Isto é FMUC
Diretora da Clínica Universitária de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) desde 2015, Margarida Figueiredo Dias deixa transparecer, no seu discurso, o enorme fascínio que sente pela especialidade médica que escolheu. “É certo que sou altamente suspeita, mas digo sempre que, se tivesse de fazer essa escolha agora, escolheria novamente a Ginecologia”, assegura.
Uma estratégia integradora
A Clínica Universitária de Ginecologia da FMUC é responsável pelo ensino da Unidade Curricular de Ginecologia aos alunos do 5º ano do Mestrado Integrado em Medicina (MIM), unidade da qual Margarida Figueiredo Dias é também regente há seis anos. “Devo dizer – com alguma imodéstia, confesso – que, quando assumi a direção desta clínica, assumi também a regência de uma Unidade Curricular que se encontrava numa situação complicada”, indica, “uma vez que não tinha uma componente de investigação desenvolvida, nem tinha propriamente um corpo docente estruturado”.
Assim, a diretora desta clínica universitária começou por definir uma estratégia de ensino, “levando sempre em consideração aquilo que gostaria de aprender se fosse aluna”, e acreditando que o facto de ter vivido nos Estados Unidos da América (EUA) e de estar ligada à Associação Americana de Professores de Ginecologia e Obstetrícia (Association of Professors of Gynecology and Obstetrics) foram importantes, de certa forma, para a definição desta estratégia, uma vez que, embora não contribuindo diretamente para o desenvolvimento de um programa pedagógico, proporcionaram-lhe, além da vasta experiência, uma visão mais abrangente das possíveis estratégias pedagógicas a desenvolver para o ensino da Ginecologia na FMUC.
“Nesse sentido, ter estado nos EUA foi importante. É sempre muito enriquecedor estarmos fora e aprendermos também fora daqui, daquilo que é a nossa realidade”, observa. Assumida a direção da clínica e a regência da Ginecologia na FMUC, o foco inicial passou, então, por “criar um corpo docente unido pela mesma missão”.
As principais dificuldades e desafios
Essa missão compreende três componentes: a assistencial, a de ensino e a de investigação, que, embora indissociáveis, são particularmente difíceis de articular, no entender da diretora desta clínica. “A componente assistencial, por si só, é já muito complexa, porque compreende uma atividade médica e cirúrgica, com múltiplas técnicas que estão sempre a surgir, com uma vivência e uma absorvência muito grandes, que fazem com que quem a pratique deixe praticamente de ter tempo para outra atividade”, refere. “E esta falta de tempo preocupa-me, porque não se pode comprar… Já perguntei quanto custa o tempo, mas ninguém mo consegue vender!”, brinca.
A par da atividade assistencial está a docência e, consequentemente, a investigação, conforme explica Margarida Figueiredo Dias. “Os bons médicos têm de ser capazes de transmitir o gosto e o interesse pela prática clínica. Nesse âmbito, cabe-nos a nós o ensino de Ginecologia aos alunos do 5º ano do MIM, integrando-os adequadamente neste ambiente clínico. E claro que, agregada a estas duas componentes, está a investigação: a certa altura, damos por nós numa situação em que estas três componentes se intersetam de tal maneira que é impossível vivermos apenas com duas delas, sem considerarmos a terceira”, constata.
A equipa e os métodos de ensino
A Clínica Universitária de Ginecologia é constituída, para além da sua diretora e regente da respetiva Unidade Curricular, por oito assistentes, uma das quais doutorada, outra prestes a concluir o doutoramento e uma terceira a iniciar o curso doutoral. “Tenho procurado sempre incutir nos meus assistentes – ou nas minhas assistentes, já que são quase sempre mulheres – o gosto pela investigação e a necessidade de verem e irem sempre mais além”, destaca Margarida Figueiredo Dias.
“Não há aqui nenhuma elite, mas há, de facto, um conjunto de pessoas que têm aptidões diferentes que se complementam, e que até posso dizer que vão um pouco além daquilo que é habitual. Falamos de pessoas que ganham cerca de 200 euros para estarem aqui: é preciso, de facto, ter um espírito de missão e uma motivação muito grandes para conseguirem encontrar tempo para ensinar – e elas ensinam extraordinariamente bem –, tempo para investigar e tempo para criar… a criatividade aqui é importantíssima”, acrescenta.
Quanto às aulas, a diretora da clínica universitária explica que, habitualmente, as teóricas são lecionadas, sempre que possível, no anfiteatro dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), para que haja uma maior proximidade à atividade assistencial. No que concerne às aulas práticas, foi criado “um modelo pedagógico de casos clínicos virtuais de resolução dinâmica”. Deste modo, “à medida que os alunos vão respondendo, o caso clínico vai avançando, desde o diagnóstico à terapêutica e a outras medidas complementares pós-terapêutica”, explica Margarida Figueiredo Dias.
“Ensinamos a raciocinar do ponto de vista clínico, o que nem sempre é fácil, porque os alunos vêm sempre com muita teoria, mas nós fazemos esta integração no ambiente clínico, ainda que virtual e, assim, tentamos fazer com que adquiram noções do ponto de vista clínico”, complementa. Enquanto metade da turma fica na sala de aula a resolver estes casos clínicos virtuais, a outra metade dirige-se até ao Serviço de Ginecologia para “contactar com os doentes, fazer histórias clínicas e assistir a consultas, cirurgias e exames complementares de diagnóstico, como ecografias ou histeroscopias”.
Mas os métodos de ensino não se ficam por aqui e, com efeito, ao longo dos últimos anos a Clínica Universitária de Ginecologia tem primado pelo desenvolvimento e implementação de técnicas pedagógicas inovadoras. “Tenho tentado, desde 2015, introduzir, aos poucos, novas formas de ensino, além dos casos clínicos”, esclarece Margarida Figueiredo Dias.
Uma dessas formas é o videolearning. “É uma sessão de cinema que oferecemos aos alunos uma vez por semestre. Eles podem levar pipocas, batatas fritas e bebidas – não alcoólicas! – e todos consideram a experiência fantástica. Durante uma hora e meia, vemos vários vídeos de casos paradigmáticos da Ginecologia, desde exames até cirurgias, e sempre com música de fundo e a assistente Inês Gante a comentar estes vídeos. É realmente um momento de glória no semestre, que infelizmente não aconteceu o ano passado e também não aconteceu este ano, por motivos que todos nós conhecemos”, indica.
“Temos ainda outras estratégias de ensino, como as vinhetas clínicas, que se referem a casos de resolução rápida, ou a de apresentar aos alunos imagens relativas a doenças ginecológicas para, a partir daí, começarmos a perguntar-lhes acerca do quadro clínico, de formas de diagnóstico e de possíveis tratamentos”, afirma. Da metodologia de ensino faz ainda parte o livro Lições de Ginecologia, da autoria de Margarida Figueiredo Dias. Este livro, “dirigido aos alunos e divulgado pelas faculdades de Medicina do País”, foi editado em 2020 pela Imprensa da Universidade de Coimbra (IUC).
Muito importante também enquanto estratégia de ensino prático é a simulação. “Temos três modelos de simulação: um de simulação de exame ginecológico com a possibilidade de realização de esfregaço para rastreio do cancro do colo do útero; outro modelo de doenças da mama no qual introduzimos nos manequins vários tipos de simuladores de patologia, tais como quistos, fibroadenomas, outros tumores benignos e tumores malignos; e, depois, temos também um modelo mais técnico, de introdução de dispositivos intrauterinos, por exemplo”, esclarece.
Uma vez que as turmas têm muitos alunos e que o número de professores é reduzido, a diretora da clínica universitária recorreu ao auxílio de monitores, “internos de formação específica de Ginecologia, Obstetrícia e Medicina Geral e Familiar”, para conseguir estruturar a atividade letiva de forma mais eficaz e adequada, na qual conta com o apoio incondicional da sua assistente Joana Oliveira na coordenação. “Como é impossível pagar aos monitores – estamos num serviço público e sem dinheiro – o que faço é pedir à FMUC que atribua um valor curricular a este auxílio, através da emissão de um certificado”, indica.
Ainda no que respeita à atividade de simulação, Margarida Figueiredo Dias destaca que só foi possível dar continuidade à mesma nas duas semanas posteriores à Queima das Fitas de Coimbra, que decorreu entre os passados dias 22 e 29 de outubro, graças ao apoio da Delegação de Coimbra da Cruz Vermelha Portuguesa. “Pedi essa ajuda à Cruz Vermelha, que nos ofereceu 400 testes COVID-19. Não podíamos deixar de fazer esta atividade de simulação; por isso, todos os alunos tiveram de fazer um teste durante essas duas semanas a seguir à Queima”, refere.
A todas estas estratégias pedagógicas veio juntar-se, desde o final do passado mês de setembro, o podcast The Gin'Voice, criado por Mariana Robalo Cordeiro, assistente da Unidade Curricular de Ginecologia e apoiado, desde o primeiro momento, por Margarida Figueiredo Dias. Trata-se de um projeto dirigido especialmente aos alunos da FMUC, mas acessível a todos aqueles que tiverem interesse nas temáticas abordadas. “Este podcast foi a cereja no topo do bolo, porque surgiu quando já estávamos há mais de um ano a dar aulas online”, refere a diretora da clínica universitária, “e mesmo com a vivacidade e a dinâmica dos casos clínicos, a certa altura, todos nós, alunos e docentes, já começávamos a acusar algum cansaço”.
A diretora da Clínica Universitária de Ginecologia acredita que, através do podcast, que tem um novo episódio todas as sextas-feiras, tem sido possível, de forma divertida, tornar o ensino mais fácil em contexto pandémico. “Se bem que, quando acabar a pandemia, estou plenamente convicta de que o podcast vai continuar!”, garante.
Uma especialidade versátil
Para Margarida Figueiredo Dias, a Ginecologia é uma especialidade entusiasmante. “Tem vertentes muito diferentes e dinâmicas… É uma espécie de camisa versátil, diria eu, porque tem a parte médica, a parte cirúrgica e múltiplas técnicas de diagnóstico e terapêutica que vão além do médico e do cirúrgico. É uma especialidade fantástica, que vive muito também da chamada ciência básica, tão importante para entender melhor as doenças ginecológicas”, enfatiza.
“A Ginecologia tem uma diversidade enorme: desde a obstetrícia ao cancro, tanto assistimos à vida como vemos sofrimento e morte”, observa, “e é absolutamente fundamental e importante conseguirmos mostrar toda esta versatilidade da Ginecologia aos alunos, tentando transmitir-lhes também a nossa paixão porque, de outra forma, não conseguimos fazer com que eles a sintam também”.
A experiência e os desafios na direção da clínica universitária
“Digo sempre que os meus alunos são os meus juízes do ponto de vista pedagógico, as minhas doentes são as minhas juízas do ponto de vista clínico e as minhas assistentes são as minhas juízas do ponto de vista da liderança”, afirma. Há seis anos à frente da Clínica Universitária de Ginecologia, Margarida Figueiredo Dias admite ainda que a sua “maior riqueza” é o corpo docente que conseguiu constituir ao longo destes anos. “Isto é quase uma orquestra: de vez em quando, um dos elementos toca uma nota desafinada e eu vou lá tentar afinar. Nem sempre consigo, mas faço esse esforço, e confesso que olhar para este corpo docente, para as minhas assistentes, e vê-las crescer e serem cada vez mais criativas, maduras e responsáveis é mesmo interessante”, declara.
A experiência no cargo tem sido essencialmente positiva, embora existam aspetos que entende que podem ser melhorados. Nesse sentido, para Margarida Figueiredo Dias o Serviço de Ginecologia teria ainda mais a ganhar se conseguisse fazer um esforço para uma maior e melhor integração dos alunos, adotando, assim, um “verdadeiro espírito universitário”, uma vez que falamos de um Serviço de um hospital universitário inserido, de igual modo, num Centro Académico Clínico (CAC). “Creio que esse espírito universitário faz todo o sentido, porque o ensino pré-graduado é um início, sim, mas é um início de extrema importância para um aluno que pode vir a ser, mais tarde, diretor de Serviço; por isso, devemos estar todos unidos em prol de um objetivo comum, que é o de ensinar”, constata.
“Eu tive a sorte de ser criada num hospital universitário, com médicos que, mesmo que não fossem docentes, tinham uma atitude universitária, que nos cumprimentavam, recebiam e explicavam o que faziam e a razão pela qual o faziam, e essa transmissão de ensinamentos e informações é muito importante, porque vão ser depois esses alunos que, já formados, vão transmitir informações a novos alunos… estamos todos a trabalhar para o mesmo, que é tratar doentes, ensinar e investigar”, enfatiza.
Visivelmente entusiasta do seu trabalho académico, clínico e científico, e preocupada em rodear-se de uma equipa motivada e na qual confie, não é, por isso, de estranhar que Margarida Figueiredo Dias se faça acompanhar sempre da seguinte frase:
When you want to do something you have to be surrounded by people you trust and that after some time love you and are completely in line with you. You have to treat them well and they will give you back everything you gave them*.
“É aquilo que me rege”, conclui.
*Quando quer fazer algo, tem de estar rodeado de pessoas em quem confia e que, depois de algum tempo, o amem e estejam totalmente alinhados consigo. Tem de tratá-los bem e eles vão devolver-lhe tudo aquilo que lhes deu a eles. – Tradução livre