Ainda que os cuidados paliativos sejam transversais a todas as faixas etárias, a sua prestação é mais comum na população mais envelhecida. Nesse sentido, como vê a aposta na área dos cuidados paliativos na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), tendo em conta o destaque dado pela Escola à área do envelhecimento?
Tem havido uma aposta e um reconhecimento crescentes nesta área. Destaco um projeto em que colaborei diretamente com o Professor João Malva, a Professora Catarina Oliveira e a Dra. Maja de Brito e no qual desenvolvemos, no âmbito de um projeto financiado pelo EIT-Health, um módulo de formação à distância sobre como cuidar de pessoas idosas em fim de vida.
Acho que temos vindo a criar alguns elos dentro da Faculdade. E a criação do Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento [MIA-Portugal] é um ótimo setting para potenciar ainda mais estes elos.
A área do envelhecimento é extremamente importante, mas, como referiu, existem também outros grupos que precisam de atenção no que diz respeito aos cuidados paliativos, nomeadamente as crianças com doenças crónicas complexas. E aí, mais uma vez, eu julgo que a Faculdade pode ter um papel importante.
Temos uma docente na Faculdade que é a coordenadora da Equipa Intra-hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos Pediátricos do Hospital Pediátrico de Coimbra: a Dra. Cândida Cancelinha é a primeira pediatra no País a ter a competência em medicina paliativa atribuída pela Ordem dos Médicos. Terá agora, certamente, uma função muito importante na formação de outros médicos e equipas que se dediquem a esta área.
Obviamente que a maior parte das pessoas que morrem têm já idades avançadas, mas há grupos minoritários importantes, como as crianças e os adolescentes, e a FMUC tem potencial para ter impacto e influência também nesta área, a nível nacional.
Os cuidados paliativos são reconhecidamente necessários, já que oferecem vantagens claras para os doentes, mas também para as suas famílias e contactos próximos. Considera que Portugal tem acompanhado essa necessidade, ou seja, existe, atualmente, uma oferta que podemos considerar adequada deste tipo de cuidados no contexto nacional, ou ainda há muito caminho a percorrer?
Há imenso caminho a percorrer. E a Região Centro é das mais debilitadas em termos de apoio aos doentes e às famílias, nomeadamente no domicílio. Nos últimos quatro anos, temos assistido a um plano estratégico por parte do Governo. Este plano desenvolve ações bienais e agora, no final de 2020, chega ao fim a segunda ronda da estratégia nacional para esta área.
Acho que temos vindo a assistir a uma tentativa de impulso e de aumento de serviços e de apoios em cuidados paliativos, mas a verdade é que, em alguns objetivos da estratégia nacional, temos ficado aquém dos objetivos traçados, e quem sofre mais com isso são os doentes e as famílias.
É difícil trabalhar nesta área de prestação de cuidados. Falamos de cuidados complexos e de pessoas vulneráveis, mas também de equipas bastante ágeis e resilientes que prestam este tipo de cuidados. É importante este interesse político ser acompanhado por um investimento financeiro, para que sejam criadas equipas com o devido apoio.
Também temos vindo a assistir, nos últimos dois anos, a iniciativas importantes não governamentais. Nesse sentido, a Fundação La Caixa tem tido um papel que considero muito relevante a nível nacional. Tenho a honra de ser coordenadora científica do programa da Fundação dedicado a esta área em Portugal, o Programa Humaniza.
O coração deste programa consiste na criação de equipas de apoio psicossocial. Em Portugal, foram criadas 10 equipas, uma delas em Coimbra, no Instituto Português de Oncologia (IPO). Estas equipas apoiaram mais de 16 mil pessoas – doentes e famílias – desde 2018.
Este programa também atribui bolsas para a formação de médicos em cuidados paliativos, financia projetos inovadores de movimentos associativos de doentes, familiares e profissionais de saúde e, muito brevemente, vai lançar um concurso de apoio para a criação de cinco equipas domiciliárias de cuidados paliativos, uma delas pediátrica, em parceria com o Ministério da Saúde.
Há iniciativas em curso, mas ainda temos muito trabalho a fazer nesta área. Tem de haver mais financiamento e parcerias, inclusive em investigação.
Há pouco abordou a questão da atual situação pandémica e de uma adaptação da prestação de cuidados paliativos neste contexto. De que forma se tem traduzido essa adaptação nas dinâmicas entre doentes, familiares e profissionais de saúde?
Acho que aprendemos muito na primeira vaga e estamos agora mais preparados para lidar com esta segunda vaga. Mas, de facto, esta situação fez com que muitos contactos presenciais tivessem de ser reduzidos ao mínimo, não só nos hospitais, mas também nas casas dos doentes.
O apoio domiciliário, que é bastante escasso, ainda se tornou mais importante nesta fase em que as pessoas tentam evitar as idas ao hospital. O problema é que esse apoio domiciliário não aumentou. Portanto, as condições em que estes doentes, que necessitam de cuidados, estão em casa são, a meu ver, preocupantes.
No entanto, vemos agora que algumas das equipas e serviços já conseguem agilizar soluções para solucionar os problemas que tiveram na primeira vaga. Uma dessas soluções é o recurso às videochamadas. E, mais uma vez, a Fundação La Caixa desempenhou nesta questão um importante papel, através da doação de tablets a todas as Unidades de Cuidados Paliativos e Continuados do País.
Claro que a presença física é fundamental, mas não podendo existir ou estando limitada, as tecnologias ajudam imenso, e o feedback que vamos tendo por parte dos profissionais no terreno é o de que, de facto, estas tecnologias ajudam e conseguem aproximar as pessoas.
Outra questão importante na prestação de cuidados paliativos é o controlo sintomático. As equipas que prestam estes cuidados são especialistas em controlar sintomas em final de vida, e esses sintomas podem ser muito diversos.
Só para dar um exemplo, foi feito, há alguns anos, um levantamento do número de sintomas que as pessoas reportavam em final de vida, no Reino Unido. E foram identificados, em média por doente, 14 sintomas diferentes. Normalmente, pensamos mais na dor, porque é o sintoma que em geral mais nos preocupa, mas se pensarmos, agora no contexto da COVID, na falta de ar, este é um sintoma que cria bastante ansiedade nos doentes, nas famílias e nos profissionais de saúde também e para o qual não temos tantas estratégias para aliviá-lo, como temos no caso da dor.
As equipas de cuidados paliativos, especialistas em tratar estes sintomas, podem ajudar, fazendo-o em colaboração com equipas de outros serviços, o que, dado o atual contexto que vivemos, é muito importante. Muito importante também são as tomadas de decisão, a preparação dos últimos dias de vida e o apoio ao luto, especialmente em situação de pandemia. Estes são aspetos nos quais as equipas de cuidados paliativos se constituem enquanto mais-valia, em colaboração com outros profissionais.
por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Bárbara Gomes