Uma ferramenta inovadora
no combate ao osteossarcoma

Isto é FMUC

O desenvolvimento de uma ferramenta que une diagnóstico e terapêutica dirigida a micrometástases pulmonares no osteossarcoma: é neste propósito que assenta o projeto liderado por Célia Gomes, investigadora do Instituto de Investigação Clínica e Biomédica de Coimbra da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (iCBR-FMUC). Este projeto obteve o financiamento de 250 mil euros da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e tem a duração de três anos, de 2021 a 2024.


O que esteve na génese do projeto
“Tudo começou com a constatação da dificuldade que os oncologistas enfrentam no tratamento do cancro, e que é o desenvolvimento de metástases”, começa por contextualizar Célia Gomes. Com efeito, este continua a ser um dos principais obstáculos no tratamento do cancro, sendo responsável por cerca de 90 por cento das mortes por doença oncológica.

A investigadora responsável pelo projeto “Exossomas radiomarcados: uma ferramenta nanoteranóstica para micrometástases pulmonares no osteossarcoma”, financiado pela FCT, explica que, embora nos últimos anos se tenham vindo a assistir a grandes avanços no desenvolvimento de meios de diagnóstico mais precisos, aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas e de novas formas de tratamento, “a prevenção e o tratamento das metástases continua a ser um dos grandes desafios enfrentados pela comunidade médica na cura do cancro”.

Neste âmbito, o osteossarcoma não é exceção. Trata-se de um tumor ósseo primário maligno e muito agressivo, que afeta sobretudo crianças e adolescentes e que tem uma elevada propensão para o desenvolvimento de metástases no pulmão. “Acredita-se que a maioria destes doentes tenham já micrometástases pulmonares na altura do diagnóstico, que, depois, progridem para metástases clinicamente detetáveis. E essa é a sua principal causa de morte, pelo facto de as terapias convencionais apresentarem uma eficácia limitada”, indica Célia Gomes.

Assim, a ideia para este projeto surgiu da necessidade de um diagnóstico mais precoce destas pequenas lesões metastáticas, bem como do desenvolvimento de novas formas de tratamento capazes de eliminá-las e de travar a sua progressão.


Os exossomas e o seu papel enquanto agentes de diagnóstico de metástases
A investigadora responsável por este projeto refere que tem vindo a ser dada, na investigação, uma atenção cada vez maior a pequenas vesículas libertadas pelas células tumorais, que desempenham um importante papel na formação de metástases. “Estas vesículas extracelulares designam-se por exossomas, e são importantes na comunicação intercelular, quer em condições fisiológicas, quer patológicas”, esclarece.

No caso de doença oncológica, estas vesículas são libertadas em grande quantidade pelas células tumorais e, através da corrente sanguínea, conseguem chegar a órgãos distantes, fazendo uma espécie de reprogramação desses órgãos para, assim, criarem um ambiente favorável ao desenvolvimento de metástases. “O que estas vesículas fazem é a chamada preparação do nicho pré-metastático: no fundo, é como se os tumores preparassem, antecipadamente e por via remota, o órgão secundário que vão colonizar posteriormente, sendo que os exossomas estão envolvidos nesse processo”, observa Célia Gomes.


A investigadora explica ainda que existem fortes evidências de que são os exossomas, “com base no perfil de expressão de integrinas membranares, que determinam a metastização preferencial por um determinado órgão [organotropismo]”. Por isso, a hipótese deste projeto de investigação é a de que os exossomas possam auxiliar na localização precoce das lesões metastáticas, atuando, desta forma, como agentes de diagnóstico.

Esta foi a hipótese que levou Célia Gomes a apresentar um primeiro projeto neste âmbito, denominado “Exossomas como ferramenta de diagnóstico de micrometástases pulmonares no osteossarcoma”, distinguido em junho do ano passado pela Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) e Lions Portugal através de uma Bolsa de Investigação Médica com a duração prevista de 18 meses. O projeto da FCT, aprovado posteriormente, vem juntar à ferramenta de diagnóstico por imagem a componente terapêutica com radionuclídeos.


O diagnóstico de metástases com recurso a técnicas de imagem nuclear
No projeto que foi distinguido pela LPCC/Lions Portugal, Célia Gomes e a sua equipa de investigação propuseram explorar o potencial de aplicação dos exossomas como agentes de diagnóstico, recorrendo a técnicas de imagem nuclear como a Tomografia por Emissão de Positrões (PET), uma “técnica de elevada sensibilidade e utilizada já como exame de rotina na prática oncológica, tanto no diagnóstico como no estadiamento da doença”.

Por sua vez, o princípio do projeto da FCT é semelhante, mas, conforme anteriormente referido, pretende acrescentar ao diagnóstico a componente terapêutica. “A diferença está no radioisótopo utilizado na funcionalização dos exossomas. Nesta primeira abordagem [projeto LPCC/Lions Portugal], vamos radiomarcar os exossomas com um radioisótopo emissor de positrões – o Cobre-64 – para avaliar in vivo a sua biodistribuição e afinidade pelas micrometástases por PET num modelo animal em murganho”, explica Célia Gomes.

“Como o próprio nome indica, as micrometástases são lesões de tamanho muito reduzido, inferiores a um milímetro, não detetadas pelos meios convencionais de diagnóstico, e que sem uma intervenção terapêutica eficaz, acabam por evoluir para doença metastática clinicamente evidente”, menciona, “e é por isso que vamos usar um tomógrafo PET animal de alta sensibilidade que oferece uma resolução espacial submilimétrica”, que supera o limite de deteção das modalidades de imagem utilizadas atualmente.

Com esta abordagem, a equipa de investigação pretende demonstrar o potencial de diagnóstico dos exossomas por PET. Seguidamente, será então testada a abordagem terapêutica. “Para tal, vamos fazer a substituição do Cobre-64 pelo Lutécio-177, que é um emissor de partículas beta menos, de média energia e penetração tecidular máxima de dois milímetros, ideal para o tratamento de micrometástases”, esclarece a investigadora.


“Esperamos que a teranóstica, que alia o diagnóstico à terapêutica, utilizando os exossomas como veículos de entrega de radionuclídeos especificamente às micrometástases, possa conduzir a um diagnóstico atempado e precoce e a uma terapêutica com intuito curativo”, indica Célia Gomes. “Apesar de este estudo estar a ser desenvolvido em murganho, acreditamos que tem um elevado potencial translacional, uma vez que os exossomas podem ser isolados do próprio doente, e pelo facto de os isótopos radioativos que propomos já estarem aprovados para uso clínico em Medicina Nuclear”, salienta.


Um projeto com uma equipa multidisciplinar
No desenvolvimento deste projeto de investigação, são várias as entidades envolvidas. Para além da FMUC e do iCBR, o projeto tem ainda como parceiro o Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS). “O ICNAS é uma instituição líder em imagem biomédica e com uma unidade radioquímica altamente especializada, sem a qual não seria possível realizar este projeto, que tem precisamente como co-investigador responsável o Professor Antero Abrunhosa, diretor da instituição”, destaca Célia Gomes. Este projeto conta também com a colaboração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), nomeadamente com a Unidade de Tumores do Aparelho Locomotor e o Serviço de Anatomia Patológica, bem como com uma instituição fora da Universidade de Coimbra (UC), o i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde.

Tal como faz saber Célia Gomes, embora se trate de um projeto de investigação maioritariamente, pré-clínico, terá também uma componente clínica. “Para além do estudo que vamos desenvolver em modelo animal, avaliando a potencialidade dos exossomas como agentes de teranóstica, pretendemos também identificar biomarcadores de risco ou de progressão para doença metastática, através da caracterização de exossomas que possam ser validados em amostras clínicas, daí o envolvimento do CHUC neste projeto”.

Assim, a equipa de investigação é composta por 16 elementos, na sua maioria do iCBR-FMUC e do ICNAS, incluindo, bioquímicos, químicos, biólogos, físicos, engenheiros biomédicos e dois clínicos, sendo que dois dos elementos são alunos de doutoramento que se encontram a trabalhar ativamente neste projeto. A esta equipa juntar-se-á ainda um técnico superior, que será brevemente contratado.


No iCBR-FMUC, está a ser otimizado o desenvolvimento do modelo animal que mimetize as várias etapas do processo de metastização, que é uma ferramenta-chave para a execução do projeto, assim como todos as tarefas de isolamento e de caracterização dos exossomas.

No ICNAS, serão realizados os estudos de funcionalização e de radiomarcação dos exossomas, os estudos de imagem por PET e a terapia radionuclídica. Por sua vez, a participação do i3S surge no sentido de “fazer a análise do proteoma dos exossomas, para posterior validação em amostras clínicas”.


Os resultados e impactos esperados
“Se formos bem-sucedidos, esperamos desenvolver uma ferramenta inovadora de teranóstica de elevada eficácia, quer no diagnóstico precoce, quer no tratamento das micrometástases pulmonares, que possa, de futuro, contribuir para a melhoria da sobrevida dos doentes com osteossarcoma, que representam cerca de cinco por cento de todos os tumores pediátricos”, destaca Célia Gomes.

A investigadora responsável pelo projeto faz também saber que esta abordagem representa um avanço nas aplicações biomédicas dos exossomas, podendo servir para a exploração destas vesículas enquanto plataformas de teranóstica de outras neoplasias metastáticas, “abrindo, desta forma, caminho à chamada Medicina de Precisão”.

Célia Gomes refere ainda que, dado que neste projeto se vai fazer a caracterização em larga escala do conteúdo proteico dos exossomas, a equipa de investigação espera ainda vir a “identificar uma assinatura molecular preditiva do risco de doença metastática nos doentes com osteossarcoma”, algo que se assume como extremamente importante para o prognóstico destes doentes e para a tomada de decisões terapêuticas mais adequadas.


A experiência e os desafios de duas décadas dedicadas à Ciência
“Nunca vim para a universidade com a ideia de querer ser investigadora, nunca foi uma ideia que me tivesse acompanhado…. Acho que, quando vim para a faculdade, nem sabia muito bem o que queria ser!”, admite. Do que Célia Gomes estava ciente era do seu interesse pela área da Saúde, sem, no entanto, querer ser médica, dado que não ambicionava um contacto direto com os doentes. Por isso, escolheu fazer a sua licenciatura em Bioquímica. “Mas foi quando entrei para o Mestrado em Engenharia Biomédica, aqui na FMUC, que comecei a ganhar o gosto pela investigação”, constata.






Com uma larga experiência na investigação, Célia Gomes conta já com cerca de 20 anos de trabalho desenvolvido na FMUC e no iCBR. “O meu domínio de investigação sempre foi na área da Oncobiologia, e os meus interesses têm-se centrado no estudo dos mecanismos de resistência das células tumorais à quimioterapia, bem como no desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas, tendo como alvo uma população de células chamadas células estaminais cancerígenas – ou cancer stem cells – que têm particularidades únicas que as tornam resistentes às terapias convencionais e que são responsáveis pela iniciação e progressão tumoral, incluindo a metastização”, explica.

Mais recentemente, e como o demonstra o projeto aqui referido, Célia Gomes tem focado também o seu interesse na compreensão dos mecanismos celulares e moleculares que estão envolvidos na disseminação metastática, perspetivando sempre a identificação de novos alvos terapêuticos e de novas ferramentas de diagnóstico e tratamento que possam prevenir ou retardar a progressão da doença metastática.

Ao longo do seu já vasto percurso, Célia Gomes refere que o maior desafio que tem enfrentado é a incerteza no financiamento da sua investigação. “Penso que é uma realidade comum a todos os investigadores, porque sabemos que a falta de financiamento compromete a qualidade do nosso trabalho... Não se faz boa ciência sem dinheiro e sem uma equipa competente. Hoje, estou confortável, porque tenho financiamento, mas confesso que já receio o futuro: preocupa-me querer concretizar um projeto, ou dar-lhe continuidade, querer manter uma equipa e não ter condições para tal”.

Com um visível entusiasmo quando fala na investigação que desenvolve, Célia Gomes afirma que aquilo que mais gosta na sua profissão, para além do trabalho em equipa e da aprendizagem constante, é mesmo ‘ver acontecer’. “Ter a ideia, planear a experiência, executá-la e, depois, vê-la a acontecer é uma adrenalina viciante!”, assegura. “Outra grande satisfação que tenho é sentir que estou a ajudar alguém a voar, e ver essas pessoas ganharem asas”.

por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Célia Gomes