Lucerna

O banco era de madeira, daqueles que rangem ao mínimo movimento e que povoam os corredores da Faculdade de Medicina há gerações. Sentei-me enquanto esperava que o grupo se reunisse à porta do Museu de Anatomia Patológica. Estávamos numa visita de estudo de uma aula de Biologia do secundário e eu repeti para mim mesma “Um dia vou voltar a sentar-me neste banco”. Na altura o meu plano era ir para medicina em Coimbra.

Já não me lembro do que me fazia querer ir para medicina. Salvar vidas, fazer a diferença, provavelmente. A verdade é que entretanto percebi que a minha motivação estava mais direcionada para o estudo, compreensão, descoberta. Fui para Bioquímica. Não isenta de dúvidas. Não sabia se tinha tomado a decisão certa, se era aquele o caminho que devia tomar para me sentir realizada. Mas ao fim de algum tempo percebi que estava a gostar do que estava a aprender, e o percurso da investigação começou a desenhar-se mais firme. Fiz estágios e escolas de verão, fiz um semestre de Erasmus em Utrecht. Tive bons professores e mentores, que me mostraram como a Ciência se constrói, trabalha e evolui.

Gosto de estudar e de ficar a saber sempre mais. Decidi ir para o Mestrado em Investigação Biomédica (MIB) da FMUC. Cada dia mostra-me que a investigação não é tanto aprender e conhecer, é mais ter questões e ficar com mais questões quando finalmente se percebe alguma coisa. Começo também a aprender a lidar com as frustrações das experiências falhadas, e a encarar o futuro incerto de viver de bolsa em bolsa.

Durante este tempo pergunto-me muitas vezes onde é que eu estaria se tivesse escolhido medicina. E todas as vezes concluo que provavelmente iria gostar de lá estar. Entretenho-me mesmo a imaginar a minha rotina se andasse desde o início pelos lados do polo 3. Noutros dias penso no que faria se tivesse escolhido engenharia química, ou farmácia, ou biologia. Percebo agora que essa história do “caminho para mim” não é verdade. Não há um caminho único, uma escolha certa. As encruzilhadas servem mesmo para nos mostrar as possibilidades, não as dúvidas. E que é bom saber que elas existem, e que as encontramos pela vida fora.

Voltei a sentar-me num banco de madeira daqueles corredores. Sete anos depois, enquanto esperava à porta do anfiteatro pela aula de Regulação Celular para o MIB, sentei-me no banco velho e a ranger, e ri-me. Perguntei-me quando será a próxima vez que aqui me irei sentar e diverti-me a imaginar cenários possíveis. Entretanto apercebi-me que o banco não era o mesmo; o museu de anatomia patológica e o anfiteatro nem sequer são no mesmo piso. Mas assim fica mais poético.

Helena Ferreira é aluna do Mestrado em Investigação Biomédica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Lucerna

Ilustração por Ana Catarina Lopes