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Manuel Sobrinho Simões

Os Centros Académicos Clínicos foram criados pela necessidade de uma colaboração mais estreita entre as Escolas Médicas, os Centros Hospitalares e as Unidades de Investigação. Mas, neste âmbito, ainda há muito a fazer, conforme explica Manuel Sobrinho Simões.


O que são, em termos gerais, os Centros Académicos Clínicos (CAC) e de que forma contribuem para a investigação, o ensino e a atividade assistencial?

A criação destes centros resulta do reconhecimento da existência de um problema no ensino e na formação da Medicina, que consiste na dificuldade de articulação entre as faculdades de Medicina e os hospitais, bem como na necessidade dos centros de investigação fazerem, igualmente, parte desta articulação.

De certa forma, esta criação tem as vantagens, mas também os inconvenientes, por resultar de uma iniciativa que partiu apenas do lado do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O que quero dizer com isto é que estes centros foram criados tendo como pressuposto o desenvolvimento da capacidade de se ligar a academia, com mais ou menos investigação, à atividade assistencial, mas essa criação teve um caráter voluntarista, que partiu somente da academia. E esse é também um problema. Não podemos continuar a formar apenas médicos e demais profissionais de saúde. Existe a necessidade de que os clínicos sejam capazes de articular com competências académicas e de investigação.

Por isso, a ideia que esteve na origem dos CAC foi esta: criarmos uma estrutura onde fosse repensada, por um lado, a componente de ensino superior e, por outro, as componentes assistencial e de investigação. E esta é uma tarefa que se tem revelado bastante complexa.


Em que medida?

É muito fácil demonstrarmos a necessidade da criação dos CAC, mas isso pressupõe, igualmente, outra necessidade, que é a do tempo protegido, ou seja, do tempo destinado à formação, ao ensino pré e pós-graduado e à investigação por parte dos clínicos e profissionais de saúde.

E claro, tem de haver uma recompensa pelas atividades de investigação. Isso é crucial. Mas, antes de mais, precisamos que estes profissionais de saúde dos hospitais e das unidades de saúde tenham cerca de 25 a 30 por cento do teu tempo protegido para poderem dedicar-se a estas atividades no âmbito dos CAC. E, para isso acontecer, é preciso também aumentar a contratação de profissionais para hospitais e unidades assistenciais que colmatem a diminuição de 25 a 30 por cento do cumprimento assistencial. Só assim conseguiremos ter simultaneamente capacidade clínica e capacidade docente, assim como eficiência em termos de captação de financiamento para a investigação.


Mas onde se está a ir buscar financiamento atualmente para os CAC?

O facto é que não se está a ir buscar financiamento neste momento. O que vai haver é a possibilidade dos CAC concorrerem, num futuro próximo, a esse financiamento, mas apenas depois de terem sido avaliados através da Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica (AICIB).

E, no meu entender, isto é, de certa forma, um contrassenso. Não me faz sentido começarmos por avaliar aquilo que os CAC fizeram até agora se ainda não receberam nenhum tipo de financiamento.

Por esse motivo, acho que o que faz mais sentido é que esta primeira avaliação seja considerada um “ponto zero”, isto é, que seja, mais do que uma avaliação com repercussão no financiamento discriminatório dos CAC, uma identificação dos pontos fortes, dos pontos fracos, das ameaças e das oportunidades de cada CAC.

Enquanto presidente do Conselho Nacional dos CAC, tenho-me debatido contra a ideia de que, após esta primeira avaliação, o financiamento de cada centro seja já diferenciado caso a caso com algoritmos e outras métricas. Creio que, inicialmente, o mais sensato seria a atribuição do mesmo tipo de financiamento a todos os CAC, para que fosse possível cumprir objetivos comuns a todos eles.

Nesse sentido, esta avaliação, da qual está encarregue a AICIB, presidida pela Professora Catarina Resende de Oliveira, será levada a cabo por avaliadores estrangeiros, já contactados pela AICIB e pela FTC (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), e deverá seguir este pressuposto de, antes de mais, ajudar os CAC na identificação do estado atual e ajudar a definir estratégias de desenvolvimento dos CAC.

Entre 2009 e 2016, foram criados oito CAC. Quantos existem neste momento?

Entretanto, foi criado mais um, o da Universidade de Aveiro. Atualmente, existem nove CAC.


Que estão formalizados, mas que ainda não deram o “pontapé de saída”, por assim dizer. Ou seja, ainda não houve oportunidade para a materialização das suas funções.

Sim, esse é o grande problema. Temos mesmo de fazer este processo de avaliação para aferirmos a qualidade de base de todos os CAC, tendo sempre presente também a noção de que só poderemos desenvolver a investigação e a componente assistencial das Ciências da Saúde se as ligarmos à academia.

Acredito que os CAC devem ter em consideração a importância da academia nos hospitais universitários, estimulando a sua capacidade no sentido do recrutamento de profissionais, clínicos, dispostos a seguirem ou não a obtenção do doutoramento. Tanto num caso como no outro, os clínicos hospitalares reforçarão a atividade docente e investigação a par da carreira assistencial. Esta possibilidade passa pelo reforço da figura e do estatuto de professor convidado dos clínicos, e no futuro será desejável procurar otimizar as ligações entre as carreiras docente e de investigação e a carreira assistencial.

As estruturas universitárias são muito antigas e sólidas; têm uma tradição. Já os hospitais não são propriamente assim. Os conselhos de administração hospitalares mudam com frequência e, ao serem modificados, têm alguma dificuldade em manter a sua coerência interna. E aqui apresentam-se duas fragilidades distintas: por um lado, estas estruturas universitárias são mais coesas, mas o seu orçamento é bem menor do que o de um hospital; por outro lado, o orçamento dos hospitais até é maior, mas são estruturas mais frágeis no que diz respeito à manutenção dos seus recursos humanos, nomeadamente os internos, se forem condicionados a aumentar a atividade assistencial como único objetivo.

Além disso, os hospitais têm modos de funcionamento particulares, pressionados pela necessidade de apresentarem resultados, que são proporcionais aos atos médicos. E, como é óbvio, essa necessidade de resultados leva a que não seja do interesse do hospital diminuir o número de atos médicos para permitir aos profissionais que se dediquem à investigação, ao ensino e à formação.

É por isso que, como referia há pouco quanto à sua criação, os CAC têm uma forte componente voluntarista. Quando presido às reuniões, vejo que quem tem realmente uma presença mais ativa são as faculdades e os centros de investigação. Os hospitais estão conscientes da sua relevância em termos de orçamento e importância social, mas não têm tanta capacidade negocial. E é isto que tem sido muito difícil gerir.


Falava da dificuldade da articulação entre as Escolas Médicas e os hospitais. E entre os próprios CAC, como é a interação entre eles?

A interação entre os CAC é boa ou muito boa. Penso que isso tem sido possível porque são CAC que até agora não têm dimensão económica substantiva. Além disso, admito que o facto de, atualmente, também existir alguma liberdade quanto à gestão destes CAC, acaba por fazer com que a relação entre todos decorra sem sobressaltos.


Por um lado, existe esta necessidade de que os CAC iniciem, de modo efetivo, as suas funções, nomeadamente com recurso a financiamento. Mas, por outro lado, existem também algumas dificuldades que resultam da fraca articulação e dos diferentes modos de funcionamento das estruturas hospitalares e universitárias. Nesse sentido, como perspetiva o futuro dos CAC?

Acho que temos de começar a criar bons exemplos no terreno. Por exemplo, há tentativas muito interessantes no Algarve, com um projeto-piloto, e a realidade do CAC do Minho tem um desempenho muito positivo, sendo que é a única Associação na base do CAC: os outros CAC são Consórcios.

Quanto ao futuro, teremos de articular o que já está instalado com aquilo que surgirá. Desde logo porque os CAC não subentendem a existência de uma Faculdade de Medicina. E depois porque as situações continuarão a divergir da homogeneidade.

A Faculdade de Medicina da Universidade Católica vai iniciar as suas funções, e acredito que daí resulte também a criação de um Centro Académico Clínico. Não tenho nada contra o facto de estarmos a falar de uma instituição privada, porque aquilo que verdadeiramente importa é a sua qualidade. E interessa-nos, inclusive, perceber como irá funcionar um centro com estas características.

Esse nosso interesse é extensível ao modo de funcionamento do CAC da Universidade de Aveiro – sem Faculdade de Medicina – que terá, entre outras unidades assistenciais, uma aposta no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia-Espinho, eventualmente a desenvolver no sentido de vir a constituir um hospital universitário em articulação com a docência e investigação da Universidade de Aveiro.

Dei quatro exemplos – Universidade do Algarve, Universidade do Minho, Universidade Católica e Universidade de Aveiro – por entender que vale a pena procurar compreender o futuro dos CAC à custa de algumas ideias fora do mainstream.

Penso que nos irão permitir que comecemos a pensar em modos de articulação que não sejam os ditos modos clássicos. Sei que a Madeira vai construir um novo hospital e um centro de investigação. Nesse âmbito, seria interessante que lá fosse criado também um CAC, caso seja possível vir a fazer uma articulação com a Universidade que obtenha um valor adicional. É claro que todos estes projetos precisarão, antes de mais, de garantir a qualidade.

Penso que não devemos aumentar a homogeneidade entre os CAC. Pelo contrário: devemos aproveitar a sua heterogeneidade para os avaliarmos e, posteriormente, otimizarmos. É assim que perspetivo o futuro, começando por dois ou três exemplos que funcionem enquanto projetos-piloto.




por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Manuel Sobrinho Simões


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