Muitos do que leem esta edição da Voice*MED já terão recebido, nesta altura, pelo menos uma dose da vacina contra a COVID-19. Os resultados do processo de vacinação estão à vista, com a diminuição significativa do número de pessoas a necessitarem de internamento e cuidados intensivos. Pode considerar-se que temos, nesta fase, o problema controlado, com uma estratégia de vacinação a fazer chegar, de forma racional e eficiente, a proteção primeiramente às populações de maior risco.
No entanto, e apesar de no nosso país este processo estar a correr a bom ritmo, o acesso às vacinas, à escala global, é ainda um processo assimétrico e muitas vezes sujeito a “injustiças”. Para que a estratégia resulte e o mundo se veja finalmente protegido, é essencial que a vacina chegue a todos de forma rápida, para não dar tempo ao vírus de encontrar formas “inteligentes” de ludibriar o nosso sistema de defesas, com o aparecimento de novas variantes que escapem ao esquema de proteção montado. Apesar disso, uma vacinação global não se pode fazer a qualquer custo, ignorando regras e compromissos, assumidos por todos, nomeadamente no que diz respeito à proteção do esforço e investimento feito por algumas entidades, essenciais para que seja hoje possível administrarmos uma vacina. Se alguns destes pactos forem desrespeitados, pode acontecer, no futuro, algumas destas entidades não se mostrarem interessadas em investir na busca de soluções para outros problemas que venham a aparecer.
É bom também referir, e esclarecer, que a identificação rápida de uma solução para a COVID-19 só foi possível, não apenas com o esforço feito nestes últimos 12 meses, mas também devido ao trabalho desenvolvido, nomeadamente na investigação fundamental, durante muitos anos, para que se criasse o conhecimento que agora foi aplicado na produção das vacinas. Enganem-se aqueles que julgam que tudo aconteceu no último ano, que todas as descobertas necessárias para a criação da vacina aconteceram neste curto espaço de tempo. Não! Qualquer das vacinas que agora está a ser administrada recorreu a conhecimento gerado com dinheiros públicos, na larga maioria dos casos, em ambiente académico, que foi disponibilizado, de forma aberta e transparente, a toda a comunidade científica, ao longo de muitos anos. O que se fez, nestes últimos meses, foi “apenas” juntar as peças de um puzzle, que há muito vinham sendo acumuladas, e encontrar forma de aplicar o conhecimento gerado ao longo de décadas, ou seja, acelerar a translação.
Apesar de se considerar que o problema está agora relativamente controlado, a passagem do SARS-CoV-2 pelas nossas vidas deixou feridas profundas, que demorarão algum tempo a sarar. Muitos dos problemas já existiam, sejam eles de natureza social, ambiental ou económica, e o que a pandemia está a fazer é simplesmente denunciá-los de forma mais dramática. É preciso encontrar respostas para eles, também. Veja-se a atrocidade a que assistimos, com migrantes, dispostos a perder a vida pelo sonho da liberdade... a morrer na praia, literalmente. São pessoas que não tiveram a sorte de nascer num regime que lhes permita sorrir e sonhar, onde tudo o que podem almejar é resignarem-se e aprenderem a viver com a miséria, a injustiça, o desespero, o desencanto. E buscam, num mundo que também a eles lhes pertence, um lugar onde lhes seja permitido ter esperança. Tal como a pandemia, este é também um problema global, que afeta todos, e, tal como aconteceu para a COVID-19, o mundo tem que se unir para, de forma solidária, altruísta e abnegada, tornar este um lugar mais justo, em que todos tenham igual acesso às “vacinas”.
A pandemia deixou também marcas em termos económicos, com repercussões a todos os níveis, nomeadamente na Universidade de Coimbra, onde todas as restrições impostas nos últimos meses fizeram diminuir drasticamente as receitas. Fruto disso, a FMUC enfrenta hoje graves dificuldades financeiras, para fazer frente às enormes exigências, muitas vezes básicas, para o seu funcionamento. Neste cenário, a Escola tem feito um esforço enorme para que o impacto desta crise seja o menor possível, ao nível dos laboratórios de prestação de serviços (onde alguns dos serviços à comunidade tiveram já que ser cancelados), docência (com limitações a novas contratações e renovações, obrigando a um esforço adicional no sentido em que sejam cumpridos os períodos de lecionação a que cada um está obrigado contratualmente) e investigação (onde, apesar das dificuldades, tem havido a preocupação de garantir necessidades básicas, assegurando reparações, contratos de manutenção e aquisição de pequenos novos equipamentos, que permitam aos grupos de investigação continuar a trabalhar, apesar da redução de outros apoios). É, por isso, que se apela à compreensão de todos, sempre que os pedidos, que para cada um são vitais, não possam ser devidamente atendidos, pedindo, mais do que nunca, um empenho e dedicação redobrados para que possamos ultrapassar este período difícil.
Nesta edição da Voice*MED, em “Do curso de Medicina”, o Professor Maximino Leitão conta-nos como uma parte da sua vida, “vivida” na prisão, lhe transmitiu valores importantes para ser aquilo que é hoje, e a preocupação de, ao longo do seu percurso, mais do que ensinar o que se sabe, ensinar como aprender o que está por saber.
Na sequência da última entrevista ao Professor Sobrinho Simões, presidente do Conselho Nacional dos Centros Académicos Clínicos, nesta edição, em 4´33´´, vamos ouvir a Professora Catarina Oliveira, presidente da Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica, falar da importância desta estrutura para o sucesso dos Centros Académicos Clínicos.
Na rúbrica “Lucerna”, Helena Ferreira, estudante do Mestrado de Investigação Biomédica, conta-nos, num discurso emotivo, como “os bancos de madeira daqueles que rangem ao mínimo movimento e que povoam os corredores da Faculdade” podem servir de assento e alimentar o sonho em fases diferentes da vida.
Em “Isto é FMUC”, Rita Rodrigues, estudante do MIM e coordenadora da aNEMia, uma revista gerida pelo Núcleo de Estudantes de Medicina da Associação Académica de Coimbra (NEM/AAC), dá-nos a conhecer um projeto arrojado e contemporâneo, que, para além de temas mais ligados à vida e vivência dos estudantes de Medicina, aborda, de forma corajosa, temas tão atuais e fraturantes como a violência doméstica ou a cirurgia de mudança de sexo.
Em “Fora da Medicina”, vamos conhecer um dos projetos culturais mais emblemáticos da nossa cidade, o Jazz ao Centro Clube, e que em muito tem contribuído para a visibilidade (ainda que pouca) de Coimbra.
Finalmente, Henrique Alves, Investigador do iCBR, prescreve-nos uma boa dose de Grufalão, que permite estimular o uso da inteligência na resolução de problemas complexos.
Henrique Girão