Do curso de Medicina   

O pontapé de saída
para um futuro risonho 

Se a vida fosse um jogo de futebol, a de Catarina Dourado estaria na primeira parte, apenas com alguns minutos decorridos. Não seria, no entanto, um início monótono, mas sim uma daquelas partidas em que muito acontece desde o seu início. Aos 23 anos, a aluna do sexto ano de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) e atual presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), presidiu também, anteriormente, o Núcleo de Estudantes de Medicina da Associação Académica de Coimbra (NEM/AAC).

Nasceu em Lisboa, no ano em que esta cidade albergou a Expo 98, em que José Saramago recebeu o Prémio Nobel da Literatura e em que a França organizou o Campeonato Mundial de Futebol. Acontecimentos dos quais não tem, naturalmente, memória, embora as suas primeiras recordações não distem muito do seu ano de nascimento. 

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“Tenho a recordação de, na época 2001/2002, ver na televisão que o Sporting era campeão”, indica, “e essa sempre foi uma das minhas grandes paixões, o futebol e o próprio Sporting Clube de Portugal”. Acerca dessa paixão, Catarina Dourado conta, inclusive, um facto curioso: “tornei-me sócia do Sporting aos 35 minutos de vida, ainda antes de ter sido registada”. 

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Por isso, refere que, por um lado, a sua infância esteve sempre muito ligada ao Sporting e às suas modalidades, especialmente devido à influência dos seus pais, adeptos do clube. Por outro lado, e inusitadamente, a Medicina acabou também por ter uma presença mais assídua no seu quotidiano desde a altura em que ainda era bebé e ao longo dos primeiros anos de vida, o que talvez tenha influenciado a escolha do curso a seguir e da profissão a desempenhar no futuro.

“Logo a partir dos meus primeiros meses de vida, tive alguns problemas do foro da Otorrinolaringologia – fazia muitas otites médias de repetição – e lembro-me de ser seguida regularmente pelo médico”, contextualiza, “tanto que acho que sempre olhei para o médico como a pessoa que está ali para nos ajudar”, acrescenta. Assim, Catarina Dourado afirma que sempre cresceu com a ambição de ser médica, “porque queria ser a pessoa que também estava lá para ajudar os outros quando fosse necessário”.

Durante a infância e até terminar o Ensino Secundário, viveu nos arredores de Lisboa. “Do primeiro ao sexto anos, andei na escola em Salvaterra de Magos e, a partir do sétimo ano, estudei no Externato de Penafirme, que fica perto da praia de Santa Cruz, em Torres Vedras”, indica. Foi no decorrer do décimo primeiro ano que Catarina Dourado veio a Coimbra frequentar uma Universidade de Verão, um programa educativo da Universidade de Coimbra (UC) destinado a alunos do Ensino Secundário. “Gostei bastante dessa experiência e, quando chegou a altura de candidatar-me ao Ensino Superior, acabei mesmo por escolher a UC”, conta. 

“Além disso, queria ter uma experiência fora de casa, numa perspetiva de crescimento pessoal, porque a verdade é que se ingressasse numa das faculdades de Medicina de Lisboa, acabaria por ter uma experiência muito semelhante à do secundário, já que continuaria perto de casa”, observa. “E Coimbra é uma cidade única para estudar. Portanto, não querendo ficar em Lisboa, não haveria outra cidade que escolhesse que não fosse esta!”, destaca. 


Tem sido realmente uma experiência assoberbante, e nem acredito que já estou no sexto ano!

Catarina Dourado ingressou no curso de Medicina da FMUC no ano letivo 2016/2017, e garante que a vivência da vida académica superou em larga escala aquilo que esperava encontrar. “Na altura, quando vim para Coimbra e entrei no curso, estava à procura desta perspetiva de crescimento pessoal e de adquirir todas as competências necessárias que me permitissem ser uma boa médica no futuro, mas acabei por descobrir um outro mundo”, menciona.

O outro mundo é o do associativismo, ao qual está ligada desde o primeiro ano do curso. “O NEM/AAC organiza muitas atividades de apresentação deste núcleo destinadas aos caloiros. Lembro-me de que, quando assisti a estas apresentações, fiquei logo fascinada com a quantidade de projetos que o núcleo organizava, como o ‘A Brincar, A Brincar!’, o ‘Hospital do Ursinho’ ou outras atividades mais relacionadas com a Educação Médica”, esclarece.  

“O envolvimento que tive, quase desde o início da minha entrada na FMUC, no NEM/AAC, fez-me também crescer bastante, a par do ensino e das competências adquiridas na nossa faculdade”, assegura. “É por isso que digo que estes anos aqui em Coimbra superaram largamente as minhas expetativas, porque não esperava envolver-me tanto no associativismo, nem crescer tanto com ele”, salienta.

Catarina Dourado observa ainda que dificilmente teria adquirido competências nos âmbitos da comunicação, da liderança e do trabalho em equipa se não estivesse envolvida no associativismo. “Tem sido realmente uma experiência assoberbante, e nem acredito que já estou no sexto ano!”, admite.

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Desde que entrou para o NEM/AAC, em janeiro de 2017, Catarina Dourado foi colaboradora do Departamento de Logística do VII Congresso In4Med, coordenadora do Departamento de Educação Médica, vice-presidente para os Assuntos Externos e, mais recentemente e conforme referido, presidente deste núcleo entre maio de 2019 e outubro de 2020. O mandato como presidente deveria ter tido a duração de apenas um ano, mas acabou por estender-se por mais cerca de seis meses devido à atual situação pandémica.

Sobre a experiência na presidência do NEM/AAC, Catarina Dourado confessa que os maiores desafios que enfrentou foram o da construção de uma equipa e de como saber motivá-la. “Infelizmente, a pandemia surgiu durante o nosso mandato, e esse foi também um grande desafio, o de uma rápida adaptação às circunstâncias, já que não estávamos preparados, por exemplo, para ter um mandato superior a um ano, nem para trabalharmos à distância, uma vez que todas as nossas atividades e reuniões eram presenciais”, menciona. “Nesse sentido, precisámos também de decidir, em conjunto com a direção da FMUC, quais as mudanças que poderíamos promover no ensino para que este continuasse a responder às necessidades dos estudantes, ainda por cima num curso tão eminentemente prático”, acrescenta.

“A partir da minha entrada para o núcleo, ficou aqui um ‘bichinho’ do associativismo que já não consigo largar, este gosto por lutar por aquilo em que acreditamos e por tentarmos fazer a diferença é muito importante, mesmo que nem sempre sejamos bem-sucedidos”, refere.

Entretanto, Catarina Dourado encontra-se prestes a terminar, neste mês de dezembro, o seu mandato de um ano à frente da presidência da ANEM. Fazendo uma avaliação do seu desempenho, admite que este “foi um ano muito imprevisível”, nomeadamente no início e devido a questões relacionadas com a pandemia, como é o caso da vacinação. Porém, admite, igualmente, que o trabalho que antes desempenhou no NEM/AAC a ajudou muito a fazer frente a todas as tarefas com as quais se viu confrontada na ANEM. “Sem dúvida que, se não tivesse passado pelo NEM/AAC, não estaria onde hoje estou, nem a fazer o trabalho que estou a fazer”, enfatiza.

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“Uma primeira parte deste meu mandato andou muito à volta da questão da vacinação. Um dos maiores desafios que enfrentamos é o facto de sermos estudantes de Medicina, mas, ao mesmo tempo, estarmos expostos aos mesmos riscos que os médicos, sem, no entanto, termos acesso àquilo que os profissionais de saúde têm como consequência da sua profissão, como é o caso do acesso prioritário à vacinação no período específico destinado a estes profissionais e também o caso do acesso aos registos clínicos”, denota.

“No caso do acesso aos registos clínicos, esse é, efetivamente, um problema que temos em mãos, nomeadamente com a Comissão Nacional de Proteção de Dados [CNPD], porque, sem termos acesso aos dados dos nossos doentes, torna-se difícil aprendermos”, afirma. “É um problema que, infelizmente, ainda não está resolvido, mas que, à partida, encontrará uma solução já em janeiro do próximo ano. Seria muito mais seguro e facilitado se cada estudante tivesse o seu perfil no SClinico, com as devidas adaptações ao acesso necessário para o ensino”, avança.

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“Além de tudo isto, acho também que foi desafiante o próprio networking. A nossa relação com as outras entidades mudou bastante, pelo facto de ser tudo muito mais feito à distância e de não existirem eventos presenciais, que serviam, igualmente, o propósito de nos relacionarmos uns com os outros”, indica. Catarina Dourado afirma ainda que o seu mandato acabou por ser pautado, de certa forma, por um “momento político marcado por ideologias”, respeitante à abertura de novas Escolas Médicas e à possibilidade do aumento de vagas nos cursos de Medicina.

“Essa é também uma questão complexa para nós, a de tentarmos mostrar a nossa realidade à opinião pública, que nem sempre está do nosso lado”, constata. “Como é que nós, estudantes de Medicina, conseguimos explicar à população qual é, verdadeiramente, a realidade da nossa formação, do Serviço Nacional de Saúde [SNS] e do sistema como um todo; o que está, efetivamente, a acontecer, porque é que os profissionais saem ou não do País?”, observa. “É uma questão – e um desafio – que ainda não encontrou solução, mas temos tentado, de diversas formas, sensibilizar a população para aquilo que é a nossa realidade”, afirma.


O espírito académico de Coimbra e as interações que aqui desenvolvemos
uns com os outros não existem noutras faculdades…

Com o mandato na ANEM prestes a terminar, Catarina Dourado indica que, a partir daí, os principais focos da sua atenção serão a tese e o estágio. Quanto à especialidade médica que gostaria de seguir, confessa que, apesar de não ter nenhuma especialidade “propriamente decidida”, tem, neste momento, particular interesse pelas áreas da Pediatria ou até mesmo da Obstetrícia: “mas ainda me falta experienciar muita coisa, por isso, estou à espera do estágio deste ano para perceber melhor o que quero seguir”, adianta. 

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Com uma vida de estudante de Medicina já de si bastante preenchida, e com um envolvimento tão ativo e enérgico no NEM/AAC e, mais recentemente, na ANEM, Catarina Dourado admite que os tempos livres são poucos. “Costumo dizer que, apesar de ser estudante, estudo mais nos meus tempos livres do que quando deveria tirar mesmo algum tempo para estudar”, brinca, “porque, claro, acabo por ter outras prioridades neste momento”.

Assim, no pouco tempo livre disponível atualmente, Catarina Dourado aproveita para ver os jogos do Sporting, dedicar-se à leitura e passar tempo com os amigos. “A verdade é que, com todas estas atividades, e com o facto da ANEM ser uma federação nacional, acabo por passar muito tempo fora de Coimbra, e por esse motivo aproveito para, quando cá estou, encontrar-me com os meus amigos, já que nem sempre consigo estar com eles”, conta.

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Quanto à experiência de mais de cinco anos a viver e a estudar em Coimbra, Catarina Dourado reforça que esta tem sido marcante, pela positiva. “Sei que termino o curso diferente a nível pessoal. O espírito académico de Coimbra e as interações que aqui desenvolvemos uns com os outros não existem noutras faculdades… E isso não é um mito, é mesmo algo característico desta cidade e da sua universidade: levo daqui amigos para a vida”, garante.

“Não me arrependo nada de ter vindo para Coimbra, voltava a repetir tudo. No que diz respeito à vida académica, foi mesmo a melhor experiência que poderia ter tido. Cresci muito como, se calhar, nunca teria crescido se fosse para qualquer outra faculdade”, destaca.

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Para o futuro, são várias as possibilidades que, de momento, passam pela cabeça de Catarina Dourado, como fazer o doutoramento e dedicar-se também a uma carreira na docência, a par da prática clínica. “Sendo honesta, dar aulas é algo que me vejo a fazer”, afirma. “O meu percurso tem sido, até agora, muito pautado pela área da Educação Médica, e acho que talvez me interessasse também dedicar-me ao ensino nesta área, ou até mesmo na área da Gestão em Saúde”, refere.

Catarina Dourado sabe também que o associativismo não ficará de lado após a presidência da ANEM. “Não sei exatamente a fazer o quê, mas sei que quero continuar a estar envolvida e a dar voz, no futuro, aos médicos, intervindo sempre naquilo que puder e na melhoria da prestação de cuidados de saúde”, assegura. “Acredito que todos temos o dever de, enquanto cidadãos ativos, ambicionar mais e melhor, e de ter uma intervenção na sociedade”.

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Além disso, planeia também passar algum tempo no estrangeiro. “Acho que, realmente, não tenho muitos planos concretos e definidos… Ao nível da especialidade, por exemplo, só agora começo a ter algumas luzes, mas, como dizia, não é algo muito decidido ainda”, observa. “Sei, sem dúvida, que quero passar algum tempo no estrangeiro, aperceber-me de outras realidades e perceber também melhor a realidade de Portugal a partir de outra perspetiva”, indica, “possivelmente em algum país nórdico, já que tenho um grande fascínio por estes países, em parte pela disciplina e pelo rigor que têm no seu trabalho”. Catarina Dourado afirma preferir não ter “planos muito bem definidos para o futuro” porque acredita que este será também o resultado de todas as oportunidades que, entretanto, forem surgindo.

“O meu pai é militar, e sempre cresci muito com disciplina, rigor e exigência. É algo que continuo a aplicar em tudo o que faço: procurar dar o melhor de mim e superar-me, sempre”, enfatiza. Motivada para desenvolver o seu trabalho da melhor forma, e motivadora também das pessoas que a rodeiam, não restam dúvidas de que boas oportunidades não faltarão no seu futuro, que se avizinha risonho. Na vida de Catarina Dourado, há ainda muitos golos para marcar. Afinal, o jogo só agora começou.

por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Catarina Dourado