Qual a perspectiva que tem da FMUC, de alguém que está fora, mas conhece e mantém contacto com a “casa”?
A minha visão é que a FMUC está a querer mudar e dou os parabéns por finalmente isso estar a acontecer. São estruturas pesadas, em que a mudança é sempre lenta, compreendo isso. No entanto, tem de se avançar rapidamente pois o tempo perdido foi substancial. Faço minhas as palavras do Prof. Pereira da Silva na entrevista ao #1 desta ‘newsletter’, em que dizia que “ou a FMUC mudava ou estava condenada à sua insignificância”.
Talvez por defeito profissional olho muito para métricas, pois vivo com uma pressão elevada para cumprir alguns indicadores de qualidade, seja na obtenção de bolsas de organismos relevantes (Wellcome Trust, Medical Research Council, etc), na publicação em revistas de alto impacto, ser autor ou coautor de ‘guidelines’ internacionais, entre outros. O caminho será sempre este, pois temos de ser capazes de quantificar o que fazemos. Ao olharmos para o ‘output’ em termos de investigação da FMUC vê-se que está bastante aquém do seu potencial. Se olharmos também para a satisfação dos alunos, não é superior à das outras faculdades, sendo também fraca a capacidade de retenção dos melhores médicos (seja na faculdade ou no hospital).
A eterna desculpa que estas mudanças não são possíveis porque isto é Portugal e são coisas que não dão para mudar, são isso mesmo, desculpas. Basta olhar para Braga, cuja faculdade de medicina, fundada no ano 2000 (Escola de Medicina da Universidade do Minho), é pujante, produz médicos extremamente capazes (melhores notas no exame de acesso à especialidade), produz investigação de qualidade mundial, e hoje em dia é, a meu ver, a melhor faculdade de medicina do país. Se voltasse a ser aluno de Medicina em Portugal, era lá que escolhia fazer a minha formação pré-graduada. Não o querer ver é sermos cegos funcionais, e continuar a insistir no mesmo modelo porque “sempre foi assim” é um suicídio organizacional.
Confio plenamente nos órgãos sociais da FMUC, considero a sua competência e empenho ímpares, temos de avançar rapidamente nas mudanças necessárias. E existem estruturas e organismos dentro da FMUC que já são unidades classificadas como excelentes nos rankings nacionais, só temos de replicar essas boas práticas. Preocupa-me, por fim, o elevado grau de endogamia existente na academia portuguesa, que foi recentemente demonstrado, e à qual a FMUC não escapa. A FMUC tem de se abrir para pessoas que fizeram a sua formação fora e que são capazes de trazer conhecimento de outras unidades. É essa mistura que irá enriquecer a FMUC.
Onde se vê daqui a cinco anos?
O passo natural será dirigir o meu próprio grupo de investigação, com um conjunto de investigadores que me permita continuar algumas das linhas de pesquisa às quais me tenho dedicado. Quero estar enquadrado num ambiente clinico-académico, onde possa fazer alguma investigação translacional, respondendo a questões clínicas em benefício direto ou indireto dos doentes.
Veria com bons olhos a possibilidade de, um dia, voltar a Coimbra?
Fui muito feliz enquanto vivi em Coimbra e continuo a ter uma grande relação afectiva com a cidade, onde está a minha família e amigos de toda a vida. Regresso à cidade com frequência e tenho sempre a sensação de regressar a casa. Quanto a voltar, deixei de fazer planos a longo prazo há já algum tempo. Saí no final de 2006 por três meses para fazer um estágio e, entretanto, passaram-se 11 anos. Se me perguntassem nessa altura se o meu percurso passava por ficar em Londres, responderia categoricamente que não. Sei que provavelmente irei sair de Londres nalguma altura da minha vida, pois é uma cidade onde não me vejo a envelhecer. Agora quando e para onde não sei, vai depender de muitos fatores profissionais e pessoais. Neste momento tenho um contrato com o Imperial e o King´s College até 2021, e apesar de poder sair quando quiser, também me permite pensar com calma os próximos passos.
por Paulo Sérgio Santos
Fotografias D.R.