Se não fosse médico, diz que seria… médico. Tal é compreensível: o seu pai, otorrinolaringologista que também cursou Medicina em Coimbra, estava sempre disponível para ver e ajudar os seus doentes e é, por isso, a sua grande referência. “Era o único médico que havia no distrito da Guarda e estava 24 horas por dia e 365 dias por ano de serviço”, conta, ressalvando que isso não significava, no entanto, que não estivesse igualmente disponível para a sua família. Por essa razão, António Diogo de Paiva sempre soube, desde cedo, que também queria ser médico. Otorrinolaringologista, claro.
É natural da Guarda, onde nasceu em julho de 1946, mas afirma que agora também já é de Coimbra: “a nossa terra é onde trabalhamos e eu já estou cá desde outubro de 1964, mas não renego a minha terra natal, de que gosto muito e à qual continuo ligado”. Afinal, é lá que estão as suas raízes e memórias da infância, das quais se lembra bem, como a aprendizagem das primeiras letras, com os avós paternos, ambos professores primários, ou os passeios com o avô materno. “O meu avô [materno] era militar e lembro-me de coxear quando íamos passear, porque ele queria que eu acertasse o passo, que era uma coisa dificílima, mas eu lá fazia o que podia!”, refere.
É quando fala da terra de onde é natural o seu pai que António Diogo de Paiva deixa transparecer o seu interesse pelo campo e pelos seus animais. “O meu pai nasceu no Jarmelo, que é uma região com características muito particulares”, começa por indicar, “e sucede que a minha família, desde há algumas gerações, tem uma propriedade na região de Pinhel, com condições singulares para os vinhos”.
Por esse motivo, António Diogo de Paiva dedica-se à viticultura, sendo que as uvas da vindima são tratadas pela Adega Cooperativa de Pinhel. “Atualmente, os vinhos da Beira Interior têm grande qualidade, e a prova dessa qualidade são as medalhas ganhas em concursos nacionais e internacionais”, explica. Para além disso, tem também vários animais na propriedade: “vacas jarmelistas, cavalos puro-sangue lusitano, cães da Serra da Estrela e cães para ajudar na caça às perdizes”.
Mas voltemos agora à sua infância para seguirmos novamente viagem pelo percurso de vida de António Diogo de Paiva, já que as suas lembranças são muitas e ajudam-nos a trilhar o caminho até aos dias de hoje.
Conta-nos que a sua infância, “muito feliz e simpática”, foi passada no Bairro do Bonfim, onde havia “muita miudagem e brincava na rua” com os seus amigos, “alguns dos quais já partiram”. A escola também faz parte das suas boas memórias. “Lembro-me muito do meu professor primário: era exigente e rígido com os alunos, mas muito boa pessoa e um pedagogo fantástico”. Sempre teve, por isso, a tal “grande ligação à Guarda, que é uma terra que se mantém com características muito peculiares, onde as pessoas se conhecem quase todas e vivem muito à volta do antigo castelo da cidade”.
Hoje, reencontra esses amigos que fez na Guarda recorrendo a contactos mais tecnológicos: “não sou um ‘facebookiano’, longe disso, mas, na verdade, foi no Facebook que encontrei uma série de amigos, que hoje até aqui passam para darmos um abraço, à exceção deste ano, claro, em que isso não tem sido possível”, lamenta.
A infância, foi, por isso, uma fase marcante e de boas recordações. Feita a quarta classe, António Diogo de Paiva fez a admissão ao Liceu: “entrei no Liceu Nacional da Guarda, que agora se chama Escola Secundária de Afonso de Albuquerque, e lá estudei até ao 7º ano [atual 11º ano], altura em que fiz a admissão à universidade, aqui em Coimbra”.
Corria o ano letivo de 1964/1965 e a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) ganhava, assim, um novo caloiro. As recordações dos tempos de curso são, tal como as da infância, marcantes e positivas. “Era fantástico estudar em Coimbra: os estudantes viviam muito na Alta e iam até à Baixa para um passeio pelo Quebra Costas, mas também para ver as meninas”, graceja. António Diogo de Paiva salienta também o facto de considerar que o seu curso terá sido, “se não o melhor dos últimos 50 anos, certamente um dos melhores”, pelo facto de ter tido alunos que se destacaram, tanto no decorrer do curso, como na sua posterior vida profissional e académica.
“Para além disso, integrei-me muito facilmente na Faculdade e, como sempre gostei de futebol, acabei por pertencer também à direção da Académica”, conta. O seu pai tinha sido jogador nas reservas deste clube e, por esse motivo, António Diogo de Paiva “já era sócio da Académica, desde pequenito”. Assim, passados cerca de dois anos de ter chegado a Coimbra, foi convidado a candidatar-se à direção da secção de futebol, onde esteve “durante três anos”, conforme faz saber.
António Diogo de Paiva encontrava-se na direção da Académica, como vice-presidente, em 1969, naquele que foi um “ano carismático na vida académica”. Viveu, assim, de perto, a Crise Estudantil, que diz ter ficado amplamente conhecida por causa do futebol: “nessa altura, não havia internet e havia censura, e a Académica foi ao jogo da Final da Taça de Portugal, contra o Benfica, entrando em campo de capas caídas para manifestar o descontentamento dos estudantes com o regime; isso teve um impacto enorme”, conta. Apesar de hoje assumir que já não acompanha os jogos de futebol, António Diogo de Paiva acabou por fazer, assim, parte da final da Taça de Portugal: “mas não enquanto jogador, porque não tinha jeito”, ressalva, em tom de brincadeira.
Em 1971, António Diogo de Paiva termina a licenciatura em Medicina, seguindo-se a especialidade em Otorrinolaringologia e a entrada na FMUC como assistente. É passado algum tempo que se candidata a uma bolsa de estudos para fazer o seu Doutoramento. “Concorri ao INIC de então – Instituto Nacional de Investigação Científica – e consegui uma bolsa desse instituto”, indica. Assim, António Diogo de Paiva escolheu ir para aquele que, na altura, “era considerado um dos melhores Serviços de Otorrinolaringologia do mundo: o da Clínica Universitária de Bordéus”. A bolsa tinha uma duração inicial de nove meses. Mas esses nove meses rapidamente passaram, e António Diogo de Paiva acabou por ficar em Bordéus por quatro anos.
“Passados os primeiros nove meses, ainda não tinha adiantado muito a minha tese. Encontrava-me a levantar bibliografia e esse processo demorava algum tempo, não era tão fácil como agora”, começa por referir, adiantando que Michel Portmann, diretor da Clínica Universitária de Bordéus, “sugeriu que trabalhasse acerca do tema da síndrome retrolabiríntica” na tese de doutoramento.
Foi também na altura em que desenvolveu a sua tese em Bordéus que “os exames imagiológicos deram o grande salto, nomeadamente a TAC, tomografia computorizada, e a ressonância magnética, que começou a ser feita” na altura em que regressa a Portugal. Essa é a “grande modificação dos diagnósticos a todos os níveis”, porque até então estes eram, na sua maioria, apenas clínicos.
Depois dessa experiência enriquecedora em Bordéus, onde desenvolveu a sua tese de doutoramento e conheceu “pessoas de todo o mundo”, António Diogo de Paiva regressou a Portugal, onde defendeu a tese, em 1986, na Universidade de Coimbra. Terminada esta defesa, continuou o seu percurso profissional: na prática clínica, nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e na docência, na FMUC, fazendo “todos os concursos públicos das respetivas carreiras, hospitalar e docente”.
Jubilado desde 2016, o antigo professor catedrático da FMUC afirma que gostou muito de dar aulas e do contacto com os alunos, “que eram sempre muito bem aceites no Serviço”. António Diogo de Paiva refere que tentava sempre dar a conhecer os doentes aos alunos. “Sou muito a favor de uma medicina presencial, com os alunos no campo de batalha, a assistirem às dificuldades e a perceberem que, por vezes, os insucessos também existem. Não há ninguém que nunca falhe”, declara. Do seu percurso profissional, destaca ainda a gratidão que sente pelos seus “mestres, tanto dos HUC como da FMUC”, que sempre o “acompanharam, aconselharam e ensinaram”, bem como pelos seus colegas, “por todo o companheirismo”.
António Diogo de Paiva esteve recentemente envolvido na coordenação do livro ‘Oito décadas de Otorrinolaringologia em Coimbra’, lançado no início deste ano. Este livro é uma compilação de textos das várias pessoas que integram o Serviço de Otorrinolaringologia do CHUC e que estiveram patentes, em 2016, numa exposição aberta a todos os interessados, no átrio principal deste centro hospitalar (HUC). “Pedi a todos que escrevessem pequeninos temas científicos, mas adaptados ao público”, explana.
Um dos principais objetivos desta exposição – e que agora passou para este livro – foi “dar a conhecer ao público as doenças mais frequentes dos ouvidos, nariz e garganta, os seus sintomas, o diagnóstico e terapêutica, com a maior simplicidade e de forma a ser entendida pelos visitantes”, conforme indica António Diogo de Paiva no prefácio. “Este livro é modesto, mas mostra o espírito do Serviço. Isso diz-me muito e deu-me uma grande satisfação lançar este livro”, confessa.
Um desejo para o futuro é, por isso, o de manter estes bons laços familiares, que tanto enriquecem a sua vida. Sobre outros planos que tenha para o futuro, António Diogo de Paiva diz querer continuar a manter-se atualizado e a fomentar as relações profissionais e pessoais que construiu, no País e fora dele, ao longo dos anos e das suas carreiras clínica e académica. Mas não basta sonhar, é preciso agir. “Sonhos, temos todos. Só quem não tem ambição não progride”, conclui.
por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por António Diogo de Paiva