Do curso de Medicina   

Um percurso dedicado à cirurgia…
sem esquecer a Académica

O seu vasto percurso na Cirurgia e no ensino é, certamente, do conhecimento da maioria dos leitores. O que talvez poucos saberão é que Fernando José Oliveira se formou em Engenharia Eletrotécnica antes de ingressar na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), e que considera que, se tivesse de escolher um novo percurso profissional hoje, a sua área de eleição seria provavelmente diferente daquela pela qual se apaixonou durante 40 anos. “Com aquilo que conheço da vida, e com aquilo que a vida me tem ensinado, agora talvez tirasse Economia”, revela.

Em Coimbra, cidade onde nasceu a 26 de outubro de 1947, Fernando José Oliveira frequentou a instrução primária na Escola de Almedina e, entre os anos de 1958 e 1965, o curso liceal no Liceu D. João III, atual Escola Secundária José Falcão. Findo o curso liceal, matriculou-se na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), para frequentar os Preparatórios de Engenharia, que concluiu em 1968. Nesse mesmo ano, ingressou no curso de Engenharia Eletrotécnica do Instituto Superior Técnico.

Questionado acerca do que o levou a enveredar por este curso superior em Lisboa antes de ingressar no de Medicina em Coimbra, Fernando José Oliveira divide a sua resposta em duas partes. “Vou começar pela parte mais simples, que é o que me levou a Lisboa. Nessa altura, aqui em Coimbra só existiam mesmo os Preparatórios de Engenharia e, por isso, quando os concluísse teria de optar, necessariamente, ou pelo Instituto Superior Técnico, em Lisboa, ou pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, e eu decidi ir para Lisboa”, esclarece.

“Agora, porquê Engenharia Eletrotécnica? É uma história um bocadinho complicada, mas, para ser transparente, na altura havia exames de aptidão à universidade, e eu dispensei da aptidão a Engenharia, sendo que o mesmo não aconteceu com a Medicina: assim, e como tinha o caminho aberto, optei pela engenharia”, conta, admitindo também nunca ter tido consciência de uma “forte vocação para a Medicina”.

Dos tempos em que estudou em Lisboa, Fernando José Oliveira recorda essa vivência numa “altura muito controversa”, originada pela crise estudantil. “O meu curso era particularmente reivindicativo e tinha no seu seio nomes como António Guterres e Mariano Gago que se tornaram, mais tarde, figuras proeminentes da vida política nacional. Em 1968, a crise estudantil em Lisboa era já muito intensa, como também o foi em Coimbra no ano seguinte; por isso, o primeiro ano foi mais um ano de férias em Lisboa do que propriamente de estudo”, graceja.



Eu sentia-me com mais responsabilidade, pelo que encarei muito a sério esta minha opção de estudar Medicina.

Em 1972, concluiu a licenciatura em Engenharia Eletrotécnica. “Cheguei mesmo a exercer engenharia”, refere, “naquilo que ainda hoje existe e que se chama SUCH, que é o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais”. Também em 1972, Fernando José Oliveira fez a sua matrícula no curso de Medicina da FMUC. “Nessa altura, foi-me dada equivalência às cadeiras de Física Médica e Química Médica, dado que, no curso de engenharia, tive uma série de cadeiras de Física e de Química”, indica. Por isso, quando se inscreveu na FMUC fê-lo já enquanto aluno do segundo ano, “embora com cadeiras em atraso, como é evidente, já que a equivalência foi apenas dada a essas duas cadeiras”.

Relativamente à experiência enquanto estudante universitário em Coimbra, Fernando José Oliveira comenta que foi muito diferente daquela que teve em Lisboa, não tanto por serem duas cidades distintas, mas porque era ligeiramente mais velho do que a maioria dos seus colegas. “Eu sentia-me com mais responsabilidade”, confessa, “pelo que encarei muito a sério esta minha opção de estudar Medicina”.

Fernando José Oliveira afirma que, quando ingressa no curso de Medicina, já pressentia que a especialidade que queria seguir era a de Cirurgia Geral, revelando que a escolha teve, de certa forma, a influência do seu pai, o cirurgião Fernando Alberto Serra de Oliveira, que, curiosamente, anos antes tinha persuadido o filho a optar por um caminho profissional que não estivesse ligado à Medicina.

Em 1977, Fernando José Oliveira termina o curso de Medicina e fica a fazer a sua formação no Serviço de Cirurgia Geral dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), onde termina o Internato Complementar em 1986, ano no qual se torna especialista em Cirurgia Geral pela Ordem dos Médicos, após provas públicas.

No que diz respeito à carreira hospitalar, entre os anos de 1987 e 2002, desempenhou vários cargos do Quadro dos HUC. Em junho de 2006, depois de quatro anos como Chefe de Serviço, torna-se Diretor do Serviço de Cirurgia Geral dos HUC, cargo que desempenhou até 2017, e, entre janeiro de 2004 e março de 2012, foi, igualmente, Coordenador da Unidade de Transplantação Hepática desta estrutura hospitalar.


Acho que, em Coimbra, a par da carreira hospitalar, a carreira docente acaba sempre por surgir também.

Quanto às carreiras académica e docente, em 1988 conclui o seu doutoramento, tornando-se, nesse ano, Professor Auxiliar da FMUC. Em 1992, realiza as suas Provas de Agregação, em 1995 torna-se Professor Associado e, em 2002, Professor Catedrático da FMUC, posição que ocupou até à data da sua jubilação, ocorrida em Outubro de 2017.

A experiência enquanto professor da FMUC foi positiva e gratificante, já que Fernando José Oliveira indica que “gostava muito de dar aulas”, embora admita que nem sempre a carreira docente faz propriamente parte dos planos de um médico, sendo antes algo que acaba por acontecer naturalmente. “Acho que, em Coimbra, a par da carreira hospitalar, a carreira docente acaba sempre por surgir também”, menciona.

O seu papel na Sociedade Portuguesa de Cirurgia foi também extremamente ativo, tendo chegado a desempenhar cargos de Vice-Presidente, Secretário-Geral Adjunto e também Presidente desta Sociedade entre os anos de 2006 e 2008, atividade que, juntamente com as carreiras hospitalar e académica, conciliou não apenas com uma extensa atividade científica como, inclusive, com o cargo de diretor do canal de televisão por cabo ‘TV Saúde’, de 2000 a 2004.

Fernando José Oliveira publicou ainda vários livros de Medicina. Um deles, escrito há mais de 20 anos, valeu-lhe um sentido elogio, recentemente, numa situação inusitada. “No ano passado, tive um aneurisma da aorta, e precisei de ser operado no Hospital de Santa Maria”, começa por indicar. “Quando fui à consulta com o médico que me operou, pessoa de trato pessoal e desempenho profissional inexcedível, fez-me a seguinte pergunta: ‘O Fernando Oliveira que escreveu um livro sobre ventre agudo, que para mim foi uma bíblia, foi o senhor ou o seu pai?’. Respondi-lhe que tinha sido da minha autoria… e não posso deixar de referir que, apesar de me encontrar num momento particularmente difícil da minha vida, as palavras proferidas foram para mim muito gratificantes”.

Com este vasto percurso, facilmente se compreende que considere que foi particularmente difícil fazer a gestão da sua vida profissional com a sua vida pessoal e familiar. No entanto, Fernando José Oliveira conseguiu ainda dedicar-se a uma das suas principais paixões: o futebol e, mais concretamente, a Académica, tendo sido Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Académica de Coimbra – Organismo Autónomo de Futebol, entre 2012 e 2014, e Vice-presidente do Conselho Fiscal da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Hoje, revela que se desligou completamente da Académica no que diz respeito ao desempenho de cargos neste clube, mas que continua a assistir aos jogos, enquanto adepto, lamentando o facto de, atualmente, quase não existirem estudantes no estádio para verem os jogos. “Agora, há um fenómeno a que assisto às quintas-feiras, que é ver os estudantes de mala feita para irem passar o fim de semana fora daqui: no meu tempo, isso não existia e, por isso, o estádio estava sempre cheio de estudantes”, assegura.

Neste âmbito, Fernando José Oliveira lamenta também o desinvestimento de que tem sido alvo este clube. “Durante anos, a Académica foi protegida – e digo protegida entre aspas – por uma legislação que permitia aos jogadores virem para a Académica para prosseguirem também os seus estudos, o que permitia transferências a custo zero”, indica. “Mas isso acabou, aliado ao facto de o tecido empresarial de Coimbra ser praticamente inexistente, o que torna financeiramente muito difícil a gestão da Académica que, aliás, creio que apenas sobreviverá se se transformar em SAD”, observa.

Indagado acerca daquilo de que se orgulha mais quando reflete acerca do seu percurso e de todas as atividades que desempenhou ao longo dos anos, Fernando José Oliveira afirma que o desempenho do cargo de Presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia é, efetivamente, algo de que se orgulha, mas confessa, de igual modo, que, dado o seu amor pela Académica, gostou particularmente de ter sido Presidente da Mesa da Assembleia Geral deste clube.

Jubilado desde 2017, e depois de vários anos de extrema dedicação à Medicina, Fernando José Oliveira declara que se penitencia por não ter desenvolvido atividades que hoje lhe permitissem ocupar os seus tempos livres. “Lamento não ter criado hobbies… hoje seria muito mais fácil preencher este período da vida, mas a genética tem muito peso em todas estas opções…”.

Não sabemos, no entanto, se concordamos com esta afirmação, já que Fernando José Oliveira, a par das diversas leituras que revela que vai fazendo, voltou, recentemente, a estudar. Uma experiência que ficou comprometida com o início da pandemia, mas que, num futuro próximo, espera concluir.

“Inscrevi-me num curso de Pós-Graduação em Organização e Gestão no Futebol Profissional, na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa do Porto, organizado também pela Liga Portuguesa de Futebol. Frequentei o curso, mas depois, quando ia fazer os exames, aconteceu esta história da pandemia e o curso foi adaptado para funcionar em ensino à distância”, explica, “e eu não me consegui entender com aquilo: por isso, fiquei só com a frequência, mas agora espero poder ir fazer os exames”.

Fernando José Oliveira, que conta que ia de comboio até ao Porto para frequentar as aulas, destaca que esta formação tem “professores muito interessantes”, admitindo, com humildade, que a considera bastante complexa. “Fiquei com um certo cansaço, porque os calhamaços de Direito eram muito densos e a sua linguagem jurídica era-me pouco familiar, exigindo-me, por isso, um esforço grande.… Contudo, gostava de concluir esta pós-graduação”, assume, “agora que já fiz todo este sacrifício!”.

por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Fernando José Oliveira