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Isabel Poiares
Baptista

VOICEmed #3
A Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC)
é a única do país a englobar os cursos de Medicina e Medicina Dentária.
A seu ver, trata-se de algo positivo ou negativo?


Obviamente tem os seus constrangimentos de funcionamento, mas, no global, o balanço é positivo. Temos de ter a noção de dimensão - dentro da FMUC, o número de alunos do Mestrado Integrado em Medicina Dentária (MIMD), no total dos seus cinco anos, é inferior ao número de alunos de um ano do curso de Medicina, por exemplo. Dentro da faculdade, para nos fazermos ouvir, temos de ter alguma insistência, mas de há uns anos para cá a situação tem melhorado, no que diz respeito à equiparação da importância dos dois mestrados integrados.

Embora sejam dois cursos da área da saúde, é preciso também ver que a realidade pedagógica e clínica também é muito distinta. Tentamos tirar o melhor partido de estarmos incluídos dentro de uma faculdade com acesso direto a uma estrutura hospitalar, uma proximidade que mais ninguém tem.


Há cerca de um ano, numa entrevista que deu, referiu que "alguns dos conceitos subjacentes ao Processo de Bolonha não se adequam à realidade do ensino da Medicina Dentária em Portugal". Considera ter havido um retrocesso com Bolonha, ou tratam-se de pequenas questões?

É uma pergunta difícil. Agora, com algum distanciamento desde a implementação do processo, penso que as mais-valias que eram focadas quando se partiu para a normalização dos cursos entre as várias instituições, como a capacidade de mobilidade, foram-no apenas para entusiasmar a sua execução. Na prática, os cursos ficaram com uma estrutura muito mais díspar, mesmo entre as três instituições públicas, do que existia anteriormente. Por exemplo, aqui temos unidades curriculares anuais clínicas, em Lisboa têm algumas semestrais e outras anuais, e no Porto são todas semestrais. Logo na base, a estrutura dos cursos ficou muito mais distinta do que aquilo que era antes de Bolonha.

O facto de se ter encurtado um ano de duração também traz problemas, que se tentou colmatar com um aumento da carga horária. Isto traduz-se num curso extremamente pesado para os alunos, em termos de horas de trabalho. Há alguma discussão no sentido de se voltar a ter o curso estendido para seis anos, mas isso só faz sentido se for uma decisão transversal a todas as instituições de ensino de Medicina Dentária, envolvendo todos os intervenientes: alunos, docentes e ministério.

Não nos podemos esquecer que isto é um curso profissionalizante, isto é, quando o aluno sai daqui tem de ser autónomo no exercício da sua profissão, não há um internato geral nem de especialidade. O problema é que os alunos, em cinco anos, têm menos um ano de “maturidade” do que quando tinham seis anos de formação, e as gerações também são diferentes. Nós, docentes, apercebemo-nos que os alunos são cada vez mais imaturos. Com o encurtar do curso, estamos a lançar para o mercado profissionais extremamente novos, numa profissão com alto grau de responsabilidade, e daí a necessidade de aumentar a sua formação - a formação pessoal, o estabelecimento e o treino da relação médico-doente são coisas que não podem ser condensadas.


FMUC
Teria o sistema de ensino europeu ficado a ganhar se o modelo português tivesse sido o escolhido? Costuma-se dizer que os nossos profissionais davam cartas lá fora...

Mas os nossos profissionais continuam a dar cartas lá fora mesmo depois de Bolonha. Aquilo que sabemos é que quem vai, quem tem de emigrar, vai e fica, e é bem-recebido e elogiado pela formação que tem. É reconhecida, a nível europeu, a qualidade portuguesa de formação de médicos dentistas, mesmo com os cinco anos. Quando eram seis anos, a realidade nacional da profissão era completamente diferente e eram escassos os colegas que emigravam. Hoje em dia temos um problema grave de desemprego, subemprego. Embora o número de médicos dentistas inscritos no Instituto de Emprego e Formação Profissional seja escasso, isso não traduz a realidade. Pode-se falar de condições de trabalho desastrosas para o grau de esforço a que obriga este curso. Como é um curso de “banda estreita", há que ter a noção que são cinco anos em que aprendem a fazer uma profissão e é aquilo e aquilo mesmo. Têm um grau de flexibilidade muito reduzido.


Enquanto coordenadora do MIMD tem sentido dificuldades,
por exemplo a nível de infraestruturas? E que vitórias já obteve?

O facto de estarmos neste edifício [ndr: Departamento de Medicina Dentária, Estomatologia e Cirurgia Maxilo-Facial, Blocos de Celas] onde são dadas todas as aulas, do primeiro ao último ano, a qualidade de construção, feita para uma realidade de há mais de 20 anos, que não é plástica... Haveria todo o interesse de aumentarmos a área clínica para desenvolver a parte de pós-graduações e não temos espaço para isso, nem o edifício foi pensado de forma a podermos crescer mais um piso, por exemplo.
FMUC

Depois, há o problema de estarmos incluídos numa área hospitalar. Para a construção do edifício contribuíram financeiramente dois ministérios, Educação e Saúde. Mesmo podendo ser um bom e raro exemplo a nível nacional, o óbice é que até hoje não se consegue identificar quem gere ou quem é responsável pelo quê. Temos problemas de infiltrações, quem faz as obras? O hospital diz que o edifício é da faculdade, a faculdade diz que está em terreno do hospital. Tem sido difícil chegar a um entendimento com esta dicotomia. Já houve tempos bons quando era a mesma pessoa que estava à frente do mestrado e do serviço. Agora são duas pessoas e tem de haver um entendimento e objetivos mútuos, tanto para a faculdade como para o hospital.


A Medicina Dentária tem-se destacado pelos prémios ganhos a nível nacional e internacional. A investigação, e a sua dinamização, são apostas fortes?

São apostas fortes. No entanto, a realidade da Medicina Dentária é muito vocacionada para a clínica, e a investigação tem de ser nesse sentido. Temos fortes ligações com os laboratórios de investigação básica, mas temos de ter a noção que o caminho é clínico. Os nossos docentes, e aqueles que são especialistas na área, com formação de médico dentista ou médico estomatologista, não estão em exclusividade, o que significa que acumulam a atividade docente com a atividade clínica, dispondo de menos tempo para associar à investigação. Por isso, é um desafio enorme conseguirmos manter os dois motores a funcionar.

Na parte da investigação, há algumas especificidades próprias na Medicina Dentária que não são iguais às da Medicina, o que significa que temos de criar alguma individualidade. A Medicina Dentária existe no país, formalmente, há cerca de 30 anos, é natural que demore o seu tempo a crescer. Mas há vontade e estruturas que estão a ser montadas nesse sentido. Temos sido reconhecidos nos dois principais congressos da Medicina Dentária nacional, onde a FMUC ganha sempre primeiros prémios. Alguns colegas das outras faculdades até brincam e dizem que, se Coimbra vai estar, não têm hipóteses.

FMUC

Em Abril do ano passado, a Universidade de Coimbra investiu mais de 300 mil euros na renovação de equipamento das clínicas de Medicina Dentária e Ortodontia. Considera que foi satisfatório, ou ainda há mais áreas onde é necessário investir?

Obviamente que nunca é satisfatório, mas foi um investimento que, infelizmente, era absolutamente necessário, que vai permitir abrir o leque de oferta de ensino pós-graduado. Outra área prioritária, onde já existe um pré-projeto que depende da reitoria, é a renovação da área pré-clínica de ensino. O ensino, aqui, baseia-se muito em simulação, e o laboratório existente está obsoleto, muita coisa já não funciona, não há peças para reparar, e, portanto, vai ser necessário um investimento de peso, até para não ter de se intervir novamente nos próximos tempos. Temos o acordo do reitor, que tem verba disponível para isso, e espero que se concretize ainda durante este ano.

Outro investimento, na parte de investigação, é criar estruturas que ajudem os nossos docentes, como por exemplo ter um investigador a tempo inteiro, para podermos competir e melhorar a nossa performance. 


por Paulo Sérgio Santos
Fotografias gentilmente cedidas por Isabel Poiares Baptista

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