Editorial

Escrevo hoje num momento particularmente difícil e doloroso para a humanidade. Quem hoje não sente uma profunda dor e uma enorme revolta por tudo aquilo a que assistimos nestes últimos dias na Ucrânia? Qualquer guerra, que dizima inocentes, que rouba o sorriso a crianças que anseiam um dia ser grandes, que encurta o caminho de quem ainda só tinha percorrido uma parte dele, que transforma em pesadelo os sonhos de uma vida, não pode ser entendida nem desculpada. E esta, em concreto, não tem outra motivação que não seja o delírio de um louco que em pleno século XXI tem a pretensão desmedida, qual Pedro, o Grande, de fazer renascer um Império Soviético já esquecido e enterrado. Na Ucrânia, são corpos anónimos a encher valas comuns, quais despojos de morte que se amontoam, sepultados sem dignidade e respeito que merece cada uma daquelas vidas dizimadas às mãos de uma criatura desprezível, que envergonha a espécie humana. É revoltante ver o sofrimento de gente que não pediu para viver este martírio, que teve a pouca sorte de estar no sítio errado à hora errada. Gente que ainda assim, por amor ao país que os viu nascer e que têm como pátria, dá literalmente o peito às balas, de forma heroica, a querer honrar todos aqueles que tombaram, fruto de ataques cobardes e traiçoeiros. É um povo de um enorme caráter e determinação, que luta, até à última das suas forças, contra um inimigo que não respeita leis, ordens ou acordos. Que destrói e espezinha, com a mesma facilidade, uma instalação militar ou uma vida humana inocente. Também nós, com menos violência física, somos bombardeados com imagens de hospitais, creches ou teatros destruídos sem dó nem piedade, somos atingidos por gritos de dor e desespero daqueles que tudo perderam e a quem nem a esperança resta, somos violentamente agredidos pelo olhar dilacerante de uma criança a vaguear sem destino. Este conflito, um dos mais brutais e injustificáveis a que a humanidade já assistiu, ao contrário das intenções de quem o perpetrou, tem servido para unir povos e nações e fazer (re)nascer alianças e parcerias que há muito estavam adormecidas. Será este o elevado preço que há que pagar para a construção de uma nova geometria que nos permita, amanhã, viver num mundo mais seguro e em paz? 


Como já referi, entendo que o contributo dado pela investigação produzida na nossa Faculdade deve centrar-se, essencialmente, em questões que emergem da clínica, da cama do doente. Este é, na minha modesta opinião, o caminho rumo à translação, com a criação de soluções inovadoras para colocar ao dispor dos doentes. No passado dia 16 de março, tivemos a honra de ouvir (e ver), presencialmente, uma das figuras maiores da ciência portuguesa, o Professor Cunha Vaz. Através de uma palestra brilhante, que cativou e inspirou tanto jovens como menos-jovens, foi possível percorrer o caminho da investigação biomédica em Coimbra (e em Portugal), nos últimos 50 anos, pela mão de um dos seus principais protagonistas. Deve constituir um exemplo e uma motivação para todos nós a força, o entusiasmo, a paixão de um homem com uma visão tão sóbria, pragmática e vanguardista, que viveu sempre muito à frente do seu tempo. Obrigado, Professor Cunha Vaz, por tudo o que nos tem dado e pelas inúmeras oportunidades que nos criou.


Nesta Voice*MED, podemos ouvir, pela voz de Luís Almeida, Presidente do maior Instituto de investigação biomédica da Região Centro (e um dos maiores do país), o consórcio formado entre o iCBR e o CNC, quais os desafios colocados a Coimbra para que esta se torne num centro de referência internacional em termos de produção de conhecimento e inovação, na área biomédica. Em “Do curso de Medicina”, temos o privilégio de partilhar um percurso trilhado por Helena Goulão, marcado por histórias de invulgar generosidade e abnegação, que mostram o enorme caráter humano de uma personalidade que se distinguiu também na área da gastroenterologia. O Instituto de Clínica Integrada, liderado por Eunice Carrilho, é o convidado de “Isto é FMUC”, onde teremos oportunidade de conhecer as diversas facetas desta estrutura, nomeadamente o esforço que tem sido feito para aproximar as ciências básicas da investigação e prática clínica. Maria Cardoso, estudante de doutoramento da FMUC, testemunha em “Lucerna”, como as desatenções “à Maria”, que tantas vezes condimentam a sua vida, podem explicar pequenos detalhes que influenciaram o seu percurso. Em “Fora da Medicina”, damos a conhecer o Grémio Operário de Coimbra, um espaço cultural único da cidade, construído quando Coimbra não tinha nenhum teatro nacional como Lisboa e o Porto, e que foi também o espaço de ensaio diário de Zeca Afonso. Por fim, Graça Carvalho, Coordenadora Executiva da FMUC, prescreve-nos uma viagem através dos planetas visitados pelo “O Principezinho”, com paragem numa praia próxima para um momento de reflexão.



Henrique Girão


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