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Luís de Almeida Sampaio 

  

Luís de Almeida Sampaio tem na Universidade de Coimbra a sua alma mater, uma vez que foi nesta instituição que se formou em Direito. Atualmente embaixador de Portugal em Praga e no exercício do segundo mandato enquanto presidente do Conselho Estratégico do Centro Académico Clínico de Coimbra, conta como tem sido conciliar o desempenho destes cargos, à partida tão díspares, mas que acabam por complementar-se.


É presidente do Conselho Estratégico do Centro Académico Clínico de Coimbra (CACC). Quais têm sido as principais prioridades deste órgão do CACC?
O CACC faz parte de um consórcio, o Coimbra Health, que é um projeto muito ambicioso e importante para a Universidade de Coimbra [UC], para a sua Faculdade de Medicina [FMUC] e para o CHUC [Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra], no âmbito das Ciências Médicas e da Saúde e também das Ciências Farmacêuticas e da ligação à respetiva indústria.

O papel deste órgão do CACC é exatamente o de tentar ter um olhar estratégico, que possa beneficiar e valorizar o destino desde Centro, a médio e longo prazo. O Conselho Estratégico do CACC, não tendo funções executivas nem diretivas, tem, sobretudo, como missão fundamental trazer à colação e ao debate temas e personalidades que possam, justamente, contribuir para uma identidade estratégica de pensamento.

Tenho procurado sempre, e não apenas na constância deste meu segundo mandato na presidência do Conselho Estratégico, trazer personalidades exteriores à UC e ao CACC, incluindo personalidades de relevo internacional, que nos possam ajudar a pensá-lo estrategicamente. O CACC tem tido também a preocupação de congregar, nomeadamente nos seus órgãos diretivos, o Magnífico Reitor da UC e, mais recentemente, de forma muito oportuna, o diretor da FMUC.

O Conselho Estratégico tem, assim, a preocupação de fazer participar nos debates estratégicos o Conselho Diretivo e o Reitor da UC, dando corpo a esta interação e a esta sinergia, de articulação entre o CHUC, a UC e a dimensão mais industrial e de negócio, na qual existe também uma componente muito importante de pesquisa e de desenvolvimento.

O CACC é o único integrante a nível nacional da M8 Alliance, um consórcio mundial de Centros Académicos Clínicos. De que forma pode o CACC beneficiar da integração numa rede deste âmbito?
Não só o CACC pode beneficiar muito desta integração, como a própria cidade de Coimbra, a região Centro e o País podem. Vale a pena descrever o percurso de integração do CAAC na M8 Alliance.

A M8 Alliance nasceu em 2009, num contexto muito específico, quando o atual G7 ainda era G8, antes da Rússia ter sido excluída desse agrupamento das maiores economias mundiais, em 2014. A M8 Alliance foi, pois, criada por iniciativa da então Chanceler alemã Angela Merkel e nasce estruturalmente em torno do maior hospital universitário alemão, o Charité – Universidade de Berlim, tendo como presidente o Professor Detlev Ganten, designadamente organizando cimeiras mundiais da saúde anualmente e, de dois em dois anos, cimeiras regionais. Uma destas cimeiras já decorreu em Coimbra.

No fundo, a M8 Alliance conseguiu reunir a “Liga dos Campeões” das instituições médicas de topo a nível mundial, o que lhes permite a aprendizagem comum de lessons learned que devem ser tidas em consideração perante as situações mais complexas do ponto de vista da saúde global, como é, por exemplo, o caso da pandemia que ainda estamos a viver.

De início, Portugal não tinha nenhuma instituição médica ou hospitalar que fizesse parte da M8 Alliance, não só porque não é membro do G8, agora G7, mas também porque não esteve envolvido na criação desta organização. Essa integração de uma instituição portuguesa na M8 Alliance aconteceu, precisamente, nos difíceis anos que Portugal atravessou aquando do período de ajustamento económico e financeiro, provocado pela crise que todos conhecemos, com a necessidade da intervenção da troika no País. Nessa altura, era mais importante do que nunca encontrar formas que potenciassem aquilo que Portugal tem de melhor, pois efetivamente tem padrões e critérios de excelência.

Por pura coincidência, fui embaixador de Portugal na Alemanha de 2012 a 2015, e, por isso, procurei convencer as entidades responsáveis pela M8 Alliance de que Portugal tinha valências que justificariam um olhar mais atento, sereno e interessado relativamente ao nosso setor da saúde.

É importante sublinhar que nós temos um setor da saúde com valências de excelência que são reconhecidas mundialmente, não apenas no que diz respeito à qualidade dos nossos estudos médicos, mas também à qualidade dos nossos profissionais, médicos e investigadores, de todo o capital humano que dá corpo à medicina e aos cuidados de saúde, às preocupações em matéria de saúde global em Portugal.

Por isso, o desafio foi apenas fazer com que o CHUC e a UC fossem convidados a integrar a M8 Alliance. Isso foi possível através do reconhecimento da excelência do setor da saúde em Portugal. É muito importante lembrar que, naquele período tão difícil em que Portugal estava na “mó de baixo”, em que tínhamos “batido no fundo” em muitas dimensões e em muitos dos aspetos da nossa vida coletiva, foi possível, na Alemanha, com instituições lideradas por alemães, designadamente pelo Charité – Universidade de Berlim, fazer com que a Universidade de Coimbra, o seu Hospital e a cidade de Coimbra integrassem a M8 Alliance.

Tenho dito sistematicamente nas reuniões do Conselho Estratégico do CACC que ainda não tirámos todo o partido desta enorme vantagem. E não tirámos todo o partido, na minha opinião, nem em termos estritamente médicos e científicos, nem em termos políticos e comunicacionais.

O Conselho Estratégico do CACC tem pois também esta preocupação. Daí termos tido, por exemplo, numa das nossas últimas reuniões, a presença do novo presidente da Câmara Municipal de Coimbra, para que contribua para projetar o valor acrescentado que fazermos parte da M8 Alliance pode representar para o CACC, para Coimbra, para a UC e o CHUC e, obviamente, para Portugal.

É evidente que é muito importante para Coimbra a pertença do CACC à M8 Alliance, mas também é preciso reconhecer e sublinhar que Coimbra e a sua Universidade são uma marca prestigiada. Quando digo que me licenciei em Coimbra, todos sabem do que falo. Coimbra é uma brand mítica, científica e culturalmente. É evidente que é fundamental ter consciência de que a excelência do CHUC foi decisiva para a integração de Portugal na M8 Alliance, mas a marca “Coimbra” teve também um peso decisivo.

Considero, no entanto, que é talvez mais difícil projetarmos esta imagem internacional e pública da importância de fazermos parte da M8 Alliance a partir de Coimbra do que, porventura, a partir de Lisboa. Não há aqui nenhum juízo de valor em relação às instituições, quer em Lisboa, quer no Porto, que todos os dias fazem o seu trabalho no âmbito da saúde global. O que quero dizer é que Portugal é ainda muito vítima da “centralidade” das duas maiores cidades portuguesas, e essa “centralidade”, neste contexto específico, não tem jogado a favor do CACC no que diz respeito à integração na M8 Alliance.

Temos de ultrapassar esta situação, congregando os nossos esforços com os das autoridades portuguesas com responsabilidades na área da saúde, para que “arvorem a bandeira” de pertença do CACC à M8 Alliance. Não é uma tarefa fácil, mas é uma tarefa que nos compete e de que não desistimos.


Neste momento, está também a ser criado o primeiro CAC não-estatal do País, o CAC Católica Luz. Qual a sua opinião a este respeito?
Creio que toda a dinâmica que levou à criação da Faculdade de Medicina na Universidade Católica Portuguesa levaria, igual e necessariamente, à criação de um Centro Académico Clínico de âmbito não-estatal.

Diria que isso era algo inevitável e, mais uma vez, compete-nos a nós, de forma inteligente, criarmos sinergias indispensáveis para aprendermos mutuamente com aquilo que resulta de experiências diversas.

Há aqui outro aspeto que considero também muito relevante. É preciso “de- ideologizar” esta relação entre o que é o público e o que é o privado em matéria de saúde em Portugal porque, no fundo, o objetivo deverá ser sempre e apenas o de proporcionar aos portugueses os melhores, os mais eficazes e os mais humanos serviços de saúde possíveis. Esse tem de ser sempre o principal objetivo.

Os médicos e os outros profissionais de saúde, melhor do que ninguém, sabem do que falo. A dimensão humana é, porventura, muito mais presente no quotidiano de um médico do que em muitas outras profissões. Aquilo que importa, em matéria de saúde, somos nós, que em muitas circunstâncias da nossa vida, mais cedo ou mais tarde, acabamos por ser recipientes de cuidados médicos e de atenção por parte dos serviços de saúde, sendo também beneficiários da evolução da pesquisa, do desenvolvimento e da modernização da medicina em Portugal, seja por parte do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou não.


É também, desde o final do ano de 2019, embaixador de Portugal em Praga. Como tem conseguido gerir a missão diplomática com a presidência do Conselho Estratégico do CACC?
Não é fácil, mas é fascinante. As minhas funções diplomáticas estão, muitas vezes, nos antípodas das minhas preocupações como presidente do Conselho Estratégico do CACC. Do ponto de vista pessoal, é um enorme benefício e é muito enriquecedor poder ter o privilégio de contactar com a realidade que o CACC me proporciona.

A minha mãe é médica. Tem hoje 93 anos, já não exerce como é evidente, e o meu pai foi administrador hospitalar durante boa parte da sua vida profissional. Ou seja, eu nasci e cresci num ambiente onde ouvia falar de hospitais, doenças e medicina o tempo todo. Portanto, o mundo da medicina, nesse sentido mais cultural e familiar, digamos assim, não me é estranho e, por isso, desde sempre tive um enorme respeito, carinho e admiração pelos profissionais de saúde.

Por outro lado, Coimbra é a minha alma mater. Nasci no Porto, mas estudei em Coimbra. Na altura em que entrei para a faculdade, não havia Faculdade de Direito no Porto, nem na Universidade Católica Portuguesa nem na Universidade pública, ao contrário do que hoje acontece. Por isso, fui para Coimbra, como também foram muitas pessoas da minha geração. Fiquei instalado no Colégio de São Teotónio e, todos os dias, subia a Ladeira do Seminário. Passei em Coimbra, enquanto estudei na Faculdade de Direito, anos extraordinários da minha vida.

Isto para dizer que quando fui desafiado a integrar o Conselho Estratégico do CACC aceitei imediatamente – obviamente dependente da autorização do Governo português que prontamente recebi –, porque essa função iria permitir que retomasse o contacto com Coimbra, cidade de que tanto gosto e onde tenho muitos amigos.

Aceitar este cargo foi assim também uma espécie de “romagem da saudade”.

Acima de tudo, aprendo imenso com as discussões no Conselho Estratégico. As questões relacionadas com a saúde global são questões de primeiríssima importância para um diplomata e para a política externa de qualquer país.

Tudo aquilo que se relaciona com a saúde tem implicações estratégicas cruciais. Observamos, agora, a necessidade de pensar o mundo pós-pandemia, bem como outras questões fundamentais, como as alterações climáticas ou as questões de género. A complexa situação internacional que estamos a viver, com as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, não deixará de nos colocar novos desafios em matéria de saúde. As questões de medicina global são transversais, têm óbvias implicações de natureza política no âmbito nacional, mas também nas grandes estratégias de política internacional.

É por todas estas razões, umas mais pessoais e emotivas e outras de caráter mais profissional, que tenho muito gosto nas funções que desempenho no CACC. É um privilégio lidar com pessoas, na sua maioria das Ciências Médicas e da Saúde, que têm uma visão muito inteligente e lúcida sobre as grandes questões que nos afetam a todos.


por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Luís de Almeida Sampaio


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