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Francisco Corte Real 

Francisco Corte Real é, desde 2017, o presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF). Quando assumiu o cargo, revelou que um dos principais problemas que planeava resolver era o elevado número de pendências. Um objetivo que, conforme relata, tem vindo a ser cumprido, a par de vários outros.


Que avaliação geral faz destes quatro anos no cargo?
Faço uma avaliação muito positiva dos resultados do Instituto. Quando iniciei funções, em janeiro de 2017 e apesar de conhecer bem o Instituto e os seus problemas, fiz diversas visitas aos principais interlocutores da Medicina Legal – designadamente a Procuradoria-Geral da República, os Tribunais da Relação, o Bastonário da Ordem dos Advogados e a Provedora de Justiça – e ouvi aquilo que era já do meu conhecimento: que a Medicina Legal é respeitada, considerada e é reconhecida a sua qualidade, mas que tinha um grande problema, que era a questão dos atrasos e das pendências. 

Entendo que a Justiça só é eficaz se for célere. É inaceitável que um processo médico-legal demore um ano, por exemplo. Sabemos que, das 200 mil perícias que o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) faz por ano, algumas são mais complexas, mas, ainda assim, este tempo de resposta é inaceitável.

Foi feito um esforço conjunto, que ainda não terminou, mas que já permitiu uma redução, neste triénio, de cerca de 64 por cento das pendências processuais. Dos 5694 processos pendentes no início de 2017, passámos para 2070 processos pendentes no início de 2020. No Conselho Médico-Legal, a recuperação das pendências está praticamente terminada, já que houve uma recuperação de mais de 90 por cento dos atrasos: dos 390 pareceres pendentes no início de 2017, passámos para 15 pareceres no início de 2020.

Estes resultados refletem-se na vida das pessoas. Há vítimas, ou familiares de vítimas, que ficam completamente dependentes, do ponto de vista financeiro, de uma indemnização a que têm direito na sequência de um acidente que tenha causado a morte de uma pessoa ou lesões com sequelas numa pessoa viva.

Quando iniciei estas funções, recebia, com muita frequência, telefonemas, mensagens de correio eletrónico ou cartas de pessoas a passarem mal, com dificuldades, e isso custava-me muito. Custava-me porque nós temos a obrigação, enquanto servidores públicos, de responder às necessidades das pessoas. Por essa razão, este foi o nosso primeiro e principal objetivo. Só depois da “casa arrumada” é que se consegue, realmente, fazer muitas outras coisas. Cumprir este objetivo tem sido um processo que envolve todos, tanto médicos quanto outros profissionais do Instituto. Tem sido um esforço conjunto a nível nacional.

O INMLCF tem 35 serviços espalhados pelo País. Tem a sede e a delegação do Centro, aqui em Coimbra [Polo III da Universidade de Coimbra – Polo das Ciências da Saúde], tem as delegações do Porto e de Lisboa e tem também uma rede de 27 Gabinetes Médico-Legais e Forenses e outras cinco extensões, espalhadas pelo território continental e ilhas. É uma estrutura muito complexa e vasta e só mesmo com o esforço de todos tem sido possível dar uma resposta muito mais célere. Mas este esforço ainda não acabou. Só acabará quando não houver uma única pendência.


No final de 2017, o seu primeiro ano de mandato, referiu que esse tinha sido o pior ano para o INMLCF, devido a tragédias como os incêndios de junho e outubro, a explosão pirotécnica em Lamego ou a queda de uma árvore na Madeira, das quais resultaram muitas mortes. Agora, no final de 2020, mantém essa opinião?
Cada caso é um drama para quem o vive e normalmente os que nos chegam são graves. Vivemos aqui com dramas, situações de mortes e de acidentes. São sempre situações complexas. Mas em termos globais, o ano de 2017 foi realmente o pior ano e o mais difícil. Foi-o pela tragédia dos incêndios, não só pelo elevado número de mortes e pelas condições em que essas mortes ocorreram – este foi, aliás, um caso que sensibilizou todo o País – mas também pelos exames que tiveram de ser feitos às pessoas que sobreviveram. O sofrimento por que estas pessoas passaram e que nos relataram foi algo que nos custou muito ouvir, mesmo para médicos e profissionais com muitos anos de experiência a lidarem com casos graves. 

E presumo que, para si, tenha sido também difícil e um grande desafio pelo facto de estar a lidar com uma situação desta dimensão naquele que era o seu primeiro ano na presidência do INMLCF.

Sim, foi muito difícil. Apesar de nunca podermos estar completamente preparados para uma tragédia desta dimensão, contamos com profissionais muito experientes e com muitos anos de casa. Tivemos de nos adaptar e de dar uma resposta rápida trabalhando conjuntamente com a Polícia Judiciária e sempre com o apoio do Ministério Público. Conseguimos, de uma forma muito célere, fazer a identificação dos corpos e a sua entrega às famílias, porque as pessoas que aqui trabalham têm uma grande disponibilidade para ajudar, sem ser sequer preciso pedir.

Muitas vezes, os acidentes acontecem à noite ou ao fim de semana e há sempre muitos profissionais que se oferecem para ajudar. Isso aconteceu por ocasião dos incêndios também. A nossa Unidade de Intervenção Forense em Catástrofes entrou imediatamente em funções e eu próprio fui ao local dos incêndios na primeira noite. Rapidamente se constituiu uma equipa, não só de profissionais aqui do Centro, como de outros profissionais de outros pontos do País, de Norte a Sul.

O facto de sermos um instituto nacional faz com que haja um envolvimento maior e uma reposta também nacional a este tipo de situações, que seria totalmente diferente do que se fosse uma resposta dada apenas por profissionais aqui de Coimbra, por exemplo, sendo em menor número.


Essa articulação a nível nacional ajuda a que os profissionais se mobilizem mais?
Ajuda muito. Naturalmente que estamos sempre a tentar aperfeiçoar. Nunca sabemos quando poderá acontecer outra tragédia. E, quando essa tragédia acontece, temos de saber dar a devida resposta, permitindo uma rápida identificação dos corpos e a respetiva entrega às famílias. É essa a nossa função e foi isso que aconteceu em 2017.  

Estou no Instituto há 26 anos e, ainda assim, mesmo com todos estes anos no Instituto, 2017 foi indubitavelmente o ano mais difícil, o mais marcante. Mas os nossos profissionais conseguiram dar uma resposta que dignificou o País. Isso é importante e é a nossa obrigação, enquanto profissionais de uma instituição desta natureza. Lidamos com o que é mais difícil da vida. Lidamos com pessoas que tiveram acidentes ou que foram afetadas pela morte de alguém. Estas pessoas estão muito fragilizadas. Por isso, temos de responder com brevidade, de modo a ajudarmos as pessoas e a Justiça a tomar decisões de forma célere.

É isso que tentamos fazer: com celeridade, mas também com qualidade. Por isso, temos de assegurar as devidas condições dos nossos equipamentos, metodologias e procedimentos. E a formação dos profissionais tem também de acompanhar essa tendência. Temos de assegurar a celeridade e a qualidade, porque a independência já existe. Cada profissional é plenamente independente no seu parecer e nas suas conclusões. Esta autonomia é, aliás, muito própria dos serviços de Medicina Legal a nível europeu, mas é importante dizê-lo porque, a nível mundial, isso nem sempre acontece.
Francisco Corte Real

O INMLCF é também a entidade responsável pela Base de Dados de Perfis de ADN. Como funciona e quem integra esta base de dados?
Temos uma legislação que é muito garantística dos direitos individuais. Por esse motivo, a nossa Base de Dados de Perfis de ADN, que está sediada aqui em Coimbra, tem diversos ficheiros. E tem, fundamentalmente, dois grandes objetivos: o apoio à investigação criminal e o apoio à identificação civil. 

No que se refere à vertente criminal, esta base de dados inclui, por um lado, aquilo a que chamamos ‘amostras problema’, que são aquelas amostras que não estão identificadas, mas que apareceram no local de um crime. Por exemplo, se há um homicídio e é obtida uma mancha de sangue que não se sabe a quem pertence, ou um crime sexual que deixa uma mancha de sémen que não é identificada, essas são ‘amostras problema’, que colocamos num determinado ficheiro. Para fazer a comparação dessas amostras, temos um ficheiro de ‘amostras referência’, com amostras de condenados com pena igual ou superior a três anos. E, mediante uma autorização judicial nesse sentido, podemos também fazer esse cruzamento e comparação com amostras de arguidos.

Na vertente civil, há também dois ficheiros, tal como na vertente criminal: o ficheiro das ‘amostras problema’ e o ficheiro das ‘amostras referência’. Neste caso, uma ‘amostra problema’ pode ser um cadáver ou uma parte de um cadáver que não conseguimos identificar. Por sua vez, uma ‘amostra referência’ pode ser uma amostra de familiares de pessoas desaparecidas, ou uma amostra recolhida na casa de uma pessoa desaparecida num determinado objeto, como uma escova de dentes.

Para além das vertentes criminal e civil, temos ainda um ficheiro de voluntários, de pessoas que queiram disponibilizar o seu perfil. Não precisam de apresentar nenhuma razão para fazê-lo, mas podem querer disponibilizar o seu perfil pelo facto de exercerem profissões de risco, como é o caso de militares ou de jornalistas que vão para cenários de guerra e que pretendem que o seu perfil esteja identificado.

E temos ainda um sexto ficheiro, de profissionais, que existe por causa da questão da contaminação. Um dos grandes problemas da genética forense a nível internacional é a contaminação das amostras por parte de quem trabalha. Por isso, têm de ser tomadas medidas para identificar o problema. Por todos os cuidados que tenhamos e regras apertadas que respeitemos, é muito fácil haver uma contaminação de uma amostra por parte da pessoa que está a manipulá-la, especialmente quando falamos de ‘amostras problema’ com material muito reduzido ou degradado.

Considera que a Medicina Legal e as Ciências Forenses são devidamente valorizadas? Falamos de especialidades intimamente ligadas ao exercício da Justiça.

Acho que tem havido uma valorização progressiva. Isso traduz-se, por exemplo, pelo facto de a própria carreira médica na Medicina Legal ter vindo a ser progressivamente equiparada às carreiras médicas de outras especialidades.

Foi aprovado pelo Ministério da Justiça um diploma em julho deste ano que permite que todos os médicos recém-especialistas entrem, de forma imediata, na carreira médica no Instituto. Antes, isso não era assim. Chegou a acontecer os médicos recém-especialistas em Medicina Legal terem de aguardar dois, três ou quatro anos para entrarem na carreira e isso desmotivava-os muito e fazia com que fossem procurar outras especialidades nos hospitais.

Do mesmo modo, foi feito um acordo coletivo de empregador público com os sindicatos médicos, no sentido de equiparar o regime de prevenção das escalas médicas e os descansos compensatórios às outras especialidades médicas. E ocorreram também as primeiras promoções na carreira desde 2005. Têm sido passos muito importantes e muito merecidos pelos médicos do INMLCF.

Agora, ainda não está tudo resolvido, naturalmente. Há ainda aspetos a serem concretizados e isso acontecerá pouco a pouco. Mas o Ministério da Justiça tem apoiado o INMLCF nesta equiparação das carreiras médicas e esse foi um passo muito importante, que resultou na entrada de vários médicos no Instituto nos últimos anos. Em 2016, tínhamos 43 médicos no mapa do Instituto a nível nacional. No final deste ano, teremos 75 médicos. E não falamos apenas de médicos, pois temos também muito bons especialistas superiores de medicina legal, psicólogos, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, técnicos ajudantes de medicina legal, entre outros, para além das carreiras gerais.

O INMLCF tem cerca de 700 profissionais e cerca de metade pertencem ao mapa do Instituto. A outra metade são prestadores de serviços que continuaremos a manter. Se tivermos, por exemplo, um ou dois casos por mês em que exista uma agressão com uma lesão ocular e precisarmos de um parecer de um oftalmologista, não precisamos que o oftalmologista esteja no mapa do Instituto. Nesses casos, basta um contrato de prestação de serviços.


Sempre se interessou pela Medicina Legal, ou houve alguma altura em que tenha pensado seguir outra especialidade? Como é que surgiu esse interesse? 

Surgiu porque eu gostava de Medicina e gostava também de Direito. Quando acabei o curso de Medicina, tomei a iniciativa de me dirigir ao Instituto para saber, no fundo, se podia vir trabalhar aqui. E foi assim que tudo começou. Ainda hoje gosto muito de Direito e acho que a sua ligação à Medicina é muito importante.

Entendo que a atividade médica que se exerce na Medicina Legal é tão ou mais importante do que a Medicina Clínica. Um exame médico-legal, que pode ajudar um tribunal a condenar ou não um indivíduo, tem uma relevância muitíssimo grande. Naturalmente que as pessoas estarem bem de saúde e não terem doenças é muito importante. Mas é também muito importante aquilo que resulta das avaliações e dos relatórios médico-legais. A honra e a dignidade das pessoas resultam, muitas vezes, daquilo que se conclui aqui, e isso é mais importante do que a própria saúde.

Lidamos com uma área muito sensível da vida das pessoas. Alguém poder ser condenado ou não, alguém poder ter uma indemnização da qual precisa para viver ou não: isto é muito relevante. Por esse motivo, o que aqui se faz, apesar de não ser intervenção clínica, é tão ou mais importante quanto o que é feito aqui ao lado, nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), por exemplo.


E quais são os seus planos para os próximos anos à frente deste Instituto, para além do esforço que, conforme referiu, tem vindo a ser feito relativamente à redução das pendências? 

Temos vários outros objetivos pensados para o INMLCF. Em termos de qualidade, por exemplo, temos vindo a aprovar novas normas, nomeadamente nas áreas mais deficitárias.

Temos também vindo a fazer cursos de pós-graduação e especialização em áreas nas quais existe essa necessidade. Fizemos cursos para Técnicos de Autópsias, cursos na área da Psiquiatria e da Psicologia Forense, na área da Anatomia Patológica Forense, em Avaliação do Dano Corporal e estamos a fazer novamente o curso de especialização em Medicina Legal e Ciências Forenses.

Neste momento, está também a ser finalizado um Tratado em Medicina Legal, que é o primeiro tratado nacional neste âmbito. É importante passar a escrito a experiência deste Instituto e dos seus profissionais, não só para permitir que os profissionais mais novos aprendam com essa experiência e tenham um apoio escrito que lhes sirva de orientação, mas também para que magistrados, advogados e outros interessados nestes temas não tenham de recorrer a tratados estrangeiros em caso de necessidade.

Estamos também a otimizar e a criar plataformas informáticas que permitam que se perca cada vez menos tempo com aquilo que não é a essência da perícia. O INMLCF foi, por exemplo, pioneiro, na Administração Pública, a proceder à faturação eletrónica. Desde o início do ano passado, o nosso programa permite que, quando um relatório médico-legal é concluído, saia de forma automática uma fatura para os tribunais. Outro programa automatizado que estamos a desenvolver diz respeito à marcação de perícias. Neste momento, um cidadão pode ir ao Portal da Justiça na internet para fazer a solicitação de um exame. Estamos também a proceder à ligação informática aos hospitais e aos tribunais. Estamos a reforçar a informatização e a interoperabilidade das plataformas eletrónicas utilizadas no INMLCF.

Em termos de condições físicas do Instituto, começámos no ano passado e terminámos este ano a passagem para este edifício [sede e delegação do centro do INMLCF no Polo III da Universidade de Coimbra – Polo das Ciências da Saúde] e instalámos os dois últimos gabinetes médico-legais que faltavam, em Santarém e em Cascais. Estamos a trabalhar com o Ministério da Justiça no projeto para a nova Delegação do Norte no Porto.

Estamos também a fazer uma aposta grande em termos da renovação de equipamentos, permitindo que estejamos a par do que melhor se faz a nível mundial. Por exemplo, com a pandemia, avançámos para o reforço dos equipamentos que permitem a realização das autópsias virtuais e da imagiologia ligada à patologia forense.

E tem também havido um esforço no sentido de haver uma ligação aos serviços médico-legais dos países de Língua Portuguesa, através da formação e de outros projetos. Criámos uma rede de serviços médico-legais e forenses, que anualmente se reúne. Este ano não pudemos fazer essa reunião, devido à pandemia.


Francisco Corte Real

De que forma tem contribuído o INMLCF para o ensino e a investigação na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC)?
Entendo que há três vertentes que têm de estar sempre ligadas e que são a prestação de serviços, o ensino e a investigação. Acho que para se trabalhar com qualidade tem de se ter esta tripla vertente.  

No que diz respeito ao ensino, é muito importante que os alunos tenham a possibilidade de vir aqui assistir a uma autópsia ou a avaliações do dano corporal, como começou recentemente a acontecer. É também importante que os alunos do Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses possam desenvolver aqui as suas teses.

Depois, em termos de investigação, temos vindo a fazer projetos conjuntos que devem ser reforçados, especialmente agora que este edifício está ao lado da Faculdade. E esse reforço também se aplica à prestação de serviços. A FMUC tem bons laboratórios que prestam serviços ao exterior. É importante que se promova a sua ligação com a vertente médico-legal. Se a FMUC presta serviços de qualidade e o INMLCF necessita desses serviços, não precisamos de os instalar aqui. Não devemos duplicar serviços, deve haver partilha entre os serviços públicos. Isso é que faz sentido.

Foi, aliás, esse princípio que presidiu à instalação dos gabinetes médico-legais do País junto aos hospitais, proporcionando a partilha das salas de autópsia e das câmaras frigoríficas. Se há estruturas que funcionam bem e com qualidade, não deve haver duplicação e essas estruturas devem ser rentabilizadas. A Administração Pública deve trabalhar em conjunto sem duplicar gastos, caso contrário os contribuintes estarão a pagar duas vezes aquilo que precisariam de pagar apenas uma vez.

Além disso, o protocolo existente entre a Universidade de Coimbra (UC) e este Instituto permite que os alunos aqui venham como se estivessem a visitar instalações da própria universidade. Claro que os alunos que aqui entram estão obrigados ao segredo de justiça. Existem regras estritas sobre quem assiste às perícias. Não autorizamos pessoas que não tenham um interesse legítimo a fazê-lo. Quem o faz são, designadamente, alunos de Medicina, de Direito e, pontualmente, alguns alunos de outros cursos, como o de Enfermagem. É importante haver esta ligação entre o INMLCF e as Faculdades de Medicina, naturalmente com a FMUC, em Coimbra, mas também com as outras faculdades de Medicina do País.


Tendo em conta a sua experiência enquanto professor, considera que a popularidade de séries televisivas de investigação criminal, como ‘CSI – Crime Sob Investigação’ ou ‘Mentes Criminosas’, podem contribuir para o interesse dos alunos pela área da Medicina Legal e das Ciências Forenses? 
Sim. Não vou dizer que não contribuiu até porque contribuiu muito. Posso dizer que a Medicina Legal, desde há duas décadas, tem tido uma atratividade muitíssimo grande. Há muita gente a querer vir trabalhar para a Medicina Legal e a querer fazer formação nesta área.

Esse foi um aspeto positivo e não temos conseguido sequer dar resposta a tantas solicitações de estágios e de teses de investigação. Houve um aumento da relevância e do interesse por esta área que não existia há 20 anos. Há, no entanto, um pequeno problema: as pessoas habituaram-se a ver nessas séries que tudo se resolve numa hora.

Precisamente, parece ser sempre muito rápido fazer-se uma autópsia, uma análise de ADN ou uma recolha de impressões digitais. Quanta da informação que vemos nestas séries corresponde à verdade?

Pois, é sempre muito rápido e corre sempre tudo bem! E essa não é a realidade. Basta que tenha ocorrido um crime e não tenha ficado nenhuma amostra no local para que o estudo genético não dê qualquer tipo de resultado e, se não há amostra, não há resultado. Normalmente, nessas séries há sempre resultados e que são obtidos de forma rápida.

Há esse exagero na apresentação dos resultados, quando, na verdade, nem sempre se consegue saber a causa de morte de uma pessoa. E isso acontece em Portugal como em qualquer outro instituto de Medicina Legal do mundo, com mais ou menos capacidade financeira.

Nas séries, consegue sempre saber-se tudo e chegar a todas as conclusões no espaço de uma hora. É compreensível: estamos a falar de ficção. Mas, em termos gerais, o facto é que chamou a atenção para esta área. Existe, realmente, uma atratividade muitíssimo grande, por vezes até demasiada.

Demasiada no sentido de terem aparecido algumas licenciaturas, em Ciências Forenses ou na área da Criminologia, por exemplo, que acabaram por beneficiar muito desse interesse generalizado nestas áreas. O problema é que, depois de licenciadas, as pessoas com essa paixão e esse interesse por estas áreas acabam por não conseguir exercer a profissão para a qual se formaram.

Não digo que se esteja a enganar as pessoas, porque quem escolhe um curso já é adulto e tem obrigação de informar-se sobre a empregabilidade do mesmo. Mas, às vezes, custa-me ver essas pessoas nas entrevistas para o mestrado [em Medicina Legal e Ciências Forenses da FMUC], que têm uma paixão grande por uma área na qual não conseguem emprego. Isso custa-me bastante.


por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Francisco Corte Real


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