Editorial

Este número da Voice*MED sai numa altura particularmente delicada e difícil. Vivemos, porventura, um dos períodos mais complicados e negros da história moderna da nossa civilização. Perante números catastróficos, quer em termos de mortes, quer de infetados, que colocam Portugal na vergonhosa dianteira dos países mais afetados, temos que, obrigatoriamente, mudar o nosso comportamento. Há decisões, mais ou menos liberais, mais ou menos restritivas, mais ou menos compreensivas, mais ou menos agradáveis, que dependem do poder político, mas há outras que só dependem de cada um de nós, do nosso respeito pelo próximo e do nosso sentido cívico.

É incompreensível as atitudes que vemos muita gente tomar, sabendo que estão, não só a incorrer num perigo para si, mas também a colocar em perigo a vida dos outros. É difícil entender como é que, com toda a informação e conhecimento que temos hoje acerca da doença e das suas consequências, uma larga maioria das pessoas continue a ter um comportamento tao displicente e negligente. E, acima de tudo, uma atitude egoísta e irresponsável, condenável e com riscos irreparáveis para toda a sociedade.

Não se trata de restringir a liberdade individual, mas antes tomar medidas que preservem a saúde e bem-estar de toda a população. E isso não pode depender da educação (ou falta dela) de cada um. São medidas simples aquelas que são pedidas e que todos devemos “defender, cumprir e fazer cumprir”. Já bastam as doenças que nos apanham de surpresa e que não conseguimos evitar... esta é fácil de prevenir. E por uma qualquer razão que me escapa, o comportamento exemplar que os portugueses tiveram na primeira vaga, não estão a mantê-lo agora. Pode ser dessensibilização, habituação, desprezo. Seja o que for, tem que mudar!

Está nas nossas mãos. O drama é real. Os números podem parecer pequenos e não ser muito impressionantes quando falamos de 1% ou 5%. Mas são enormes quando dizem respeito a milhares ou milhões de pessoas. Porquê esta diferença de postura, quando estamos agora numa situação de verdadeira catástrofe, pior do que a que enfrentamos faz agora um ano?

Não acreditam que os hospitais estão mesmo a rebentar pelas costuras? Custa a acreditar que os profissionais de saúde estão desanimados, revoltados e exaustos, com tudo o que têm vivido? Têm dúvidas de que já não é possível, não há capacidade para salvar toda a gente? Não é uma ficção, só para assustar, quando neste momento (e muito provavelmente, ainda estamos longe do “pico”) se diz que há que fazer escolhas, para decidir quem manter vivo.
O mais novo ou o mais velho? O mais alto ou o mais baixo? O mais rico ou o mais pobre? Aquele mais útil à sociedade? Aquele com mais saúde? Porque ao contrário do que alguns possam imaginar, isto não é uma doença que afeta os outros, os mais velhos, os mais debilitados, os mais vulneráveis.

A COVID-19 pode ter efeitos devastadores em qualquer um de nós. Pior, quando se trata de uma doença que nem sempre manifesta a sua presença, muitas vezes silenciosa e matreira, que não só nos pode atacar, sem disso darmos conta, e deixar sequelas permanentes, como também tornar-nos, sem sabermos, um agente de disseminação e causador de dor e morte nos outros.

Nos últimos anos, as pessoas que vivem este período da história da humanidade têm tido a oportunidade de testemunhar e viver momentos únicos e marcantes. E o desenvolvimento da vacina para a COVID-19 foi mais um momento desses. É de facto inacreditável, e era até há pouco inimaginável, o que a ciência conseguiu fazer. Em menos de um ano, a comunidade científica uniu-se e, em conjunto, conseguiu desenhar uma vacina, utilizando abordagens inovadoras, testou-a em milhares e milhares de pessoas pelo mundo fora para que agora esteja já a ser administrada a milhões de pessoas. É um feito extraordinário, só possível porque houve uma ação coordenada e concertada entre cientistas, instituições, governos e sociedade civil.

Isto é uma prova de que quando há genuína vontade e aposta, a ciência está lá para dar a resposta necessária. Por tudo isto me custa tanto ver ceticismo quanto aos benefícios que esta vacina vai trazer para que possamos ultrapassar este período, com menos sofrimento. Acreditem no poder desta vacina, que foi investigada e testada em condições muito controladas, para que se possa garantir a sua segurança. Não hesite quando for chamada/ chamado para vacinação. Para além da perda de pessoas afetadas pela COVID-19, esta pandemia agudiza também a morte de doentes com outras patologias (que continuam a existir), provoca a agonia da economia e causa feridas profundas na sociedade, com a asfixia e sofrimento de inúmeras famílias e lares.

Só há um caminho a seguir, sem escolha e hesitações... respeitar e seguir escrupulosamente todas as regras de seguranças a que estamos obrigados, em ambiente laboral, registo social ou convívio familiar.

Para nos falar destes e outros temas, em 4´33´, temos Filipe Froes, um especialista de reconhecido mérito nesta área, que fala com conhecimento de causa sobre o presente e o futuro desta e de outras eventuais pandemias. Em “Do curso de Medicina”, o Professor João Patrício faz-nos uma visita pelo interior do país através do olhar da sua infância. Em “Fora da Medicina”, conheça a associação Grupo Gatos Urbanos a o serviço que esta presta em prol de animais abandonados, nomeadamente ao nível do controlo da natalidade. O Instituto de Biofísica é o convidado de “Isto é FMUC”, onde teremos a oportunidade de conhecer uma das estruturas da FMUC onde mais e melhor articulação existe entre a investigação básica e o mundo clínico. Por fim, para tomar após este período de confinamento, Natália Lopes prescreve-nos uma cerveja, num Irish Pub, ao som de Nina Simone.


Henrique Girão


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