crânio que, por norma, é provocada por uma pancada forte na cabeça, podendo atingir o cérebro e causar hemorragias, coágulos, alterações comportamentais e cerebrais.

O Projeto Exploratório ‘Infiltração de neutrófilos através da barreira hemato-encefálica no traumatismo cranioencefálico: papel da CXCL8’, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), pretende encontrar um novo alvo terapêutico para o TCE, conforme explica Ricardo Leitão, líder do projeto e investigador do Instituto de Investigação Clínica e Biomédica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (iCBR-FMUC).


Os objetivos e as metodologias de investigação

Tendo em conta o seu principal objetivo – encontrar um novo alvo terapêutico para o TCE – este é um projeto que se desdobra em dois objetivos mais específicos. “O primeiro é perceber qual o papel dos neutrófilos, células do sistema imunológico e um tipo de leucócitos que corresponde a aproximadamente 40 por cento dos leucócitos na corrente sanguínea, com um foco na avaliação das estratégias que estas células utilizam para migrarem da corrente sanguínea para o cérebro”, começa por esclarecer o investigador responsável pelo projeto.

“O outro objetivo, mais específico, é estudar o papel de uma proteína, a CXCL8, que está envolvida nesse processo de invasão dos neutrófilos, e que tem sido associada a um pior prognóstico e/ou a uma maior probabilidade de morte após um TCE”, complementa.

“No fundo, aquilo que pretendemos com o desenvolvimento deste projeto é testar uma terapia completamente nova no contexto de trauma, tentando, para isso, explorar o sistema imunitário. Queremos perceber como é que os neutrófilos passam da corrente sanguínea para o cérebro, através da barreira hematoencefálica. Percebendo esses mecanismos, tentaremos, depois, procurar alvos terapêuticos que bloqueiem esta invasão dos neutrófilos”, indica.

Este é um projeto de investigação básica que usa modelos de culturas celulares para testar e avaliar a forma e os mecanismos usados pelos neutrófilos para migrarem para o cérebro.

“Além disso, temos também no laboratório um modelo animal para avaliar as consequências comportamentais causadas pelo traumatismo e testar novas abordagens terapêuticas”, observa. O modelo animal utilizado nesta investigação é o rato. “Seria difícil fazermos a investigação com humanos, dado que estamos a testar novas terapias e precisamos de confirmar o seu efeito benéfico antes de as testar em pacientes humanos. Por isso, usamos um modelo de trauma que mimetiza entre 70 e 75 por cento dos casos”, esclarece.


As pessoas e instituições do projeto

A equipa deste Projeto Exploratório é, para além de Ricardo Leitão, constituída por Ana Paula Silva, Ana Raquel Santiago e Inês Baldeiras, investigadoras e docentes da FMUC, por Mónica Zuzarte, investigadora do Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia da Universidade de Coimbra (CIBB) e do iCBR-FMUC, e por Maria João Leitão, estudante de doutoramento da FMUC.



















“Contamos ainda com a colaboração de dois neurocirurgiões do CHUC [Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra]: José Luís Alves, co-investigador responsável pelo projeto, e Marcos Barbosa, sendo que ambos são também professores da FMUC”, observa Ricardo Leitão, “e, entretanto, temos também connosco uma aluna do Mestrado em Investigação Biomédica [MIB] da FMUC, que vai estar a desenvolver mais na prática o projeto”, acrescenta.


A importância da investigação e os resultados esperados

Conforme salienta Ricardo Leitão, um dos grandes problemas do TCE é a inexistência de uma terapêutica eficaz e direcionada contra os seus efeitos negativos. “As terapias usadas atualmente focam-se, de forma geral, no tratamento dos efeitos secundários”, observa, “mas apesar destas terapias diminuírem os efeitos pós-trauma e, com isso, melhorarem a vida dos doentes após a alta hospitalar, o facto é que alguns destes doentes desenvolvem consequências comportamentais e alterações cerebrais significativas, meses ou anos após o evento traumático”.

Anualmente, são registados na Europa cerca de 2,5 milhões de novos casos de TCE, registando-se, aproximadamente, 100 mil mortes. “Algo que tem um grande impacto não apenas a nível socioeconómico, mas principalmente nos doentes que sofrem com o trauma e nos cuidadores de pessoas a quem o TCE é diagnosticado”, enfatiza.

Com duração prevista de 18 meses, este Projeto Exploratório, em curso desde o início do ano, deverá estar concluído no verão de 2023. Espera-se que, nessa altura, a investigação tenha encontrado novas respostas para combater os efeitos secundários agudos do TCE, como a inflamação, o edema, as convulsões e o aumento da pressão intracraniana.

Espera-se, de igual modo, que a investigação tenha encontrado novas formas de prevenção das alterações a longo prazo causadas por este tipo de traumatismo, como mudanças comportamentais, das quais são exemplo alterações de humor, perdas de memória e dificuldades de aprendizagem e concentração, e também cerebrais, como perda ou diminuição de volume de massa branca.


Os desafios de uma carreira na investigação

Licenciado em Ciências Biomédicas pela Universidade do Algarve, Ricardo Leitão ingressou no Mestrado em Biologia Celular e Molecular da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) em 2010, altura em que também passou a integrar um grupo de investigação no iCBR-FMUC.

“Quando fiz a licenciatura, tinha uma cadeira de Neurociências lecionada apenas por professores da Universidade de Coimbra, e foi aí que se proporcionou a possibilidade de vir para o grupo da Doutora Ana Paula Silva, que foi minha orientadora no mestrado e também no doutoramento, na área das drogas de abuso e barreira hematoencefálica”, conta.

“Foi já com uma bolsa pós-doc, de um projeto chamado BrainHealth”, que Ricardo Leitão passou a investigar também o TCE, passando antes pela investigação em Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA), embora afirme que, ainda hoje, parte do seu trabalho de investigação é dedicado às drogas de abuso.

Com um particular interesse pelo estudo do cérebro e da barreira hematoencefálica, a que tem dedicado os últimos 12 anos, Ricardo Leitão admite que, sendo ainda investigador júnior, sente alguma dificuldade em conseguir financiamento para a sua investigação, pelo que considera que os Projetos Exploratórios da FCT são uma boa ajuda para investigadores em início de carreira.

“Quando um investigador júnior pede financiamento, é-lhe muitas vezes negado por ‘falta de experiência’ de gestão de projetos… Mas, para se ter experiência, é preciso começar por algum lado! Por isso, acho que o facto de a FCT ter voltado a fazer chamadas para este tipo de projetos de carácter exploratório ajuda muito a que os investigadores juniores tenham a possibilidade de começarem a ser responsáveis por projetos de investigação”, declara.


por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Ricardo Leitão