Consumo prolongado
de sumo de mirtilo pode condicionar resposta hepática
Sobre o estudo
Existe atualmente uma crescente consciencialização da sociedade em geral sobre a importância de implementação de estilos de vida saudáveis, incluindo de hábitos alimentares. Os mirtilos são considerados “super-alimentos” tendo em conta a sua composição fitoquímica enriquecida numa diversidade de compostos bioativos, que parecem poder conferir inúmeros efeitos protetores em distintas condições. As suas reconhecidas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias são de certa forma responsáveis pelo aumento do consumo ao longo dos últimos anos, tanto na forma de fruto como através de diversas formulações disponíveis no mercado, como é o caso dos suplementos alimentares.
Contudo, alguns trabalhos têm alertado para possíveis efeitos adversos resultantes de um consumo descontrolado e excessivo de certos produtos antioxidantes, incluindo os enriquecidos em compostos fenólicos. Estando o nosso grupo de investigação a avaliar os possíveis efeitos benéficos do sumo de mirtilo no contexto da pré-diabetes, em modelo animal, pareceu-nos muito pertinente perceber igualmente qual o impacto do seu consumo de forma prolongada, numa condição saudável.
Para tal, avaliámos um conjunto de parâmetros metabólicos, com destaque para o fígado, e em particular para as funções mitocondriais, em ratos adultos submetidos a um consumo regular de sumo de mirtilo durante 14 semanas.
Resultados e impacto
Neste trabalho verificámos que o consumo de sumo de mirtilo durante 14 semanas não teve impacto no perfil metabólico (glucídico, insulínico e lipídico) em animais saudáveis. A nível intestinal, não se verificaram alterações na composição da microbiota nem na integridade da barreira.
Contudo, o impacto a nível hepático foi surpreendente, particularmente na função mitocondrial. Os resultados remetem para um estado de pré-condicionamento induzido pelo consumo prolongado de sumo de mirtilo, evidenciado por uma resposta adaptativa na bioenergética mitocondrial, acompanhada por uma remodelação metabólica e repressão global de genes envolvidos em distintas vias metabólicas a nível hepático, nomeadamente de β-oxidação de ácidos gordos, cetogénese e inflamação. Para além disso, os resultados apontam para a possibilidade de interferência com a metabolização de alguns fármacos.
As reais implicações/consequências, benéficas ou prejudiciais, decorrentes desta remodelação hepática deverão ser cautelosamente interpretadas. Este trabalho recomenda a realização de estudos adicionais, nomeadamente em contexto profilático e em condições de stress metabólico, no sentido de melhor elucidar se esta resposta adaptativa resultante do consumo prolongado de mirtilo se traduzirá em benefícios ou se, pelo contrário, poderá estar associada a efeitos nefastos. No contexto dos hábitos atuais de uma parte da população, esta investigação reveste-se de particular relevância.
Flávio Reis
Fotografia de Valdemars Magone @ Unsplash