Clínica Universitária de Medicina Geral e Familiar

Isto é FMUC

Criada em 2017, a Clínica Universitária de Medicina Geral e Familiar da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) tem como principais funções o ensino e a prática desta especialidade, às quais se alia também a componente de investigação. Luiz Santiago, diretor desta Clínica desde a sua criação, explica o seu funcionamento e as suas especificidades.


Uma especialidade muito ampla

“Ao contrário das Clínicas Universitárias de outras especialidades, que contam com um conjunto específico de médicos em contexto hospitalar, esta Clínica Universitária opera de forma difusa, não apenas dentro de uma instituição, mas em várias Unidades de Saúde, cada uma delas com os seus tutores e corpo docente, realizando o ensino aos alunos dos 5º e 6º anos da FMUC. Os tutores são a massa humana desta Clínica”, esclarece o seu diretor.

A esta particularidade da Clínica Universitária de Medicina Geral e Familiar (MGF) da FMUC junta-se outra: a da abrangência desta especialidade, conforme salienta Luiz Santiago. “Costumamos dizer sempre que a MGF lida com todos os assuntos que todas as outras especialidades lidam, mas de uma forma diferente, fazendo um enfoque particular no doente, que pode, simultaneamente, ter vários problemas de saúde”.

Deste modo, a MGF, através de um contacto próximo com as pessoas e de uma avaliação cuidada dos motivos de consulta, tenta averiguar, igualmente, de que forma o contexto pode influenciar no controlo ou na desestabilização da condição ou das condições de saúde. Assim, será possível aferir também a necessidade da procura de cuidados médicos relativos a outras especialidades. “Hoje, já não precisamos que o médico saiba tudo. Precisamos, fundamentalmente, que o médico saiba onde deve ir buscar o conhecimento para, em cada momento, orientar o seu doente: somos um bocadinho ‘Leonardos da Vinci’, nesse sentido”, brinca.


A importância da investigação na formação de alunos e docentes

O diretor da Clínica Universitária de MGF da FMUC destaca a importância dos trabalhos de investigação que têm vindo a ser desenvolvidos, apresentados e publicados ao longo dos últimos três anos, desde a criação desta Clínica. “Estes trabalhos geram conhecimento relevante, não apenas para o ensino dos alunos, mas também para a progressão de todos aqueles que trabalham connosco e com quem eu tenho a honra de colaborar”, enfatiza.

“Temos tido alguma atividade de apresentação de trabalhos em congressos, nomeadamente europeus, e temos já vários destes trabalhos publicados em revistas internacionais do Quartil 1 e do Quartil 2”. Luiz Santiago ressalva a importância destas publicações, até porque a MGF “é uma área muito vasta, pelo que, por vezes, acaba por ser mais complexo obter-se algum impacto”. Uma dessas apresentações refere-se a uma investigação recente, na área da diabetes. “É baseada num inquérito de 14 perguntas, que nos permitem perceber o conhecimento que as pessoas com diabetes têm acerca da doença”, revela, “e foi muito interessante percebermos que esse nível de conhecimento não tem relação direta com o sexo, a formação académica ou o rendimento financeiro das suas famílias”. Assim, este trabalho permitiu perceber que “a informação que tem de ser passada a cada indivíduo que sofre de diabetes deve ser personalizada, para que estes possam ganhar aquilo que se chama literacia em saúde e para que possam fazer escolhas saudáveis que os ajudem a controlar melhor a sua doença”.

Luiz Santiago refere que, com a pandemia que teve início em março do ano passado, a cadência da investigação acabou, de certa forma, por ficar comprometida. “Esperemos que a situação evolua rápida e positivamente, para que possamos voltar ao contacto entre todos e para que se proporcionem novos estudos”, declara.

Para o diretor da Clínica, será inclusive interessante o desenvolvimento de estudos acerca dos problemas e desafios colocados pela pandemia à prática da MGF, nomeadamente no que diz respeito à vivência deste contexto por parte dos médicos, que, ao longo do último ano, e mesmo que com alguns condicionalismos originados pela pandemia, não deixaram de receber os alunos, cumprindo todas as regras relativas ao distanciamento e à higiene.


As aulas em tempos de pandemia e o envolvimento dos alunos

“As aulas teórico-práticas de MGF são lecionadas por mim, pela Professora Inês Rosendo, pelo Professor José Augusto Simões e pelo Professor António Cruz Ferreira”, explica o diretor da Clínica.

Dado que, com a atual pandemia, não tem existido a possibilidade destas aulas terem uma componente presencial, Luiz Santiago explica que foi feita uma adaptação das mesmas: “através da plataforma Zoom, fazemos a exibição de vídeos, promovemos discussões sobre diversos temas, fazemos muitas perguntas aos alunos e, curiosamente, achamos que todos eles se adaptaram espetacularmente bem”, destaca.

Para o sucesso destas aulas, Luiz Santiago revela o “pequeno truque”, proporcionado pelas funcionalidades informáticas deste tipo de plataformas online, que tem permitido captar e manter a atenção e o interesse dos alunos ao longo das sessões: “no princípio, no meio e no final de cada aula, lançamos perguntas, quer seja para percebermos, no início, se já sabem do que vamos falar, quer para percebermos, no fim da aula, se captaram a mensagem”.















O diretor da Clínica indica que, deste modo, tem sido possível entusiasmar os alunos. “Este tipo de aula é muito interessante: há até a atribuição de pontos para quem responde mais rápido”, conta. Assim, tem sido possível aferir se os objetivos fundamentais de cada aula estão a ser cumpridos. Mas, como refere Luiz Santiago, “os conhecimentos teóricos não bastam: é necessário saber aplicá-los, na prática, àqueles que a nós recorrem”. Por isso, uma das áreas que têm vindo a explorar e a dar a conhecer aos alunos é a da comunicação.

“Por exemplo, na próxima semana, vou dar uma aula sobre ‘Pessoa que sofre de hipertensão arterial e pessoa que sofre de diabetes’, que é bem diferente de falarmos apenas da hipertensão arterial e da diabetes”, observa. No âmbito deste tipo de aula, são transmitidos “vários conhecimentos para que o aluno saiba utilizar, na sua interação com o doente, as chamadas oportunidades empáticas, sendo capaz de passar informação por forma a que o doente consiga entendê-la, memorizá-la e aplicá-la”, explica.


A relevância e atratividade da Medicina Geral e Familiar

Ainda que não de uma forma desejável, a atual pandemia veio salientar a importância da MGF para os sistemas de saúde, já que, de certa forma, esta é a especialidade que está sempre na linha da frente, uma vez que é à mesma que os doentes inicialmente recorrem quando algum problema os afeta. Por isso, Luiz Santiago refere que, no início da pandemia, a carga de trabalho aumentou consideravelmente, pois muitas eram as solicitações e dúvidas dos doentes. “Foi um desafio enorme conseguirmos dar resposta à grande quantidade de telefonemas, às pessoas com medo e aflitas com aquilo que ouviam falar acerca da infeção e aos doentes que sabíamos que tinham condições de saúde que facilmente poderiam descompensar”, indica. Neste sentido, Luiz Santiago admite que o trabalho feito por parte da MGF é, por vezes, mais criticado do que reconhecido. “Mas, se as pessoas soubessem a quantidade louca – e eu diria mesmo louca – de trabalho que tivemos, ficariam espantadas com o muito que se conseguiu fazer”, declara.

No âmbito da gestão pandémica e do estágio em MGF, os alunos da FMUC têm colaborado na realização de inquéritos epidemiológicos. E, tal como afirma o diretor da Clínica, é possível que venham também a colaborar na campanha de vacinação. “Se existir essa possibilidade e os alunos do 5º ano quiserem, poderão ajudar naquilo que diz respeito à vacinação”, afirma. “As pessoas, assim que chegam ao local de vacinação, têm de preencher um questionário, validado por um médico, são vacinadas e ficam depois, durante cerca de meia hora, no recobro. Por isso, há ali espaço para que os alunos possam, de alguma forma, começar a conhecer a realidade deste facto e colaborarem, não só no preenchimento dos questionários, como naquilo que podem dizer às pessoas para explicar o objetivo e a importância da vacinação e ajudar, quando necessário, a reduzir eventuais estados de ansiedade”, faz saber.

O diretor da Clínica Universitária destaca o facto de haver um número cada vez mais crescente de alunos da FMUC que procuram o corpo docente de MGF para a orientação das suas dissertações de mestrado. “Orientámos bem mais de 200 teses desde 2017 e, para nós, esse é um fator muito interessante de reconhecimento”, declara.

Luiz Santiago refere também que, atualmente, está a ser feita a avaliação cultural e validação de um trabalho, publicado no European Journal of General Practice, que permitirá dar a conhecer o número de especialistas de MGF, as instituições de ensino onde obtiveram o seu grau académico e onde exercem a sua atividade. “Temos já autorização para fazer este estudo em Portugal, e uma das coisas que estamos a pedir à direção do Colégio da especialidade da Ordem dos Médicos é que nos seja permitido fazermos o trabalho, não apenas na região Centro, mas a nível nacional, já que isso nos vai dar uma melhor perspetiva deste panorama”, indica.

Por isso, neste momento, o maior desafio de todo o corpo docente de MGF é voltar a ter a possibilidade de fazer uma reunião com todos os tutores, tal como antes faziam. “No início de cada semestre, tínhamos sempre uma reunião para avaliarmos o que tinha sido feito e prepararmos o que íamos fazer. Precisamos de voltar a falar presencialmente, porque a mímica facial é muito importante, assim como o é podermos juntar-nos para trocar informações e notas uns com os outros”, conclui.

por Luísa Carvalho Carreira (texto e fotografia de topo)
fotografia gentilmente cedida por Luiz Santiago