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José Manuel Silva 

José Manuel Silva tomou posse como presidente da Câmara Municipal de Coimbra a 18 de outubro de 2021. Passados cerca de nove meses, afirma que estes têm sido exigentes, mas que a sensação que prevalece é a de que todo o esforço tem valido a pena.


Coimbra é conhecida por ser uma ‘cidade do conhecimento’. Enquanto Presidente da Câmara, mas considerando também a sua experiência enquanto professor universitário, como avalia o potencial do setor do ensino superior e da investigação? Que peso tem a Universidade de Coimbra na promoção e no desenvolvimento da cidade?
Coimbra é uma ‘cidade do conhecimento’ exatamente por força de ter cá a Universidade de Coimbra [UC]. Sem a universidade, Coimbra seria uma aldeia. Ou seja, a UC condicionou muito a forma como Coimbra foi pensada, organizada e desenvolvida.

Condicionou no bom sentido, na medida em que tem sido um motor de desenvolvimento. Basta pensarmos no Instituto Pedro Nunes [IPN] e na quantidade de empresas criadas a partir da universidade, não apenas na área das novas tecnologias, mas em todas as áreas do saber a que se dedica. A UC não versa todas as áreas do saber nem da cultura – não tem, por exemplo, um curso superior de Música –, mas as áreas a que se dedica têm sido fundamentais na promoção do desenvolvimento da cidade.

E condicionou também no mau sentido, uma vez que a cidade acabou por acomodar-se à universidade e, com isso, não teve a preocupação de procurar outras vias de desenvolvimento para além do ensino, da cultura e da saúde, nomeadamente a nível empresarial.

Temos um problema de demografia nos jovens. No concelho de Coimbra, perdemos jovens a um ritmo duas vezes superior ao da média nacional. Mas, do mesmo modo que isso é uma consequência da falta de oportunidades e de emprego, é também uma oportunidade para quem queira instalar-se em Coimbra ou voltar para a cidade, e também para as empresas crescerem.

Isto porque nós formamos muitas pessoas que vão para fora em busca de melhores condições, mas o facto é que, se essas pessoas encontrarem aqui oportunidades, talvez não queiram ir embora e se fixem no concelho.

O problema é quando as pessoas são obrigadas a sair por falta de oportunidade. Não quero com isto dizer que não seja bom sairmos da nossa zona de conforto. É sempre bom e enriquecedor sermos desafiados e termos de habituar-nos a novas realidades. Isso é positivo. Mas o problema, como digo, é quando as pessoas saem por necessidades e depois não têm condições para voltarem, exceto se elas próprias, e nem todas têm essa apetência ou vontade, se tornarem empreendedoras e criarem as suas próprias empresas.

Nesse sentido, temos recebido empresários na Câmara Municipal de Coimbra. Algo que, no passado, não acontecia. Recebemos todos os potenciais investidores. Juntamos, na mesma reunião, empresários, UC e Instituto Politécnico de Coimbra, porque os nossos principais produtos são, precisamente, o conhecimento, o saber, a investigação e a inovação. Esperamos que esta interação incremente no futuro, para garantirmos uma via verde para o investimento e para darmos possibilidades a quem quer investir cá e criar emprego.

Sim, somos uma ‘cidade do conhecimento’, e eu diria que esse é o nosso principal capital. Temos a sorte de ter, em Coimbra, uma das mais antigas universidades do mundo, que soube, no entanto, rejuvenescer-se nos últimos anos, tornando-se competitiva. E isso é uma imensa mais-valia para a nossa cidade.

Além de professor universitário, é também formado em Medicina. A Saúde, uma das áreas estratégicas da UC, é uma das suas principais preocupações enquanto presidente? Como é o relacionamento da Câmara com a UC e, mais especificamente, com o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), no que respeita à implementação de uma estratégia na área da saúde?
O relacionamento atual da Câmara Municipal de Coimbra com o CHUC e com as principais instituições da cidade é perfeito. Não há nenhum grão de areia, por assim dizer. Não há problemas nem reservas intelectuais ou receios. O que existe neste relacionamento é a vontade natural de trabalharmos em conjunto, pois só assim conseguiremos alcançar o desenvolvimento que pretendemos para Coimbra, através de um desenvolvimento sustentável e da melhoria da qualidade de vida das pessoas.

As atuais competências da Câmara Municipal de Coimbra na saúde não são muitas. A descentralização na saúde é sobretudo administrativa. Em todo o caso, foi encomendado à UC, ainda na vigência do anterior executivo, e sob a liderança da Professora Paula Santana, um estudo do perfil e do programa municipal de saúde, que considera, essencialmente, a área da prevenção e da melhoria das condições sociais.

Existe uma íntima ligação entre as condições sociais e a saúde das populações. Nesse âmbito, vamos criar um departamento de Educação e Saúde. Estamos, atualmente, a pensar essa estrutura, que obviamente será criada em conjunto com a UC, o CHUC e a ARS [Administração Regional de Saúde] Centro.

Gostávamos também de criar algo como um observatório de investigação na área da Saúde Pública, naquilo que diz respeito à responsabilidade de intervenção da Câmara Municipal. Se vamos começar a assumir responsabilidades na área da saúde praticamente do zero, então que o façamos de forma acompanhada e científica, para podermos ir medindo os resultados e produzindo investigação.

Temos a intenção de que a Câmara Municipal passe a ter mais responsabilidades em termos da saúde comunitária e global, na área da prevenção e da melhoria das condições sociais e de vida das pessoas, e queremos fazer isso de forma integrada e científica.

Para além da educação e da saúde, a Câmara Municipal tem outras áreas de atuação. Que principais projetos tem a Câmara “em mãos” neste momento?
Neste momento, temos já anunciada a criação de um departamento de Ambiente e Sustentabilidade, e vamos criar também um departamento de Desenvolvimento Económico, Empreendedorismo e Competitividade.

A grande lacuna de Coimbra, que tem um potencial imenso, reside exatamente na atração de investimento. A Câmara Municipal tinha um Gabinete de Apoio ao Investidor, com bons recursos, mas insuficientes. Temos de criar uma estrutura capaz de ser muito mais proativa na captação de investimento e, sobretudo, na preparação de projetos para candidaturas a fundos europeus.

O nosso orçamento está muito condicionado pelas despesas fixas de funcionamento e tem pouca margem para investimento. Para podermos, de facto, trazer mais investimento público para Coimbra, precisamos de concorrer a fundos comunitários. Se não tivermos estes fundos, a capacidade de financiamento público fica extremamente limitada, e passamos a depender somente do financiamento privado, para o qual temos também de criar condições.

Assim, este departamento dará uma nova dimensão à competitividade económica do concelho de Coimbra que, infelizmente, no passado desperdiçou imensas oportunidades neste âmbito, para benefício de outros concelhos. Coimbra foi ficando para trás e perdendo população, e queremos inverter essa situação.

Além disso, há situações que temos de corrigir. Não posso deixar de referir, até porque estamos a falar em particular da área da saúde, que é incomportável que as câmaras municipais continuem a financiar a ADSE em 78 milhões de euros por ano. Se assim não fosse, a ADSE tinha de ser repensada. E, na verdade, ela tem de ser repensada, desde logo porque funcionava bem com uma estrutura etária piramidal, mas, agora, com uma estrutura etária cilíndrica, isso já não acontece.

A ADSE está a receber financiamento público através das autarquias locais, imposto por um decreto-lei que, na minha opinião, é inconstitucional. Isso tira-nos um milhão e meio de euros por ano. São 30 milhões de euros nos últimos 20 anos. Estamos a privar o concelho de Coimbra de ter projetos no valor de milhões de euros. Isto é demasiado castrador e condicionador do desenvolvimento dos concelhos.

Há ainda uma série de projetos estruturantes que estamos a desenvolver no sentido de dar um novo impulso a Coimbra. Um deles é a transformação da atual Estação Nova, que será desativada para passar a ser o polo europeu do Museu da Língua Portuguesa, um projeto desenvolvido em paralelismo com o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, no Brasil, cujas instalações ocupam a Estação da Luz.

O que o motivou a ser presidente da Câmara Municipal de Coimbra e que avaliação faz do seu mandato até ao momento?
Motivou-me um desafio que me fizeram, o de constituir um grupo de cidadãos independentes. Acredito que a intervenção cidadã independente é absolutamente essencial para a nossa democracia. Se não houver ninguém disposto a fazê-la, ficamos na mão dos partidos políticos, com as suas qualidades e os seus vícios.

Entendo que a democracia tem de ser mais eclética, diversificada e crítica, e não apenas uma alternância entre os dois principais partidos políticos. Nesse sentido, queremos, aqui na Câmara Municipal, enriquecer a forma como se exercem a democracia e o poder local.

Acho que, até agora, temos conseguido cumprir esse objetivo. Faço um balanço positivo destes meses, que têm sido difíceis e exigentes, mas que nos têm deixados a todos com a sensação de que vale a pena. Estamos a procurar as pessoas mais competentes para os nossos lugares de decisão, que ocupem estes lugares pelas suas qualidades e não por outros fatores, e isso tem trazido um elã positivo para a própria Câmara Municipal.

Estavam à espera de que fizéssemos uma ‘limpeza política’ da Câmara Municipal. Não o fizemos, porque esse não é, nem o nosso estímulo, nem o nosso objetivo. Não pretendemos trocar a política de uma cor por uma política de outra cor. Pretendemos mais do que isso. Pretendemos que a Câmara Municipal funcione com a qualidade de que precisa e que merece. Se pusermos esta estrutura a funcionar bem, o resto quase que acontece por acaso.

Estamos ainda a resolver muitos dos problemas com os quais nos confrontámos, mas, ainda assim, acho que estamos no bom caminho, que é o da melhoria da nossa organização e do nosso funcionamento.

Além disso, somos, verdadeiramente, uma Câmara Municipal de portas abertas. As nossas reuniões são transmitidas em direto, para que todos possam ver o que discutimos e aquilo que se passa. Todas as pessoas podem assistir a estas reuniões, em real time ou em diferido.

Não estamos preocupados em esconder nada do que se passa aqui dentro. A máxima transparência é muito importante para melhorarmos o funcionamento da Câmara Municipal, e para sermos também mais exigentes com o nosso próprio trabalho e desempenho.

Conforme referi, recebemos aqui toda a gente e desenvolvemos diversos projetos. Acho que isso está a ser bom para a cidade de Coimbra e está a ser bom também para todos nós, que nos sentimos recompensados pela missão que estamos a levar a cabo.

Todos nós que aqui estamos, estamos porque quisemos estar, e isso, basicamente, resume-se em poucas palavras: estamos aqui por amor à nossa terra. É da nossa terra que estamos a falar, e nós queremos que ela seja mais e melhor do que era antes.

De que forma gostaria que o seu mandato fosse lembrado?
Não vou dizer como gostava que o meu mandato fosse lembrado. Acredito que ele será lembrado conforme as pessoas acharem que deve ser lembrado. Aquilo que eu tenho de fazer é de trabalhar muito e bem!

Mas esse julgamento não me cabe a mim. A mim, resta-me trabalhar para que as pessoas lembrem este meu mandato de forma positiva.

por Luísa Carvalho Carreira
fotografias por Leonel de Castro e Fernando Fontes (Global Imagens)


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