Clínica Universitária
de Cardiologia

Isto é FMUC

A Clínica Universitária de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) é constituída pelas vertentes assistencial, de investigação e de ensino. Professor catedrático da FMUC e diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), Lino Gonçalves é também o diretor desta clínica universitária e explica-nos as suas principais funções, dando-nos igualmente a conhecer a extensa atividade desta estrutura orgânica da Escola.


A vertente assistencial

“Eu diria que a vertente assistencial é gigante”, começa por assinalar Lino Gonçalves. De facto, o Serviço de Cardiologia do CHUC, “que compõe esta Clínica Universitária”, tem 89 camas para assistência aos doentes e dele fazem parte 284 profissionais de saúde das várias classes profissionais e que trabalham nos dois polos: no polo do Hospital Geral – Covões (HG) e no polo dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).  

Por sua vez, os números anuais de atos médicos são também “verdadeiramente impressionantes”. Falamos, num ano, da realização de mais de 40 mil consultas, mais de 4600 internamentos, mais de 90 mil exames eletrocardiográficos, mais de 11 mil procedimentos de ‘pacing’ e eletrofisiologia e mais de 7400 procedimentos invasivos coronários e não coronários. “É uma atividade clínica muito intensa, vasta e que nos coloca numa posição cimeira a nível nacional, no contexto da Cardiologia”, salienta o diretor desta clínica universitária.

Ainda no que diz respeito à vertente assistencial, e para além da “atividade massiva em termos de números”, Lino Gonçalves destaca as três áreas de maior diferenciação e visibilidade deste Serviço atualmente. Uma delas é a área da Cardiologia de intervenção. “Somos Centro de Referência nacional em termos de Cardiologia de Intervenção Estrutural e temos vindo a participar também na abertura de alguns centros internacionais, no que diz respeito à utilização de algumas técnicas muito diferenciadas e sofisticadas” indica.

Outra área de grande diferenciação, apesar do número de doentes ser “relativamente pequeno”, é a da Hipertensão Pulmonar. Por fim, a terceira área de maior diferenciação é a da Insuficiência Cardíaca Avançada. “Há muitos anos, foi aqui criada aquela que era, na altura, a primeira unidade de tratamento da insuficiência cardíaca avançada, muito baseada no modelo americano, e que é uma unidade que continua a ter um papel central, já que recebemos doentes de todo o País”, faz saber o diretor da clínica universitária.

Esta unidade de tratamento da insuficiência cardíaca tem, aliás, uma grande relevância, já que permitiu alavancar o “projeto de transplantação cardíaca em Coimbra, que é, aliás, o maior centro de transplantação cardíaca português, que se encontra no Serviço de Cirurgia Cardiotorácica e com o qual colaboramos de forma estreita”, destaca Lino Gonçalves.


A vertente da investigação

“Temos um placard, no nosso Serviço de Cardiologia, no qual colocamos os artigos que vão sendo publicados durante o ano: neste momento, estão colocados exatamente 40 artigos, publicados em 2020, a nível nacional e internacional em revistas indexadas”, diz Lino Gonçalves.

Além dos artigos que foram publicados este ano, a Clínica Universitária de Cardiologia tem vindo a participar em 34 ensaios clínicos internacionais, “promovidos pela indústria ou por iniciativa do investigador”, e conta também com 200 apresentações realizadas a nível nacional e internacional. “Em 2018, ganhámos sete prémios científicos nacionais”, destaca o diretor desta clínica.

“Temos também recebido, ao longo dos últimos anos, alunos suecos da Universidade de Linköping, que se deslocam a Portugal para fazerem investigação connosco, já que faz parte do seu currículo académico a realização de uma experiência de investigação”, explica. Para Lino Gonçalves, essa interação tem sido “muito profícua”, já que tem permitido aos alunos adquirirem experiência em investigação e tem também resultado em “artigos publicados em conjunto com estes jovens alunos de Medicina” desta universidade sueca.

O diretor da Clínica Universitária de Cardiologia destaca também um “acontecimento muito especial” que ocorreu em 2019: uma aluna do 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina (MIM) da FMUC submeteu um trabalho ao Congresso Mundial de Cardiologia e acabou por estar a competir nos últimos quatro trabalhos selecionados para o prémio de Jovem Investigador a nível mundial. “Isto foi notável”, enfatiza Lino Gonçalves, “porque é um congresso que junta cerca de 40 mil pessoas de todo o mundo”. Foram submetidos mais de 12 mil trabalhos, “e esta jovem aluna da FMUC concorreu e o seu trabalho foi selecionado como um dos melhores quatro trabalhos a nível mundial realizado por jovens investigadores”.


A vertente do ensino

No que diz respeito ao ensino, a Clínica Universitária de Cardiologia participa no ensino pré-graduado, nomeadamente no Mestrado Integrado em Medicina (MIM) e no Mestrado Integrado em Medicina Dentária (MIMD), mas também no ensino pós-graduado, através de “participações ativas nos Mestrados e Programas de Doutoramento da FMUC”.  

Esta clínica universitária tem também recebido, para além dos alunos da já referida universidade sueca de Linköping que vêm fazer investigação, alunos de instituições de ensino de outros países que vêm fazer estágios formativos no CHUC.

Dada a preocupação de promover a formação pós-graduada, a Clínica Universitária de Cardiologia organiza, habitualmente em maio, o Simpósio de Medicina Cardiovascular de Coimbra, dedicado, essencialmente, à interação com os profissionais da Medicina Geral e Familiar: “consideramos muito importante esta colaboração entre as duas especialidades”, refere Lino Gonçalves, “e este simpósio tem tido muito sucesso, juntando sempre cerca de 300 participantes anualmente”.

O diretor da clínica universitária destaca ainda uma reunião iniciada em 2019, que este ano teve de ser interrompida devido à pandemia. Trata-se da reunião internacional ‘What’s new in ESC Guidelines’. “Todos os anos, a Sociedade Europeia de Cardiologia publica guidelines relativamente àquilo que é, ou deve ser, a melhor prática clínica baseada na melhor evidência científica”, explica Lino Gonçalves. A publicação dessas guidelines costuma acontecer no início de setembro, e a reunião cerca de um mês e meio depois.

“Fizemos – e vamos continuar a fazer – essa reunião em Coimbra. No ano passado, esta reunião, de caráter internacional, foi muito bem-sucedida e teve uma grande adesão: estiveram aqui presentes os presidentes dos comités que produziram estas guidelines, que nos apresentaram as grandes novidades e inovações destes documentos científicos, fundamentais para a nossa prática clínica”, destaca o diretor da clínica universitária. A apadrinhar esta reunião científica estão “dois grandes nomes mundiais da Cardiologia”, Gunther Breithardt e Bernard Gersh, ambos doutorados Honoris Causa pela Universidade de Coimbra e que participam ativamente nesta reunião científica internacional.  

O Simpósio de Medicina Cardiovascular de Coimbra e a reunião ‘What’s new in ESC Guidelines’ são, assim, os dois grandes eventos científicos anuais organizados pela Clínica Universitária de Cardiologia, embora com objetivos diferentes, como explica Lino Gonçalves: “o simpósio tem como objetivo a ligação à Medicina Geral e Familiar e a reunião da Sociedade Europeia de Cardiologia a ligação às especialidades de Cardiologia, de Medicina Interna e, eventualmente, a outras especialidades que possam ter interesse na discussão destas guidelines”.

Para além destes eventos, existe ainda outra iniciativa promovida por esta clínica universitária. “É uma iniciativa também anual e que está totalmente vocacionada para a comunidade, na qual somos nós a deixar os nossos muros e a entrar em contacto direto com a população”, afirma Lino Gonçalves.

Esta iniciativa, que decorre habitualmente em maio, considerado o mês do coração, designa-se ‘Coimbra Unida pelo Coração’ e consubstancia-se na presença de grupos de profissionais de saúde em vários postos espalhados pela cidade, que promovem o diálogo com as pessoas que circulam pelas ruas de Coimbra. “Essas pessoas são convidadas a participar nas atividades e a avaliar o seu risco cardiovascular”, aproveitando-se, também, para promover a sua literacia relativamente à adoção de comportamentos mais saudáveis que não comprometam a sua saúde em termos cardiovasculares.

Normalmente, esta iniciativa recebe, num só dia, cerca de 300 pessoas. “Esta tem sido uma experiência muito interessante: quase 30 por cento das pessoas que nós encontrámos na rua e que participaram nesta iniciativa têm o risco cardiovascular elevado ou muito elevado e, em boa verdade, a maior parte delas desconhece esse facto, que significa, respetivamente, um risco de mortalidade cardiovascular, nos próximos 10 anos, entre 5 e 10 por cento”, destaca Lino Gonçalves. Com a realização da iniciativa ‘Coimbra Unida pelo Coração’, a Clínica Universitária de Cardiologia promove uma aproximação à população, dando um “contributo muito importante e significativo” relativamente à promoção de hábitos saudáveis.

Mas a atividade da Clínica Universitária de Cardiologia, apesar de muito extensa, não fica por aqui. Dela, fazem ainda parte diversas e importantes colaborações internacionais, nomeadamente com a Universidade de Harvard, com a Clínica Mayo, com a Universidade de Münster ou com a Cleveland Clinic, bem como com a Universidade de Santiago de Compostela e a Universidade de Salamanca. Com as duas universidades espanholas, a Clínica Universitária de Cardiologia organiza ainda reuniões tripartidas de trocas de experiências e projetos comuns, inclusive com as suas clínicas universitárias da especialidade.

Para além destas colaborações, a clínica universitária tem ainda “uma interação muito forte” com a Sociedade Europeia de Cardiologia: “temos várias pessoas da nossa clínica universitária que estão envolvidas em atividades de grupos de trabalho desta sociedade, bem como com a American Society of Nuclear Medicine”, indica Lino Gonçalves.

A Clínica Universitária de Cardiologia tem, assim, uma grande e significativa rede de interação internacional e o objetivo é continuar a desenvolvê-la, conforme afirma o seu diretor.















Os alunos de doutoramento da FMUC da área da Cardiologia

Muitos dos alunos do Programa de Doutoramento em Ciências da Saúde da FMUC são, precisamente, da área da Cardiologia. Uma vantagem que, no entender de Lino Gonçalves, resulta numa “estratégia consciente de tentar envolver os clínicos na investigação”. Deste modo, “o objetivo é tentar proporcionar-lhes uma oportunidade de aprendizagem adicional, de se valorizarem”, indica o diretor da clínica universitária. 

“Como diz a Professora Catarina Resende de Oliveira, é suposto que, no final de um programa de Doutoramento, a pessoa saia diferente daquilo que era quando entrou, e diferente, obviamente, para melhor”, afirma. Algo que Lino Gonçalves tem tido a oportunidade de presenciar: “as pessoas que fazem o Programa de Doutoramento saem dele melhores, mais completas e com o espírito crítico muito mais elevado, o que acaba por se repercutir num melhor tratamento dos nossos doentes”.

Assim, o diretor da Clínica Universitária de Cardiologia considera que esta estratégia de ter um número elevado de doutorados no Serviço de Cardiologia irá dar ainda mais frutos, a médio e longo prazo, do que aqueles que já tem dado, com o Serviço a valorizar-se cada vez mais.


As elevadas taxas de mortalidade por doença cardiovascular

Em Portugal, as doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade e morbilidade. Questionado acerca do que será necessário fazer para reverter esta tendência – uma maior sensibilização da população ou um maior investimento financeiro e em recursos nesta área – Lino Gonçalves admite que a resposta é complexa, já que não se pode apostar apenas na sensibilização ou no investimento: “acho que têm de existir várias iniciativas, mais ou menos simultâneas”.

O diretor da Clínica Universitária de Cardiologia considera, por isso, ser “fundamental formar e informar a população, com qualidade”, já que entende que é muita a informação veiculada, mas que esta nem sempre é coerente, o que acaba por confundir as pessoas e, eventualmente, “levá-las a manterem os seus maus hábitos, ou até a adquirirem-nos”.

“Provavelmente, muitas pessoas desconhecem que fazer exercício físico regular – e quando digo regular estou a referir-me a cerca de 150 minutos de caminhada ou 75 minutos de corrida por semana – reduz em cerca de 20 a 30 por cento a mortalidade cardiovascular”, indica Lino Gonçalves, referindo, igualmente, que este é apenas um “exemplo de uma informação muito simples, mas que tem um impacto em termos de redução da mortalidade cardiovascular muito significativa”.

A par de uma adequada promoção da literacia em saúde da população, é também “fundamental o avanço da ciência”. Neste âmbito, o diretor da Clínica Universitária de Cardiologia refere um artigo de Eugene Braunwald, considerado “um dos grandes pais da Cardiologia moderna”. Esse artigo mostra a mortalidade cardiovascular na sociedade ocidental ao longo das décadas, desde o início do século XX até à atualidade.

Lino Gonçalves comenta que o gráfico apresentado no artigo é “muito interessante, já que mostra que a mortalidade cardiovascular se manteve mais ou menos constante desde o início do século XX até ao início dos anos 70, quando se começa a ver um decréscimo da mortalidade cardiovascular”. O artigo estabelece, por isso, um “paralelismo entre esse decréscimo da mortalidade cardiovascular e determinados avanços científicos, tecnológicos e farmacológicos que aconteceram na mesma altura”.

O diretor da Clínica Universitária de Cardiologia salienta que esta é uma prova de que o avanço do conhecimento e da ciência resultam num impacto muito positivo para a população. “Temos de continuar a investir na investigação científica, porque isso vai trazer benefícios para as gerações futuras”, menciona.


O agravamento das patologias cardíacas na primeira vaga da pandemia de COVID-19

Com a pandemia, houve uma quebra significativa no número de doentes que recorreram à urgência com patologias cardíacas agudas, como o enfarte do miocárdio ou o AVC. Foram também vários os doentes com estas patologias que recorreram às urgências muito mais tarde do que aquilo que seria aconselhável, o que tem diversas repercussões negativas na sua recuperação.

“Esta foi, infelizmente, uma tendência que se verificou, não apenas no nosso País, mas também a nível internacional, em que o medo de serem contaminadas fez com que as pessoas, ou não viessem ao hospital, ou aguentassem os seus sintomas até não lhes ser possível aguentarem mais”, menciona Lino Gonçalves.

Assim, os doentes que recorreram às urgências hospitalares chegaram em pior estado do que aquele que é habitual. “Por exemplo, no contexto do enfarte agudo do miocárdio, isso é muito marcante, porque o tempo é um fator crucial para que o doente possa ser tratado com resultados positivos”, salienta o diretor da clínica universitária. Como consequência, “a mortalidade destes doentes foi maior do que aquela a que estávamos habituados a ver quando os doentes recorriam atempadamente aos cuidados médicos cardiovasculares”. 

Este cenário crítico pode, no entanto, ter tido consequências ainda mais negativas do que aquelas que são conhecidas, dado que muitos dos doentes com patologias cardíacas agudas podem nem ter chegado a recorrer à urgência dos hospitais, acabando por falecer.

 

As possíveis sequelas cardíacas causadas pela infeção pelo novo coronavírus

  No contexto da atual pandemia, tem sido amplamente abordada a possibilidade de as pessoas que contraíram o novo coronavírus virem a desenvolver sequelas cardíacas. Conforme explica o diretor da Clínica Universitária de Cardiologia, “este é um vírus que não só acaba por ter um impacto bastante mais negativo em doentes cardiovasculares, como também pode, por si, provocar dano no coração” em doentes sem patologias cardíacas anteriores. 

“Isto poderá ter consequências a médio e a longo prazo que, neste momento, ainda não sabemos exatamente quais são”, avança, uma vez que este é um vírus relativamente recente. “Alguns doentes sofrem os processos de infeção e depois fazem uma recuperação completa, mas há outros que continuam com alguma disfunção”, declara. Deste modo, será preciso ainda algum tempo para perceber, na plenitude, o impacto futuro desta infeção no coração.


A experiência na direção do Serviço de Cardiologia do CHUC 

“Toda a minha formação clínica foi feita nos HUC, numa altura em que havia dois Serviços de Cardiologia na nossa cidade, um no HG e um nos HUC”, afirma Lino Gonçalves. Em 2013, o diretor da Clínica Universitária de Cardiologia aceitou o convite do então Conselho de Administração do centro hospitalar e esteve, nos cinco anos seguintes, a chefiar o Serviço de Cardiologia do HG, até 2018. Depois, e por reforma do diretor que estava no Serviço de Cardiologia dos HUC, surgiu a intenção de se fazer a fusão dos dois serviços num só Serviço de Cardiologia, “gigante, como é, hoje, o Serviço de Cardiologia do CHUC”, afirma o atual diretor deste Serviço.  

Por esse motivo, o maior desafio para Lino Gonçalves tem sido, precisamente, este processo de fusão, de dois serviços que, por si só, “eram já grandes e muito diferenciados” em apenas um Serviço de Cardiologia, que envolve quase três centenas de profissionais de saúde distribuídos pelos dois polos. “Não é de estranhar que uma das primeiras medidas que eu tenha tomado foi comprar um sistema de videoconferência profissional para colocar os dois polos em comunicação, a nível dos vários grupos profissionais”, declara.

Das várias e complexas medidas que fazem parte deste processo de fusão dos serviços, iniciado em 2018, estão a fusão dos sistemas informáticos ou a acreditação da Direção-Geral da Saúde (DGS) do Centro de Referência de Cardiologia de Intervenção Estrutural do CHUC. Entretanto, veio a pandemia de COVID-19, que tem tido um forte impacto no Serviço de Cardiologia. Na primeira vaga, uma parte deste serviço no polo HG ficou inclusive dedicada apenas a doentes infetados pelo novo coronavírus. Algo que, de momento, já não acontece, embora o Serviço continue a fazer desfasamento de horários para conseguir continuar a dar resposta a todos os doentes.

“Todas estas mudanças provocadas pela fusão dos serviços e que aconteceram em pouco tempo têm sido desafiantes, e só tenho a dizer o melhor desta equipa fantástica de profissionais que, apesar de todas estas mudanças, adaptações e exigências, tem sabido responder extremamente bem a todas as situações, ajudando muito os doentes cardiovasculares, tanto aqui da região Centro como de todo o País”, salienta.


por Luísa Carvalho Carreira