Lucerna

Ana Brinca

VOICEmed #4
Foi-me pedido que testemunhasse sobre algum ponto de viragem no meu percurso académico ou profissional. A primeira coisa da qual me lembrei diz respeito à minha atividade profissional como dermatologista e como cheguei até aqui.

Para a maior parte dos recém-licenciados em Medicina, a escolha da especialidade não é propriamente fácil. Pelo menos para mim não foi. Não sei explicar as razões, mas sempre disse “Só quero especialidades médicas... As cirúrgicas estão fora de questão”.

A Dermatologia é uma especialidade muito abrangente, que recorre (e cada vez mais) a vários recursos técnicos, quer diagnósticos quer terapêuticos, como a dermatopatologia, a dermatoscopia, a alergologia cutânea, a fototerapia, entre outras. Lembro-me perfeitamente de pesquisar pelo programa de formação, e quanto mais lia, mais entusiasmada ficava. Exceto pela parte cirúrgica... A cirurgia dermatológica, o grande senão, o que me fez hesitar, e muito, na escolha. Afinal, só queria uma especialidade médica, nada de cirurgia. Mas todas as restantes áreas me interessavam, pelo que resolvi ir falar com o responsável pela Unidade de Cirurgia Dermatológica (UCD) do CHUC. Depois de perceber que durante o internato iria ter um ano de formação cirúrgica, mas que depois de terminada a especialidade não teria, obrigatoriamente, de fazer cirurgia, fiquei novamente entusiasmada... “Um ano eu aguento!”. E lá escolhi Dermatologia. No 3º ano do internato fiz o estágio de cirurgia dermatológica. Fiz esse ano como fiz os restantes: esforcei-me por aprender o máximo, dediquei-me ao estudo, preparei apresentações, artigos... Mais um ano que passou a correr. Nada de ponto de viragem nesta altura.

Depois de terminada a especialidade, por necessidade do serviço, fui direcionada para a UCD do CHUC, onde fiquei a trabalhar com o Prof. Ricardo Vieira (o mesmo que, anos antes, me explicara que não teria, obrigatoriamente, de fazer cirurgias depois de terminada a especialidade). Mas a lista de espera cirúrgica estava a aumentar e era necessário mais alguém na cirurgia.

Janeiro de 2013. Aqui sim, ponto de viragem no meu percurso.

Não sei em que dia foi, em que cirurgia, em que doente, em que retalho. Mas foi “no operar” que vim a descobrir a minha realização profissional como dermatologista, dedicando-me principalmente à cirurgia oncológica. Aquilo que menos me interessava na Dermatologia, do que queria fugir, foi, afinal, o que me cativou. Muito contribuiu o facto de estar inserida numa equipa de trabalho motivada e empenhada, e, felizmente, o caminho de aprendizagem é ainda longo e com espaço para poder desenvolver projetos de investigação como o que iniciei em 2015, quando ingressei no Programa Doutoral em Ciências da Saúde da FMUC.

Muitas vezes os percursos profissionais ou académicos podem tomar rumos que nunca sonhámos, mas cada vez mais acredito que temos, à partida, capacidade para nos adaptarmos a novas realidades e a novos desafios, e esta capacidade tem sido essencial para a minha atividade como dermatologista e investigadora.

Olhando para trás, sinto-me privilegiada pelo rumo que o meu percurso tomou ao ir de encontro àquilo de que fugia inicialmente. 
Ana Brinca
Ana Brinca é dermatologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
e aluna do Programa de Doutoramento em Ciências da Saúde da Faculdade
de Medicina da Universidade de Coimbra.