Do curso de Medicina   

Uma vida a aprender



Enquanto aluno de Medicina, a Cardiologia era a área da sua preferência, mas acabou por ser a Gastrenterologia a disciplina médica em que se especializou. “Em boa hora optei por esta especialidade, muito exigente pela rápida evolução que vinha sofrendo, mas aliciante pelo constante apelo que faz à aprendizagem de múltiplas técnicas, cada vez mais complexas, mas semiológica e terapeuticamente mais eficazes”, denota.


O seu vasto percurso atesta a escolha acertada. Maximino Correia Leitão, que se licenciou em Medicina em 1968, doutorou-se em 1986, agregou-se em 1997 e obteve o lugar de Professor Catedrático de Gastrenterologia em 2004 pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC). Foi também diretor do Serviço de Gastrenterologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), de 2005 até à sua aposentação, em 2009. E, a par da publicação de mais de uma centena de trabalhos científicos, desempenhou ainda o cargo de presidente da Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED), entre 1989 e 1991, e da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia (SPG), entre 1999 e 2001.

Fotografia Esquerda Em Leiria, com 6 anos de idade, no dia 1 de Outubro, pronto para iniciar a escola primária, com o Zaire a seu lado, cão de caça e também companheiro de muitas passeatas.

Fotografia Direita O Zaire, óleo sobre tela, dos primeiros quadros pintados pelo Nelson.


Foi a 21 de abril de 1943 que nasceu, na casa em que viviam os seus pais e que ainda hoje existe, na rua do Brasil, em Coimbra, cidade já com “destacado prestígio médico-científico no campo da Obstetrícia, com professores universitários prestigiados, desde Daniel de Matos e Novais e Sousa a Albertino de Barros e Mário Mendes”, estes dois últimos, seus mestres de quem guarda “grata memória”. A Maternidade Doutor Daniel de Matos, a mais antiga do País, já existia desde 1917, mas a mãe de Maximino Correia Leitão, filha de médico, não recorreu a nenhuma instituição de saúde para o seu nascimento. “Foi, apenas, entregue aos cuidados de uma ‘parteira diplomada’ que minha Mãe me deu à luz”, indica, explicando que, “nesses tempos, os partos normais ocorriam na casa das parturientes e só os casos complicados, ou as grávidas socialmente degradadas, se encaminhavam para as maternidades”.


Mas Maximino Correia Leitão pouco tempo ficou em Coimbra. O seu pai, “que em quase toda a sua existência profissional dirigiu instituições prisionais”, foi colocado em Sintra, e a família acompanhou-o. Assim, viveu três anos em Sintra e, depois, dez anos em Leiria. “Estas duas prisões instalaram-se em grandes quintas senhoriais, adquiridas pelo Estado com a finalidade de, pelo trabalho agrícola e oficinal, se alcançar mais eficazmente a regeneração dos reclusos e sua posterior reintegração na vida livre”, esclarece. “Meu Pai partilhava connosco os êxitos e insucessos da sua ação junto da comunidade prisional à sua guarda, cujo propósito – que sempre o animou na sua profissão – era compreender, regenerar e reintegrar o condenado à reclusão”, salienta. “Essa partilha com a família dos objetivos do seu trabalho enquanto diretor de uma instituição prisional, terá tido em mim – admiti isso mais tarde, já como médico – uma ação formativa que me ajudou a melhor compreender o comportamento do meu semelhante”, menciona, lembrando-se, neste âmbito, de uma “historieta real”, demonstrativa da capacidade de autorregeneração do ser humano.

Fotografia Dia da formatura em Medicina, Julho de 1967, com os amigos mais próximos:
Francisco Allen Gomes, Manuel Teixeira Robles e Jorge Frias Fernandes


“Na Prisão-Escola de Leiria que meu Pai dirigia desde a sua fundação, entrou no início dos anos 50 para cumprir uma pena de cerca de três anos de prisão, um rapaz com pouco mais de 16 anos, que cometera um crime de falsificação. E o que falsificou o Nelson, assim se chamava o jovem? Simplesmente, com papel almaço e lápis de cor, ‘fez’ três notas de mil escudos e foi trocá-las, cada uma em sua semana, na mesma taberna. Veja-se a ingenuidade, um ajudante de pedreiro, naquela época, a trocar a cada semana um conto de reis! À terceira nota – só à terceira! – o taberneiro viu a nota à transparência e aí apercebeu-se da falsificação”, conta. Na entrada para a Prisão-Escola, e como era habitual para qualquer preso acabado de chegar, para uma melhor avaliação da personalidade e das circunstâncias de cada um, foi perguntado ao rapaz se queria desenvolver o jeito para a pintura, que se lhe adivinhava, e foi este o trabalho que o ocupou nos três anos da sua reclusão: com tintas, pincéis, paleta, telas e cavalete fornecidos pela instituição, desenvolveu os seus talentos. No fim da sua pena, já a Prisão-Escola havia obtido da Escola António Arroio acordo para que nela fosse aceite como aluno. Mas o sucesso deste rapaz não terminou aqui, e, por isso, Maximino Correia Leitão prossegue com a história: “em 1958, meus Pais visitaram a Exposição Universal de Bruxelas e, quando percorriam o pavilhão de Portugal, meu Pai ouviu o chamamento: ‘senhor diretor!’, palavras ditas que, mesmo em Bruxelas, só seriam de alguém ligado aos Serviços Prisionais”. Era o Nelson quem ali estava, “a cumprir funções de decorador do pavilhão, por designação do Estado português. Pressentia-se, quando meu Pai narrava esta história, uma alma gratificada”, destaca.


O percurso académico fez-se com gosto, numa cidade cuja vida estudantil decorreu
com as habituais peripécias inenarráveis do estudante de Coimbra.

Maximino Correia Leitão afirma que foi o facto de ter vivido “num mundo natural, ainda preservado, que integrava a vasta área rural daqueles estabelecimentos prisionais”, mirando os fenómenos da Natureza que o embeveciam e surpreendiam, que nele fez despertar a curiosidade de “ver o que está por dentro”, “como funciona”, “para que serve” e, “se está mal, como se concerta”. Assim, foram essas vivências e emoções, e “não qualquer influência familiar, que terão cimentado, desde muito cedo”, o gosto pela Medicina.

O ingresso no curso de Medicina, na FMUC, obrigou-o a uma outra exigência no estudo: preocupação maior na escolha dos conhecimentos que supunha mais importantes para a sua formação profissional – “convicção tantas vezes ilusória!” – e maior rigor na sua aquisição, para que se não frustrassem os seus anseios, nem as expectativas familiares. “O percurso académico fez-se com gosto, numa cidade cuja vida estudantil decorreu com as habituais peripécias inenarráveis do estudante de Coimbra, na sua circunstância, com as limitações próprias de quem tem, na mesma cidade, os olhos vigilantes dos pais e da família”, graceja.

Desses tempos de estudante universitário, recorda o ansiado ensino das cadeiras clínicas, em ambiente hospitalar, “já de bata branca vestida, a impor maior responsabilidade”, e a desilusão que experimentou quando, pelo escasso número de assistentes incumbidos do ensino prático, as turmas, muitas delas com mais de 20 alunos, mal cabiam nas enfermarias dos velhos HUC. Nestes moldes, enfatiza, o ensino prático não incentivava o aluno a adquirir a autoconfiança nem os preceitos comportamentais para interagir corretamente com o doente que, vendo-se rodeado de muitas batas brancas que não estavam ali para dele cuidar, mas para aprender, muitas vezes atónito, sentia-se desrespeitado no seu sofrimento e frequentemente expressava-o.

Mas nem tudo lhe pareceu pedagogicamente desajustado nesta fase da sua aprendizagem universitária. Muitos dos seus professores ensinavam o produto da sua experiência pessoal, procurando incutir nos alunos, a cada doente que estes eram chamados a observar, o espírito de pesquisa do que provoca a doença que se está a avaliar e as diversas aparências como esta se expressa, num raciocínio clínico atento ao erro diagnóstico que está sempre à espreita: “mais do que ensinar o que se sabe, ensinar como aprender o que está por saber!”, enfatiza. Destes mestres, sempre disponíveis para esclarecer as dúvidas dos seus alunos, procurando envolvê-los na atividade do seu laboratório ou serviço hospitalar, guarda uma inapagável e grata memória.

Fotografia esquerda No dia da "Formatura em Medicina", ao lado de quem viria a ser sua Mulher, 1 mês depois.

Fotografia direita Em Besançon, com o Prof. Francis Weill, ladeado à direita pelo Dr. Mascarenhas Gaivão e à esquerda por colega de nacionalidade polaca, igualmente em aprendizagem ecográfica.


“Com a aprovação na última cadeira do curso e o tradicional rasgamento das vestes estudantis”, Maximino Correia Leitão pensou que a formação em Medicina estava completa: o que a vida lhe revelou ser totalmente enganoso, “pois a formação do médico só se conclui quando ele deixa de o ser”, garante. Findo o curso, iniciou o estágio hospitalar, quase todo passado no Serviço de Neurologia dos HUC, na altura dirigido “de maneira muito inovadora e cativante pelo Professor António Nunes Vicente”. Foi aí que, conforme afirma, deixou de ser estudante de Medicina, “no sentido superficial da expressão”, e começou a dar os primeiros passos como médico.

Em 1968 e depois de apresentada à FMUC a sua dissertação de licenciatura na área da Neurologia, com o tema “A angiografia nos acidentes vasculares cerebrais”, cuja casuística adquiriu assistindo muito de perto às angiografias por injeção intracarotídea do contraste iodado, “realizadas pela primeira vez em Coimbra pelo ilustre neurocirurgião Dr. José Freitas Ribeiro, recém-chegado ao Serviço de Neurologia dos HUC”. Foi trabalho que desenvolveu com grande entusiasmo, em grande parte devido ao estímulo e ensinamentos de Freitas Ribeiro, a cuja memória tributa uma grata homenagem.

Maximino Correia Leitão procurou dar um rumo profissionalizante à sua vida, numa altura que “já era casado há quase um ano e estava em vésperas de ser pai”. Em setembro desse ano e “como resultado de uma reforma pedagógica em curso, o quadro de assistentes das disciplinas do curso de Medicina sofreu notável acréscimo, tendo em vista aumentar o número de turmas práticas para que o excessivo número de alunos por turma se reduzisse”, explica. Maximino Correia Leitão foi convidado por Bruno da Costa, “catedrático de Propedêutica Médica e diretor do Serviço Hospitalar de Medicina I”, para o lugar de assistente eventual. “Depois de algumas hesitações, acabei por aceitar”, refere. “Nunca foi meu propósito seguir a carreira universitária… Sempre tive no meu pensamento vir a ser um médico que granjeasse o reconhecimento dos doentes e suas famílias «pelo saber, pelo devotamento, pela compaixão e pelo amor», palavras tão eloquentemente escolhidas por Miguel Torga quando, já doente, foi chamado a inaugurar o auditório, que tem o seu nome, na sede da Ordem dos Médicos do Centro. Estes sentimentos hipocráticos foram, e ainda são, o leitmotiv no meu caminho como médico”, observa. Por isso, afirma que este convite, que iria dar início ao seu percurso universitário, despertou em si um sentimento dúplice: “de agrado pela confiança em mim depositada que o convite do Professor Bruno da Costa traduzia, confiança que eu queria honrar, mas também de temor, pelas minhas competências docentes que receava modestas, ao intimamente comparar as minhas escassas qualidades intelectuais com as que me habituei a conhecer e admirar – e muitos outros exuberantemente reconheciam e admiravam – no familiar que fora meu mestre universitário e de quem herdei o nome”, confessa. Mas, reforçada a autoconfiança, “o gosto por ensinar desabrochou, para o que contribuiu o estudo aturado de cada caso clínico que apresentava nas aulas práticas, procurando colmatar as insuficiências do saber, que sempre me inquietaram e inquietam no meu dia a dia como médico”, admite.

Fotografia Sala dos Capelos, Imposição das Insígnias, ao lado de seu Padrinho e Patrono,
Prof. Gouveia Monteiro


A ascensão na carreira académica fez-se mais, afirma Maximino Correia Leitão, pela “sucessão natural de circunstâncias favoráveis a um caminhar sem sobressaltos do que à força da ambição de chegar primeiro ou subir mais alto”. A confiança e o estímulo que o impulsionaram a prosseguir vieram, predominantemente, dos seus patronos universitários, que foram também seus mestres, os Professores Gouveia Monteiro e Diniz de Freitas, a quem, garante, deve grande parte da sua formação científica, universitária, médica e técnica. Foi, aliás, Gouveia Monteiro o professor responsável pela escolha da especialidade de Gastrenterologia. “O Professor Gouveia Monteiro, que já dirigia o Centro de Investigação Científica em Gastrenterologia da FMUC, tinha em mente criar um serviço especificamente devotado ao diagnóstico e tratamento das doenças do aparelho digestivo e desenvolver as técnicas endoscópicas correlacionadas”, indica. Para o efeito, estava a constituir uma equipa que, em parte, já contava com dois colaboradores seus, em estágio no estrangeiro, o Dr. Diniz de Freitas, na Alemanha, e o Dr. Cantante Garcia, no Japão”, e era nessa equipa que propunha que Maximino Correia Leitão se integrasse. “Eu, que já frequentava a especialidade de Cardiologia, área de meu gosto preferencial enquanto aluno de Medicina, e que me havia inscrito na Ordem dos Médicos como tirocinante desta especialidade, após 15 dias de meditação nos prós e contras da mudança, deixei-me cativar, uma vez mais, pela confiança em mim depositada. Atraía-me, ainda, a inovação que se adivinhava vir a acontecer na disciplina da Faculdade, de que eu já era assistente, e no serviço hospitalar, onde predominantemente trabalhava, que Gouveia Monteiro e o seu discípulo, Diniz de Freitas, viriam a introduzir ao longo dos anos, com elevadíssimas repercussões na docência universitária e na gastrenterologia nacional”, menciona.

Em julho de 1986, concluiu o doutoramento, com a apresentação e defesa da tese intitulada “A Ecografia de Imagem Dinâmica no Estudo de Algumas Doenças Gastrenterológicas”. O projeto doutoral, que arrefecera na sequência da turbulência universitária pós 25 de abril, revigorou-se com a escolha de novo tema, agora proposto por Diniz de Freitas: a ecografia, método emergente no estudo da patologia digestiva.

Fotografia Jubilação do Prof Diniz de Freitas, homenagem da FMUC e dos HUC


Com uma bolsa do Governo francês, Maximino Correia Leitão esteve em Besançon, estagiando três meses no Serviço de Imagiologia Médica do Centro Hospitalar e Universitário, dirigido pelo Professor Francis Weill, pioneiro na prática da ecografia abdominal. “Fui acompanhado por um colega e amigo, radiologista, o Francisco Mascarenhas Gaivão. Desejava conhecer o âmbito da aplicação deste tipo de ecografia, chamada de real time ou de imagem dinâmica, à data, 1980, raramente praticada na Europa e nos Estados Unidos; Weill efetuava-a, em Besançon, com uma perícia única”, revela. “Não imaginava alguma vez saber executá-la, mas, aos poucos, logo lá no Hospital de Besançon e por indicação do ‘Patron’, durante a hora de almoço, utilizávamos os aparelhos, ecografando-nos, os aprendizes, uns aos outros e, assim, o gosto por essa aprendizagem foi crescendo”, indica. “Depois, colaborando com o Dr. Gaivão, que já exercia a prática ecográfica, principalmente no âmbito obstétrico, e pelo estímulo e facilidades que me dispensou o Professor Vilaça Ramos, que me abriu a porta do Serviço de Radiologia que dirigia, nos cinco anos seguintes executei milhares de ecografias abdominais, aperfeiçoando-me na execução da técnica ecográfica, procurando sempre confirmar, no bloco operatório ou na mesa de autópsias, o diagnóstico ecográfico que previamente havia assumido: a aquisição da casuística da dissertação de doutoramento fez-se, predominantemente, nestes moldes”, esclarece. Mas não mais parou a aprendizagem e adestramento da ecografia, progredindo para valências ecográficas invasivas e mais tarde para a ecografia endoscópica, técnica que montou no seu Serviço de Gastrenterologia dos HUC, após doação, pela Fundação Gulbenkian, dos respetivos equipamentos. Hoje, decorridos mais de 30 anos de prática ecográfica, deixaria de exercer a clínica gastrenterológica se não lhe fosse possível complementar a consulta médica com a imediata exploração ecográfica do paciente, assegura.  


Foram tempos em que os trabalhos científico, universitário e hospitalar
exigiram de mim muito estudo e um constante desassossego.

Depois do doutoramento, “as responsabilidades profissionais ampliaram-se muito, pelas incumbências que o patamar alcançado suscitava nas comunidades académica e gastrenterológica e pelo empenho pessoal em honrá-las”, afirma. O progresso nas carreiras universitária e hospitalar, com prestação de provas públicas ou documentais em ambas, e os cargos que desempenhou – “regente da cadeira de Hematologia por falecimento súbito do Professor Freitas Tavares, representante do 7º Grupo ao Conselho Científico, vice-presidente do Conselho Científico da FMUC, presidente da SPED e, mais tarde, da SPG e, após jubilação do Professor Diniz de Freitas, diretor do Serviço de Gastrenterologia dos HUC” – foram tarefas que Maximino Correia Leitão diz ter desempenhado com sentido de missão e que, depois de concluídas, de quase todas retém recordações gratificantes. “Foram tempos em que os trabalhos científico, universitário e hospitalar exigiram de mim muito estudo e um constante desassossego, com a consequente secundarização da vida familiar…. Felizmente a família compreendeu, tolerou e deu-me inestimável apoio”, destaca.

“Terminada a minha atividade pública, temporalmente encurtada por razões de saúde, restou a vocação inicial, que ainda persiste: a atividade clínica. É certo que mais mitigada, mas sempre muito empenhada”, faz saber. O novo coronavírus, que, logo no início do aparecimento dos primeiros casos em Portugal, vitimou mortalmente dois dos seus amigos, fez Maximino Correia Leitão suspender toda a atividade clínica e endoscópica, “em razão das fragilidades sanitárias pessoais e familiares”. Suspensão que não foi completa, já que manteve a disponibilidade para, telefonicamente ou por via informática, responder aos doentes que solicitassem os seus préstimos. “Retirei-me para viver num confinamento absoluto, sem filhos nem netos, num isolamento quase monástico, numa zona rural do Alto Alentejo, em estreita comunhão com o mundo natural que, desde a infância, sempre me deslumbrou. Aí passei mais de um ano, comunicando com a família, os amigos e os doentes via telefone ou Internet”, revela.

“Entretive a ociosidade com longos passeios pelo campo, e como ele está bonito nesta primavera chuvosa! Fui lendo e relendo os assuntos médicos que me suscitassem dúvidas ou aqueles que, previamente, a meu espírito me parecessem menos bem entendidos. Para isso, para lá carreei, juntando aos que já lá tinha, dois tratados, de Medicina Interna e de Gastrenterologia, recentemente adquiridos”, conta. A leitura de temas não médicos foi outra maneira de preencher as muitas horas livres deste seu período de autoexílio. Dessa leitura, Maximino Correia Leitão salienta três obras que o impressionaram: ‘Homo Sapiens, Breve História da Humanidade’, de Yuval Harari, ‘A Estranha Ordem das Coisas’, de António Damásio e ‘Memórias, Sonhos e Reflexões’, de Carl Gustav Jung. “As imaginativas conclusões de cada um, de épocas e geografias diferentes, cruzam-se num pensamento comum que me surpreendeu”, declara.

Maximino Correia Leitão confessa, assim, a sua preocupação quanto ao futuro, tão incerto e difícil de antever face à situação que todos vivemos atualmente: “O que virá depois deste flagelo infecioso mundial, não se adivinha! A pneumónica de há um século e a grande mortandade que provocou na população portuguesa, com cadáveres insepultos nas ruas porque não havia quem os sepultasse, e o efeito que provocou no sentimento coletivo, de uma humanidade certamente mais abnegada e paciente, ressurgente de uma guerra mundial aterradora, não é comparável com o que se observa hoje, depois de décadas de paz, em progressivo crescimento económico e tecnológico”. Por esse motivo, e uma vez que, nos tempos atuais, “o culto hedonístico do bem-estar é avesso a sacrifícios que limitem a liberdade individual, mesmo que esta colida com a segurança que é devida à sociedade”, considera que o futuro das novas gerações é incerto, exigindo, às atuais, a inscrição, na agenda de debate, de questões como “economizar recursos, racionalizar investimentos e selecionar as áreas que mais importa desenvolver para bem do planeta Terra, cada vez mais enfermo pela ação de uma Humanidade sôfrega das delícias do progresso a qualquer preço”.

Ao contar alguns episódios do seu percurso, Maximino Correia Leitão acabou por confessar-nos também duas coisas. A primeira é que, embora avesso a falar de si próprio, a leitura de edições anteriores da newsletter VoiceMED lhe deu o “prazer de conhecer passagens da vida e rever imagens de alguns colegas”; a segunda é que, ao recordar o passado, se lhe aviva o sentimento de filiação espiritual à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, por dela emanar a memória dos seus Mestres que contribuíram tantas vezes com o seu exemplo, outras com a estimulante confiança, para a sua formação de médico e universitário.

Por isso, acreditamos que certamente compreenderá que tenhamos aproveitado este espaço para revelarmos, com um pouco mais de detalhe, aspetos da sua história de vida, desde a infância aos tempos de estudante em Coimbra, e desde o início da sua atividade profissional até à atualidade. Nesta edição, foi a vez dos nossos leitores e dos seus antigos colegas e amigos terem o privilégio de (re)conhecê-lo e (re)vê-lo.

por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Maximino Correia Leitão