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Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Projeto permite perceber estilos comunicacionais mais eficazes na adesão a diretrizes de Saúde Pública

Sobre o estudo

A pandemia COVID-19 colocou vários desafios de saúde pública, tornando-se imperativo, por um lado, adoptar comportamentos que minimizassem o contágio (mitigação), e, por outro, desenvolver estratégias terapêuticas para lidar com os efeitos negativos (adaptação). 

Para diminuir a propagação do vírus, os diferentes governos apelaram à cooperação das suas populações e à adesão a comportamentos individuais como a etiqueta respiratória e o distanciamento social. Mas o estilo destas mensagens nem sempre foi igual, não sendo claro quais os estilos que teriam maior impacto comportamental. Para fazer face aos efeitos adversos, tornou-se ainda relevante testar a eficácia de estratégias cognitivas de reavaliação da situação para fazer face a eventos com potencial impacto negativo na saúde mental.

O projecto COVID-Rapid, liderado pelo consórcio internacional Psychological Science Accelerator (PSA), do qual fizeram parte investigadoras da Universidade de Coimbra, da FMUC/iCBR e do CIBIT, procurou responder a estas questões através de 3 estudos. O consórcio envolveu mais de 100 laboratórios e departamentos de Universidades e Institutos de vários países, sendo os estudos traduzidos para cerca de 50 línguas e dialectos. 

No que diz respeito ao estilo das mensagens, foram feitos dois estudos. Um dos estudos [PSACR001], que envolveu um total de 15.929 participantes de 84 países, procurou testar o efeito da formulação das mensagens em termos de perda versus ganho, medindo as intenções comportamentais de adesão às directrizes de saúde, as atitudes face às políticas de prevenção adoptadas, a procura de mais informação e a ansiedade reportada. Um exemplo de mensagem de potencial perda é: “Se não realizar estes passos, poderá colocar-se em perigo a si e a terceiros”; enquanto a mensagem de potencial ganho é: “Se praticar estes passos, poderá proteger-se a si e a terceiros”). 

O outro estudo [PSACR003], no qual participaram 25.718 pessoas de 89 países, testou a formulação das mensagens em termos de autonomia e auto-determinação versus controlo e imposição, avaliando as intenções comportamentais de adesão às directrizes de saúde, as motivações na sua base, e os sentimentos de desafio face a essas directrizes. As mensagens que apoiam autonomia oferecem 1) uma perspectiva (e.g. reconhecer como é difícil alterar a vida quotidiana), 2) uma lógica significativa (e.g. explicar porque é que o distanciamento social é eficaz e importante para atrasar a transmissão), e 3) uma sensação de ter escolha sobre o próprio comportamento dentro dos constrangimentos práticos da situação. Na condição de mensagem controladora, foram apresentadas mensagens que associam informação a coerção, vergonha e pressão, incluindo o uso de linguagem impositiva ("deve").

Relativamente às estratégias de regulação emocional, o estudo PSACR002, que contou com 21.644 participantes de 87 países,  procurou avaliar a eficácia da reavaliação cognitiva (i.e. mudar a forma como olhamos para uma situação) como estratégia de regulação emocional na resposta à pandemia COVID-19. O estudo focou duas estratégias em particular: a reconstrução (i.e. alterar a perspetiva que temos sobre a situação) e a redefinição de objetivo (i.e. focar numa potencial consequência positiva da situação), avaliando mudanças nas resposta emocionais.


Resultados e impacto

Os resultados obtidos a partir de um conjunto robusto de dados contribuem para um maior conhecimento acerca dos estilos comunicacionais com maior impacto na adesão a directrizes de saúde pública, e de estratégias eficazes na regulação emocional, ambos determinantes para a mitigação e para a adaptação a esta e a futuras crises de saúde pública.

O estudo PSACR001 - “Perdas versus Ganhos” verificou que as mensagens baseadas em perda aumentaram o sentimento de ansiedade com pouco ou nenhum impacto nas atitudes, intenções comportamentais, ou procura de mais informação, tendo por isso maiores desvantagens tanto a nível de adesão comportamental como de potencial impacto na saúde mental. O estudo PSACR003 - "Auto-determinação" mostrou que as mensagens que promoviam a autonomia individual diminuíram os sentimentos de desafio e aumentaram a curto e longo prazo as intenções comportamentais de seguir as directrizes de saúde pública. Já as mensagens com um foco controlador tiveram efeitos mais negativos nas intenções comportamentais. Este tipo de mensagens aumentou a motivação controlada, isto é, a motivação que depende da vergonha, culpa e medo de consequências sociais, acabando por levar a um maior sentimento de desafio face às directrizes. Por fim, o estudo PSACR002 - “Reavaliação cognitiva” permitiu constatar que duas estratégias de reavaliação cognitiva (reconstrução e redefinição de objetivos) reduziram consistentemente as emoções negativas e aumentaram as positivas face à pandemia, comparativamente com o não reavaliar a situação.

Os resultados dos três estudos foram consistentes e generalizáveis geograficamente, alertando para aspetos a ter em conta na promoção de comportamentos de saúde na população. Por um lado, revelaram a importância de considerar não só os resultados comportamentais (e.g. adesão) mas também as consequências afetivas (e.g. ansiedade) na avaliação dos custos-benefícios de intervenções e formulação de mensagens. Por outro, alertaram para a importância de compreender e prestar atenção aos motivos que encorajam as pessoas a envolverem-se em comportamentos como lavar as mãos, usar máscaras, levar vacinas ou distanciar-se socialmente durante as pandemias. 

A relação positiva encontrada entre a motivação baseada na vergonha e no medo e os sentimentos de desafiar as directrizes demonstra como a formulação das mensagens afecta o envolvimento e a intenção de adesão a comportamentos de saúde pública. Os dois estudos contribuem assim para o conhecimento sobre estratégias de comunicação mais eficazes, com utilidade nesta e em futuras emergências de saúde pública. 

Por último, dado o impacto na saúde mental de eventos como a pandemia por COVID-19, é de especial importância o desenvolvimento de intervenções de baixo custo, tendo sido demonstrado a nível global a eficácia de estratégias baseadas na reavaliação cognitiva para lidar com emoções negativas.


Inês Almeida 


Psychological Science Accelerator’s Rapid-Response COVID-19 Project (PSACR) 

PSACR001 Loss Gain Study –

In COVID-19 health messaging, loss framing increases anxiety with little-to-no concomitant benefits: Experimental evidence from 84 countries 

PSACR002 Reappraisal COVID-19 –
A multi-country test of brief reappraisal interventions on emotions during the COVID-19 pandemic

PSACR003 Self-determination theory –
A global experiment on motivating social distancing during the COVID-19 pandemic


Fotografia de Noah @ Unsplash