Do curso
de Medicina 

Na Medicina, o seu porto seguro

Antes de fixar-se em Coimbra, José Júlio de Moura, nascido na Guarda, a 23 de agosto de 1948, “foi saltitando pelo País, desde as Beiras aos Açores e Alentejo”, com os seus pais, funcionários públicos em regime de sexénio.

A passagem pelos Açores, nomeadamente pela Ilha do Faial e o seu Vulcão dos Capelinhos, foi impactante. “Ligou-me ao mar, e a uma eventual vida futura na Marinha”, conta. “Com a necessidade de usar óculos para corrigir a visão, não concretizei esta opção... Optei por Medicina e se, no horizonte, se mantivesse o desejo inicial, habilitar-me-ia à Escola Naval, já como médico”, esclarece.

O desejo de ingressar na Escola Naval não se concretizou, mas concretizaram-se, certamente, muitos outros. José Júlio de Moura acabou por ficar em terra firme, e em Coimbra fez o curso de Medicina e desenvolveu um vasto e notável percurso nas carreiras clínica e docente.

Os tempos do curso na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), entre os finais da década de 60 e início da década de 70, foram vividos com entusiasmo, e deixaram boas memórias. “Tenho muitas saudades desses tempos… Recordo, e guardo no meu coração, os colegas, administrativos, auxiliares, Monitores, Assistentes e todos os Professores, que me ajudaram a construir o que eu sou”, garante.

Embora admita que os tempos conturbados e que foram espoletados pela crise académica de 1969 tenham interferido na vivência estudantil, José Júlio de Moura acredita que “a crise não modificou o essencial do curso”, que terminou em julho de 1972.

“Fiz o curso há quase 50 anos… Concluí com Clínica Médica, com o saudoso Professor Doutor Augusto Vaz Serra, que, no final do exame, me convidou para trabalhar com a sua equipa”, faz saber.

A carreira hospitalar e a carreira académica foram simultaneamente desempenhadas desde o final do curso, até porque, para José Júlio de Moura, ambas se complementam. “O trabalho junto dos que sofriam, tentando confortá-los no seu sofrimento físico e humano, impelia e estimulava o estudo de propostas futuras”, destaca.

Na docência, José Júlio de Moura iniciou oficialmente as suas funções na FMUC em 1973, que acumulou, conforme indicado, com as funções de médico de Prática Clínica. “Iniciei como Monitor de Clínica Médica o ensino prático aos alunos do 6º ano da licenciatura em Medicina”, explica.

“Durante o Internato Geral da Carreira Médica e Assistente, continuei a acompanhar turmas de alunos no ensino prático da Clínica Médica. Mas, na sequência do 25 de abril, e por proposta da Comissão Paritária de Gestão [CPG], que, à data, dirigia os destinos da nossa Faculdade, as turmas passaram a ensino intensivo e autoavaliação…”, conta.

No Internato Médico, foi integrado no Serviço Médico à Periferia, cumprindo esse ano de serviço em Mangualde, no distrito de Viseu. “Depois, concorri à especialidade de Medicina Interna, que realizei no Serviço de Medicina III dos Hospitais da Universidade de Coimbra [HUC], dirigido pelo Professor Armando Porto, que sucedeu ao Professor Augusto Vaz Serra”, contextualiza.

No final do ano letivo de 1973/74, já enquanto Assistente Eventual da FMUC, José Júlio de Moura foi chamado para o cumprimento do serviço militar obrigatório. “Depois dos ciclos básicos de Mafra e da Escola de Serviço de Saúde Militar da Estrela, foi adiado, por despacho do Ministério da Educação e Investigação Científica [MEIC], o cumprimento deste serviço até aos 30 anos de idade”, afirma, “e, por isso, voltei, em novembro de 1974, às minhas normais funções na FMUC.

Em fevereiro de 1975, e “por motivos não inteiramente clarificados”, José Júlio de Moura foi suspenso do exercício de funções docentes por decisão da CPG. “Nessa altura, apenas mantive a atividade hospitalar… Essa decisão foi revertida, sem qualquer justificação, após dois anos”, salienta.

Em julho de 1979, José Júlio de Moura passou a integrar o setor de Reumatologia do Serviço de Medicina III dos HUC e, em dezembro desse ano, realizou o exame final de Internato de Especialidade de Medicina Interna.

Precisamente dois anos depois, em 1981, ficou em primeiro lugar no concurso para especialista do quadro dos HUC, iniciando as suas funções em janeiro de 1982, ano em que é admitido no Colégio da Especialidade de Medicina Interna da Ordem dos Médicos.

Em 1985, passou a Assistente Convidado de Medicina III e, em 1993, concluiu o Doutoramento em Medicina Interna/Reumatologia da FMUC. Ainda nesse ano, José Júlio de Moura tomou posse do lugar de Professor Auxiliar da FMUC e, em 1995, do lugar de Professor Associado, tendo requerido Provas de Agregação em 1996.

“Colaborei, deste modo, no ensino teórico e prático dos alunos do 6º ano médico, quer por inerência das minhas funções hospitalares, quer pelas minhas funções na Faculdade. Enquanto professor, tive sempre a preocupação de estabelecer o diálogo entre o aluno e o doente, realçando os pontos fundamentais da clínica e, partindo da situação em causa, fazer a reflexão teórica dos diversos temas desenvolvidos”, observa.

No âmbito da carreira médica, José Júlio de Moura tomou posse do lugar de Chefe de Serviço de Medicina Interna dos HUC em 1994, mantendo a sua atividade nos Serviços de Medicina III e Reumatologia. “Também frequentei e estagiei, com colaboração ativa, no Núcleo de Reumatologia do Serviço de Medicina IV do Hospital de São João, no Porto, com o Professor Lopes Vaz, e no Rheumatology Department of St. Thomas’ Hospital, em Londres, com o Professor Graham Hughes”, complementa.

Em 1998, e por designação do Conselho de Gerência dos HUC, José Júlio de Moura passou a Diretor do Serviço de Medicina II, cargo que exerceu até ao ano de 2010. “Aí, mantive o avanço nos estudos da Lipidologia, levando o gosto pela inflamação e autoimunidade aos colaboradores e promovendo, anualmente, o curso de Autoimunidade no âmbito da Medicina Interna”, destaca.

Tendo publicado e colaborado na publicação de mais de cem trabalhos científicos, José Júlio de Moura fez mais de três centenas de comunicações orais, a maioria sobre temas relacionados com a Reumatologia. Em 1994 e 1996 foi, inclusive, galardoado com o Prémio Espírito Santo das ‘Jornadas de Actualizações e Avanços em Reumatologia’, com monografias sobre a artrite reumatoide.

Com um vasto percurso profissional, José Júlio de Moura afirma que foi fácil a sua gestão, bem como a conciliação com a vida pessoal. “Digo que foi fácil pela complementaridade da vida hospitalar e de docência no mesmo espaço físico. A vida familiar e pessoal foi decorrendo, paralela e normalmente”, indica.

No ano de 2013, José Júlio de Moura pediu a aposentação. “A proposta de um único Serviço de Medicina Interna a nível dos HUC, com o encerramento dos Serviços de Medicina I e II, bem como a dificuldade de vagas para Catedrático, desmotivaram a minha progressão”, adianta.

“Como tinha tempo de serviço e idade, optei por dar lugar aos mais novos, ficando, desse modo, com tempo para a leitura e a audição musical, que fui colecionando durante o tempo de labuta do dia-a-dia”, afirma.

Atualmente, e para além da leitura e da música, José Júlio de Moura confessa tentar estar atualizado “na vastidão do conhecimento médico, continuando a corresponder a solicitações dos colegas”.

No decorrer da sua vida, José Júlio de Moura é categórico ao elencar três momentos que foram particularmente marcantes no seu percurso, todos ancorados à Medicina: “a Licenciatura, o Serviço Médico à Periferia e o Doutoramento Académico em Medicina Interna/Reumatologia”.

Agora, é tempo de navegar por águas calmas, na companhia dos livros e da música, mas principalmente da família. “Quero desfrutar, a tempo inteiro, da família, e assistir ao crescimento e maturidade dos netos”, conclui.

por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por José Júlio de Moura