João Nuno Calvão da Silva é, desde 1 de março de 2019, Vice-Reitor da Universidade de Coimbra para as Relações Externas e Alumni. Prestes a cumprir três anos de mandato, fala das parcerias que têm vindo a ser estabelecidas entre a universidade e diversas instituições estrangeiras, bem como da importância do desenvolvimento de Redes de Antigos Estudantes.
Quase 20 por cento dos estudantes da Universidade de Coimbra (UC) são estrangeiros. No seu entender, o que torna a UC atrativa para estes estudantes?
Acho, sem dúvida, que são o nome e a marca UC que a perpetuam ao longo do tempo. Esse nome e essa marca são indissociáveis, evidentemente, da excelência do ensino e da investigação nas diversas áreas do saber. Caso contrário, a UC não teria já 732 anos. Somos uma universidade que cobre todas as áreas do saber, através das suas atuais oito faculdades e dos seus vários centros de investigação.
É isso que torna o nome, a marca e a imagem da UC mundialmente reconhecidos ao longo dos tempos e pelos vários quadrantes do mundo, em especial no mundo falante de língua portuguesa. Por isso, devemos acarinhar a língua portuguesa como uma mais-valia de afirmação da nossa universidade no mundo, agora e também para os próximos 732 anos.
De onde vêm e o que estudam estes alunos estrangeiros?
Cerca de 80 por cento dos nossos cinco mil estudantes estrangeiros vêm do Brasil. Somos, provavelmente, a universidade mais brasileira fora do Brasil. Depois, temos muitos estudantes de outros países lusófonos e temos já uma comunidade chinesa considerável. Atualmente, estudam, na UC, alunos de cerca de 105 nacionalidades.
No caso particular da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), como vê a parceria entre a UC e a Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) na formação de novos médicos?
Vejo-a não apenas como uma relação académica de imenso interesse, mas sobretudo como algo absolutamente estruturante para as relações entre a UC e todo o mundo da lusofonia. Por isso, sempre em estreita sintonia com a FMUC – queria aqui sublinhar a excelente relação que temos com o Diretor, Professor Doutor Carlos Robalo Cordeiro, e com o Presidente da Assembleia, Professor Doutor Nascimento Costa –, a Reitoria tem ajudado a superar alguns aspetos mais difíceis que vão sendo vivenciados no contexto dessa parceria.
Recentemente, em visita oficial a Cabo Verde, reuni com responsáveis governamentais – nomeadamente a secretária de Estado do Ensino Superior, o ministro do Mar, da Cultura e das Indústrias Criativas e o Primeiro-ministro – e fui recebido num jantar organizado pela Rede de Antigos Estudantes, muitos deles a ocupar importantes cargos na vida económico-social cabo-verdiana. Fiquei verdadeiramente comovido com o amor que aqueles que por aqui passaram nutrem pela sua alma mater e o modo como Coimbra marca aquele bonito país.
Nesta linha, reitero: a parceria da FMUC com a maior instituição universitária de Cabo Verde é de importância estratégica fundamental para a Universidade e para Portugal. O próprio diretor da FMUC e o Professor Doutor Fernando Regateiro, este também enquanto membro do Conselho Geral da Uni-CV, testemunharam há pouco tempo a cerimónia de conclusão da formação dos primeiros médicos ao abrigo desta parceria, tendo salientado que são alunos de elevada qualidade, o que muito alegrou o Primeiro-ministro de Cabo Verde quando lhe transmiti essa informação, tanto que a utilizou num contexto público e mediático, o que ajudou a difundir, ainda mais, o nome de Coimbra, da sua Universidade e da sua prestigiada Faculdade de Medicina.
A propósito das relações com o mundo lusófono, em setembro passado a UC foi eleita para a Presidência do Conselho de Administração da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP), cargo que será desempenhado até 2024. Qual a importância desta eleição, por unanimidade, para a UC?
A liderança da maior rede de instituições de ensino superior do espaço lusófono – a envolver universidades e politécnicos de todos os países falantes de língua portuguesa (Brasil, Portugal, todos os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa [PALOP], Timor-Leste e Região Administrativa Especial de Macau) – é, sem dúvida, um marco prestigioso e estratégico para a História da nossa Universidade.
Fomos eleitos depois de uma excelente presidência desempenhada pelo Professor Doutor Orlando da Mata, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Angolanas e membro do Conselho Consultivo da nossa Academia Sino-Lusófona, e por unanimidade, o que muito nos deve orgulhar e constitui acrescida responsabilidade.
A AULP tem cerca de 140 membros e é, como referi, a maior rede de instituições de ensino superior lusófona. É também a mais antiga: tem, neste momento, 35 anos de existência, mais do que a própria CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa].
É fundamental que a UC possa também afirmar-se através da presidência desta prestigiada associação no mundo lusófono, com uma influência cada vez maior e mais efetiva, através de ações concretas, como o desenvolvimento de um programa de mobilidade académica, que apelido de “Erasmus lusófono”. Este programa foi criado em 2019. Neste momento, não obstante o contexto pandémico, temos mais de cem estudantes envolvidos no programa e cerca de 70 instituições de ensino superior que são membros desta rede e que aderiram ao programa.
Este programa impulsiona a mobilidade dentro do espaço lusófono, garantindo a frequência das instituições com isenção de propinas e alimentação gratuita ou a preços reduzidos. Além disso, é um programa que demonstra como a UC apadrinha prioritariamente a valorização da língua portuguesa e como, dessa forma, também consegue afirmar-se em iniciativas mundialmente importantes para a mobilidade académica e para a livre circulação entre diversos países.
Este “Erasmus lusófono” esteve também em destaque na IX Reunião de Ministros da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior da CPLP, no passado mês de janeiro.
A AULP tem também o importante estatuto formal de observador consultivo da CPLP. Nesse âmbito, enquanto seu Presidente em exercício, por delegação do nosso Magnífico Reitor, pude dar o testemunho, nesta Reunião de Ministros que se realizou em Angola, em formato híbrido, do caso de sucesso que é este programa de mobilidade.
E é um caso de sucesso também porque foi implementado já em 2019, o que faz com que tenha decorrido, praticamente desde sempre, em contexto pandémico, tal como o mandato desta Equipa Reitoral da UC, que conta com três anos, dois deles em pandemia. Ainda assim, conseguimos ter êxito neste “Erasmus lusófono”, no qual Coimbra deu um forte impulso, que seguramente deverá reforçar no próximo triénio.
No âmbito da promoção do envolvimento da UC com os seus antigos alunos, que iniciativas têm vindo a ser desenvolvidas?
Antes de mais, gostaria de salientar a visão do atual Reitor ao reunir as Relações Internacionais e os Alumni num mesmo pelouro. Solução natural e desejável, quando tantos estudantes estrangeiros estudam na nossa Universidade durante um período importante das suas vidas e depois vão por esse mundo fora desempenhar funções relevantes, na política, na medicina, nas mais variadas empresas, consolidando e reforçando o nosso prestígio além-fronteiras…
É fundamental para a afirmação crescente da UC no mundo mobilizar os nossos Antigos Estudantes – afinal, os nossos verdadeiros Embaixadores e melhores cartões de visita. Temos de os fazer sentir que terão sempre na sua UC uma porta aberta para devolverem à Universidade aquilo que esta lhes deu, tanto na sua formação enquanto técnicos que vão singrando nas suas vidas profissionais, como, sobretudo, na sua formação enquanto homens. Coimbra tem essa marca: é uma cidade pequena/média, que, para além de destacar-se na excelência do ensino e da investigação, tem também uma componente humana que nos distingue claramente de outras universidades, em especial as dos grandes centros urbanos.
Neste âmbito, parece-nos importante incentivar o lançamento de novas Redes Alumni e apoiar a atividade das existentes, para envolver cada vez mais antigos alunos, contando, para isso, com a ajuda de algumas personalidades que se vão destacando nas suas áreas de atuação.
Por exemplo, na Rede de Antigos Estudantes de São Tomé e Príncipe, não posso deixar de destacar a sua Presidente, Dr.ª Celiza de Deus Lima, ex-Bastonária da Ordem dos Advogados e a primeira Conselheira de Estado neste país, e o Dr. Kelve de Carvalho, Procurador-Geral da República, que nos tem ajudado de forma absolutamente extraordinária, com o desenvolvimento de imensos protocolos na área da Justiça com Angola, Moçambique ou Cabo Verde, por exemplo. Também na área da Medicina, foi através do Dr. Kelve Carvalho que conseguimos gizar importantes ações de formação ao nível da Medicina forense e da proteção de crianças com o Governo são-tomense, pela mão do Professor Doutor Duarte Nuno Vieira.
Por causa da pandemia, devido à variante Ómicron, tivemos de cancelar, praticamente na véspera, a ação de lançamento da Rede de Antigos Estudantes de Moçambique. Em breve, porém, espero poder cumprir o que estava programado e assistir, na presença do nosso Doutor Honoris Causa Joaquim Chissano, à posse da Dr.ª Anabela Chambuca, Embaixadora Alumni UC e vencedora do Primeiro Prémio Alumni Joaquim Chissano, atribuído pela Câmara de Comércio Portugal/Moçambique no último Dia Mundial da Língua Portuguesa na nossa Sala do Senado.
Também os preparativos para o lançamento oficial da Rede Alumni Benelux [Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo] estão muito avançados, cumprindo aqui destacar o trabalho incansável do Dr. Rui Faria da Cunha, Presidente da Câmara de Comércio Belgo-Portuguesa e das Deputadas ao PE [Parlamento Europeu], Maria Manuela Leitão Marques e Lídia Pereira, todos Embaixadores Alumni UC e com um profundo amor pela UC.
Naturalmente, este tipo de ações deve ser presencial, porquanto gira muito à volta dos afetos e da possibilidade de conhecer fisicamente as pessoas, algo essencial para daí surgirem ideias e projetos que beneficiem tanto os antigos estudantes como a UC.
E o que é necessário fazer para pertencer formalmente à Rede Alumni UC?
É precisamente essa a questão: pertencer formalmente à Rede Alumni UC. Porque, claro, antigos estudantes e pertencentes à comunidade Alumni UC somos todos os que aqui estudámos. Para dar essa ideia de pertença formal, reforçámos a divulgação do cartão Alumni UC. Trata-se de um cartão que acaba por cumprir dois propósitos.
Em primeiro lugar, um propósito afetivo. Nunca deixo de salientar neste âmbito que, num encontro da Rede de Antigos Estudantes do Porto, um antigo aluno veio falar comigo para pedir-me um cartão para a sua mulher, se fosse possível. Eu respondi-lhe que sim. A peculiaridade é que a mulher deste senhor já tinha falecido, mas gostava mesmo muito de Coimbra e da UC. Isto demonstra este aspeto afetivo que, nas comunidades fora de Portugal, é ainda mais evidente.
O outro propósito tem um cariz mais prático: trata-se de um cartão que tem associado um conjunto de benefícios em termos de parcerias que nós, em sucessivas campanhas de marketing, temos vindo a intensificar. Neste momento, temos já cerca de 120 parcerias.
Em última análise, a atribuição deste cartão aos antigos alunos que o solicitam permite-nos a construção de uma base de dados atualizada e fiável, que nos facilita o direcionamento de ações concretas para mobilizar estes antigos estudantes, avaliando mais especificamente de que forma querem regressar ou ajudar a sua alma mater, como já sucede com ações de mecenato.
Para além da criação desta Rede Alumni mais alargada e das Redes de Antigos Estudantes da UC noutros países, sempre acarinhei muito a ideia do desenvolvimento das Redes de Antigos Estudantes que existem em Portugal.
Aqui, existem duas vias possíveis: a geográfica, como é o caso das Associações dos Antigos Estudantes de Coimbra, Lisboa, Porto, Algarve e Braga, cujas respetivas iniciativas tenho sempre tentado incentivar, agradecendo a todas na pessoa do Professor Doutor Polybio Serra e Silva, Professor Catedrático Jubilado da FMUC; a outra via passa pela criação de Redes de Antigos Estudantes das próprias faculdades do universo UC, até porque sempre tive uma visão muito descentralizadora, que considero mais agregadora e efetiva. Acho que os antigos estudantes se unem muito mais em torno das suas reuniões de curso, por exemplo, do que em fora organizados pela Reitoria. Neste sentido, acho que estamos perante perspetivas complementares.
Fico extremamente feliz por saber que à frente da Associação de Antigos Estudantes da Medicina estará o Professor Doutor Manuel Antunes, Médico prestigiadíssimo mundialmente e um Homem querido por todos.
Referiu, no início da entrevista, que são o nome e a marca UC que a tornam atrativa. Nesse sentido, quais são as estratégias da Universidade para perpetuar esse nome e essa marca?
Esse é o grande desafio que temos pela frente. É óbvio que o nosso nome e a nossa marca resultam dos 732 anos de história, e que isso é uma mais-valia imensa, mas também uma grande responsabilidade. Temos sempre de tentar perceber que os tempos vão mudando e que temos de nos adaptar e ser mais pró-ativos, mostrando que nos conseguimos destacar, não porque em tempos fomos a única universidade e não porque já temos 732 anos de existência, mas sim porque continuamos a apresentar excelência no ensino e na investigação nas mais diversas áreas.
Com essa atitude e mobilizando todos, creio que conseguimos ser melhores do que as outras instituições. Não há motivos para não o sermos. Isso tem sido atestado nos mais diversos ramos do saber e nas mais diversas paragens, de que é exemplo Cabo Verde, que legitimamente reconhece que a FMUC apresenta uma excelência maior do que as outras faculdades de Medicina do nosso País ou do que qualquer faculdade de Medicina no espaço lusófono. Esse é um bom exemplo de como podemos continuar a ser sempre os melhores e a estarmos sempre à frente do nosso tempo.
Muitas vezes, não temos noção do quanto valemos. Tendemos a minorar o que fazemos. Isso acontece nas nossas próprias vidas: pensamos sempre que os outros são melhores do que nós quando, às vezes, temos, na verdade, mais do que qualidades para exercer tarefas mais complexas e exigentes.
Agora, há que ser realista. Os contextos mudam, são mais competitivos e devemos valorizar o que temos de excelência na investigação e no ensino. O grande mérito não é da Reitoria, será sempre dos nossos professores e da qualidade dos alunos que saem daqui, de como ficam a amar Coimbra e a vão projetar, no País e além-fronteiras.
À Reitoria cabe incentivar e ter sempre as portas abertas, numa visão descentralizadora, para deixar que cada faculdade e cada centro de investigação mostre o que de melhor tem e se afirme no contexto global. Em termos de internacionalização, destacaria a necessidade do reforço da oferta letiva à distância (e-learning e b-learning) e, ainda que numa abordagem complementar, do ensino em inglês, algo que a Direção da FMUC está – e muito bem – a trabalhar.
por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por João Nuno Calvão da Silva