Lucerna

Desde pequenina que todas as pessoas me perguntavam se queria ser médica para que, no futuro, pudesse tomar conta dos idosos da minha aldeia. Não sei bem porquê, mas algo em que tinha de estar fechada num consultório só a ver velhinhos (era a ideia que tinha naquela tenra idade) não me chamava a atenção. Sempre foi uma pergunta desagradável, e à qual a resposta era sempre a mesma: “Não é muito a minha cara”. No entanto, não era esta primeira questão que me preocupava, era a que vinha a seguir: “Então, queres ser o quê quando fores grande?”.

Ao longo da minha infância tinha inúmeras respostas que eventualmente desapareciam à medida que a escolha se aproximava. Sempre gostei muito de matemática e física, mas não desgostava das restantes disciplinas, até mesmo aquelas em que tinha maior dificuldade. No ensino secundário, a paixão pelas primeiras somente aumentou, expandindo-se para a biologia de um modo muito forte. Neste tempo a minha visão em relação ao futuro foi “Não fiques ansiosa, quando chegar a hora saberás o que colocar na candidatura”.

Acho importante versar que sempre tive atividades extracurriculares, tendo de dar maior importância à Música. Aos 8 anos comecei a estudar numa pequena escola da minha freguesia, primeiro as notas e depois piano, para um dia ajudar na igreja da minha terra; por volta dos meus 12 anos comecei a aprender a acompanhar o coro da terra; no 6º ano entrei no Conservatório de Música de Coimbra, estudando cravo; há cerca de 2 anos e meio entrei na Escola Diocesana de Música Sacra. Atualmente, estou no 8º grau (e último) de cravo, responsável pelo coro da igreja da aldeia e no último ano da EDMS. Pode-se, portanto, dizer que a música faz parte da minha vida e que também ela constava na minha lista de possíveis cursos a seguir, dificultando ainda mais a escolha.

Cresci perto de Coimbra, tendo feito parte da minha vida nesta cidade, crescendo a ver as suas tradições e a sonhando fazer parte delas. Tanto isto, como as outras atividades por terminar tornaram Coimbra o meu centro de preferência para prosseguir os estudos, algo que me ajudava a não ter um tão grande horizonte de escolhas como teria se tivesse em conta mais centros académicos.

Pensando aos poucos no futuro, gostava de ser professora ou investigadora, o problema seria: “de/em quê?”. No 12º ano, o estudo superficial sobre genética e doenças associadas começou a direcionar o meu gosto para mais para a área da biologia, com genética e saúde no centro. Foi aí que medicina começou a entrar, ainda que aos poucos, na minha lista de escolhas. O medo de estar “presa” a um curso que sempre neguei foi e ainda é grande, ouvi muitas vezes frases como “Experimenta um ano e logo vês”, “Então podes sempre fazer outro depois” ou “Medicina é bom, podes seguir investigação no que quiseres relacionado com a clínica” que me fizeram pensar: “Por que não? Às tantas nem consigo entrar, apesar de 18, a minha média não é assim tão alta. Vou deixar nas mãos de Deus.”

Dito e feito, fiz a candidatura o mais rápido possível, para não ter a oportunidade de andar a mudar as opções e acabei por entrar. Não me arrependo de o ter feito. Apesar da persistência do medo de estar no sítio errado, fortalecido pela dificuldade que é acompanhar a faculdade e as outras atividades, cá estou eu, às vezes com mais força de vontade, outras tantas a um fio de cabelo de desistir.

De qualquer maneira, vou tentando fazer o melhor que posso, às vezes sem qualquer descanso e de cabeça cheia, recebendo notas que não correspondem às expectativas. Ainda não consegui perceber se este é o curso 100% certo para mim, mas nos momentos em que consigo dedicar-me completamente às várias cadeiras, consigo ver-me a trabalhar na clínica e a sentir um gosto profundo naquilo que estou a estudar.

Assim sendo, espero continuar a aprimorar os meus conhecimentos nesta arte que é a Medicina, acreditando (apesar da dúvida) que será aqui o lugar onde serei muito feliz nos próximos anos e esperando, futuramente, ajudar pessoas e trabalhar para o progresso científico.

Maria Brandão é estudante do Mestrado Integrado em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Lucerna

Ilustração por Ana Catarina Lopes