Coordenador do Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia (CIBB), Luís Pereira de Almeida faz um balanço positivo dos cerca de dois anos no cargo, evidenciando que, para que continue a ser bem-sucedido, este centro deverá saber tirar partido da evolução a que as áreas biomédica e biotecnológica têm vindo a assistir atualmente.
O CIBB foi criado em 2015. Pode falar-nos um pouco acerca da história da criação deste centro e, em traços gerais, dizer como o descreve e quais são os seus principais objetivos?
Coimbra tem uma grande tradição na área da investigação biomédica e, nesse âmbito, tem tido sempre excelentes contribuições e uma massa crítica elevada: desde 1976, com o Centro de Biologia Celular e, a partir de 1989, com o IBILI [Instituto Biomédico de Investigação em Luz e Imagem].
O Centro de Biologia Celular foi criado e liderado durante largos anos pelo Professor Arsélio Pato de Carvalho, mais tarde pela Professora Catarina Resende de Oliveira e recentemente pelo Professor João Ramalho, tendo em 1990 passado a chamar-se Centro de Neurociências e Biologia Celular [CNC].
Em 2000, o CNC tornou-se no primeiro Laboratório Associado, tornando-se uma referência nacional na investigação biomédica. Mais recentemente, entendeu-se que havia uma complementaridade entre a investigação que era feita no CNC e aquela que era feita no IBILI [atual iCBR – Instituto de Investigação Clínica e Biomédica de Coimbra]. Isto é, o CNC estava mais próximo da investigação fundamental e o IBILI mais próximo da investigação clínica, pelo que fazia todo o sentido juntar-se a investigação de ambos os centros. Deste modo, não existiria competição, mas sim uma complementaridade potenciadora da investigação.
É desta união que surge o consórcio CNC.IBILI, em 2015. Em 2020 passou a chamar-se CIBB, na sequência de proposta do External Advisory Board, que entendeu que seria importante a definição de uma matriz identitária conjunta. Hoje, o CIBB tem o estatuto de Laboratório Associado e é um caso de sucesso a esse nível.
Acreditamos que o CIBB é um dos melhores e mais relevantes centros do panorama nacional na área biomédica, uma vez que integra cerca de 345 doutorados e mais de 200 estudantes de doutoramento, tendo também um número considerável de investigadores de carreira, 27 dos quais de carreira permanente.
Por outro lado, tem sido capaz de dar um contributo muito importante a nível nacional, não apenas no treino avançado de estudantes de doutoramento e de mestrado, mas também na produção científica. O CIBB tem produzido cerca de 500 publicações científicas por ano, progressivamente melhores. Mais importante que o aumento do número de publicações é o facto da sua qualidade ter vindo sempre a aumentar: publicamos em revistas científicas com cada vez maior reconhecimento internacional.
Isso tem sido possibilitado, por um lado, pela qualidade das nossas equipas de investigação, e, por outro lado, pelo financiamento que temos conseguido captar para que os nossos investigadores e investigadoras, de nível internacional, possam fazer o seu trabalho com condições laboratoriais adequadas. Entre 2015 e 2020, atraímos cerca de 83 milhões de euros, um valor significativo.
Este financiamento tem como objetivo último permitir a compreensão das bases das diferentes doenças com as quais trabalhamos e transformar esse conhecimento em aplicação clínica, perspetivando desenvolvimentos que possam ter valorização económica. Temos a expetativa de contribuir para ensaios clínicos que partam da iniciativa do investigador e para a aplicação do conhecimento que é produzido para benefício dos doentes. De igual modo, temos também a expetativa de que esse conhecimento dê origem a patentes que possam ser licenciadas e das quais resultem novos produtos com valorização económica.
Conforme referiu, o CIBB alia a investigação fundamental e a investigação clínica. Nesse âmbito, e considerando mais especificamente a componente clínica e de translação, como é feita a articulação com o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC)?
Esse é um processo que ainda está em curso, e acredito que ainda há muito trabalho a fazer no que diz respeito à interação com o CHUC. Mas a verdade é que há uma série de investigadores que são clínicos do CHUC e que integram o CIBB. Esses investigadores têm sido fundamentais para a investigação clínica, como é natural. Um exemplo paradigmático é o da investigação que é feita em parceria com o Serviço de Neurologia do CHUC, em que a chefe desse Serviço é, simultaneamente, líder de grupo no CIBB: isso facilita muito este trabalho de desenvolvimento de investigação clínica, mas temos também outros modelos muito bem-sucedidos. Temos equipas de investigação fundamental que interagem com a equipa de clínicos, e é essa associação que desejamos continuar a promover para benefício de todos, especialmente dos doentes.
Dizia há pouco que o CIBB é um dos mais importantes centros no âmbito da investigação biomédica em Portugal. Lançando a provocação, isso significa também que, quando comparada à de outros centros similares, como os de Lisboa e Porto, a investigação biomédica em Coimbra tem níveis mais elevados de qualidade?
Em termos de qualidade, acho que a investigação que tem sido produzida em Coimbra é semelhante àquela que tem sido produzida nos centros congéneres, como o iMM [Instituto de Medicina Molecular] ou o CEDOC [Centro de Estudos de Doenças Crónicas] em Lisboa e o i3S [Instituto de Investigação e Inovação em Saúde] no Porto, entre outros centros.
Mas também acho que ainda podemos capitalizar mais esta estreita ligação que temos com o CHUC, e que é uma das nossas mais-valias. Por outro lado, também podemos e devemos capitalizar a nossa liderança na criação do Biocant, um polo onde estão alojadas 40% das empresas de biotecnologia portuguesas. É uma mais-valia também estarmos naquele ecossistema, em que conseguimos colaborar com as empresas e em que as equipas de investigação do CIBB têm facilidade em criar start-ups, transformando o seu conhecimento em valor.
Temos também de saber tirar partido destas condições, em que podemos conciliar a aplicação tecnológica com a vertente hospitalar. Isso é algo único. Não existe outro centro de investigação desta natureza com uma ligação tão próxima a estas duas áreas.
Existem ainda outros aspetos que nos distinguem, tais como o acesso ao ecossistema científico multidisciplinar da Universidade de Coimbra [UC], o investimento desta na investigação, assim como o apoio da CCDRC [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro]. Temos, no entanto, outros aspetos que nos penalizam, como estarmos longe de um aeroporto. O sucesso de um centro de investigação depende, em larga medida, do talento que consegue atrair e reter, e nisso temos sido bem-sucedidos, mas necessitamos de reforçar estas capacidades.
Isto porque o mais importante e determinante para o sucesso de um centro de investigação são os seus recursos humanos. É por isso que temos de dar condições aos investigadores que tornem o nosso centro cada vez mais atrativo.
E o que tem falhado nessa tentativa? Isto porque Coimbra tem tido a oportunidade de trazer para a sua Universidade grandes talentos, mas a cidade parece continuar a não ser atrativa o suficiente ao ponto de conseguir mantê-los cá. Na sua opinião e em termos práticos, como se pode aumentar essa atratividade?
Eu acho que temos feito um trabalho importante. Mas, por exemplo, a questão do financiamento é crítica. É o financiamento que nos possibilita termos investigadores para trabalharem em grandes projetos, como está a ser o caso do MIA-Portugal [Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento] e dos programas europeus ERA Chair [European Research Area], do qual é exemplo o projeto DYNA Brain. O MIA-Portugal vai trazer para Coimbra sete grupos de investigação e o DYNA Brain outro grupo. No conjunto, estaremos a falar na atração e fixação de perto de 50 a 60 investigadores e técnicos de apoio.
Temos, depois, outras fontes de financiamento, como é o caso do financiamento no âmbito do Laboratório Associado do CIBB. Abrimos recentemente quatro posições para investigadores ou investigadoras e abriremos outras posições brevemente. Tudo isto confere também atratividade à região e ao CIBB, para que seja possível reforçar a atração de investigadores de elevado sucesso, até porque os concursos são sempre internacionais e altamente competitivos.
Estes são aspetos importantes e que estão a correr favoravelmente. Podemos fazer mais, nomeadamente em termos de internacionalização. Tem de haver um esforço permanente para trazer mais estudantes e convidados internacionais para os cursos avançados que organizamos, e que dão apoio aos doutoramentos e mestrados, e para estabelecer parcerias estratégicas com centros de investigação internacionais de referência, e desta forma trazer pessoas com talento para o CIBB e para a cidade.
Como tem corrido a experiência na coordenação do CIBB? Quais têm sido os maiores desafios?
Tem sido de facto uma experiência desafiante. Temos uma série de obrigações, considerando o nosso estatuto de Laboratório Associado, em termos de prestação de serviços à sociedade, contribuição para o desenvolvimento económico e melhoria das condições clínicas e de saúde da população, algo com que estamos comprometidos no âmbito da atribuição deste estatuto.
Além disso, está também a ser feita a avaliação dos nossos grupos de investigação pela comissão internacional de acompanhamento [External Advisory Board], constituído por um conjunto de investigadores internacionais de renome que nos ajudam a encontrar caminhos, a corrigir aspetos que estejam menos bem e a identificar oportunidades que devemos aproveitar e que nos permitem encontrar direções para o CIBB.
Esta avaliação tem vindo a ser progressiva. No ano passado, foi feita a avaliação da área das Neurociências. Entretanto, está em curso a avaliação da área das Terapias Inovadoras e, ainda este ano, seguirá para a área do Metabolismo e Envelhecimento.
No próximo ano, teremos também a avaliação externa plurianual do CIBB e, por isso, temos de estar preparados. Estou confiante numa boa avaliação, tendo em conta, por exemplo, as publicações que temos produzido nestes últimos dois anos. Tivemos publicações em revistas científicas de alto impacto: Nature, Science, Autophagy, Gut… Nesse aspeto, tem corrido muito bem.
Um outro desafio que temos pela frente é o de reforçar esta captação de financiamento de grandes projetos europeus, nomeadamente do ERC [European Research Council]. É um desafio e uma prioridade. Temos uma série de candidaturas nesta área dos projetos europeus em que vamos continuar a investir. Estou convencido de que vamos ter novos financiamentos europeus e boas surpresas este ano, que nos darão razões para ficarmos ainda mais satisfeitos. Ao nível de financiamento nacional, acredito que teremos bons resultados das candidaturas aos projetos FCT [Fundação para a Ciência e a Tecnologia], que terminaram recentemente. Temos candidaturas excelentes e esperemos que sejam bem-sucedidas.
Temos também tido sucesso nos programas de atração e retenção de talento. Nos últimos anos, captámos 29 posições com o CEEC [Concurso Estímulo ao Emprego Científico] Individual e Institucional e também com os programas Marie Curie.
A par da qualidade das nossas publicações e da capacidade que temos tido para captar financiamento, um aspeto muito importante e ao qual temos dado uma grande atenção é a Comunicação de Ciência. Temos o compromisso de comunicarmos ciência, de nos integrarmos na sociedade e de contribuirmos para o seu conhecimento científico. Temos feito um esforço muito bem-sucedido na Comunicação de Ciência, área na qual temos a intenção de continuar a investir.
Claro que os desafios trazem também dificuldades, a par das oportunidades. Os investigadores do quadro do CNC vão passar para os quadros da UC, o que lhes dá maiores perspetivas de progressão na carreira e, do mesmo modo, acho que também é bom em termos de atratividade futura, de investigadores que queiram vir para o CIBB. Mas estes processos de transformação, como é o caso da integração do CNC na UC, que está em curso, são processos muito trabalhosos e exigentes, e talvez esse seja um dos aspetos mais complexos que temos de gerir.
Estou confiante de que temos condições para grandes desenvolvimentos. A área biomédica é uma área que, a nível nacional, tem tido um desenvolvimento considerável: estamos muito próximos do nível dos nossos congéneres do Reino Unido ou da Alemanha, por exemplo. Por isso, temos muitas oportunidades. Tem havido um enorme desenvolvimento na evolução das áreas biomédica e biotecnológica em que nos situamos, e nós temos de contribuir e tirar partido da explosão que está em curso.
Temos a possibilidade de vir a contribuir com novas terapias para múltiplas doenças, tirando partido do nosso know-how e, brevemente, também de novas condições no que diz respeito a instalações, em particular do edifício UC Biomed, que está a ser construído.
Algo que também poderá vir a atrair investigadores, o facto de estarem a ser construídas novas instalações para centros de investigação.
Sim, isso vai facilitar a captação de investigadores. A falta de instalações adequadas é um aspeto que nos tem penalizado nos últimos anos, e que há pouco não referi. Temos visto que os nossos congéneres têm tido acesso a instalações de alto nível e como isso é importante. Algo que teremos também agora com a construção do UC Biomed.
Estou confiante que nos próximos anos o CIBB reforçará a sua sólida produção científica e fará a sua parte no grande papel que a ciência tem na transformação do mundo num lugar melhor.
por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Luís Pereira de Almeida