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Bárbara Gomes 

Bárbara Gomes lidera um estudo inovador acerca das experiências dos cidadãos quanto ao local onde preferem morrer e onde realmente morrem. A investigação decorre em quatro países e tem a duração de cinco anos.

Recebeu recentemente uma bolsa 'Starting Grant' do Conselho Europeu de Investigação, para liderar um projeto sobre cuidados em fim de vida. Que significado tem para si esta bolsa, que é a primeira a ser atribuída nesta área em Portugal?  
Sim, é a primeira em Portugal e, que eu saiba, é a quarta a nível mundial nesta área. É um orgulho imenso fazer parte das pessoas a quem foram atribuídas estas bolsas, porque continua a ser uma área bastante negligenciada e, por isso, todos os projetos que possamos vir a ter em concursos competitivos, que chamem a atenção e que possibilitem fazer investigação neste âmbito, são importantíssimos.

Esta bolsa tem imenso significado para mim, porque, desde o início da minha carreira, estou comprometida com o desenvolvimento dos cuidados paliativos. Ter a possibilidade de fazer este contributo, a nível nacional e mundial, é bastante importante para mim.

E o que nos pode dizer acerca deste projeto [EOLinPLACE – Choice of where we die]?
Este projeto tem a duração de cinco anos e envolve quatro países: Portugal, Holanda, Estados Unidos da América e Uganda. Foca um aspeto importante nos cuidados em fim de vida, que é o local onde as pessoas são cuidadas e onde morrem.

Morrer no local que queremos é um direito humano importante. E sabemos que, muitas vezes, isso não acontece. A maior parte das pessoas parece preferir morrer em casa e acaba por morrer no hospital.

A verdade é que nós ainda não percebemos exatamente qual a justificação para este desfasamento. Um dos motivos para não o entendemos é que raramente conseguimos seguir as pessoas à medida que o tempo avança e a doença progride. É muito difícil, em cuidados paliativos, fazer estudos longitudinais até ao momento da morte dos doentes, tanto com os doentes como com os seus familiares.

Com este projeto, queremos compreender onde as pessoas morrem e classificar melhor esses locais. Por exemplo, os certificados de óbito têm classificações bastante restritas quanto ao local da morte, como “Casa” ou “Hospital” e pouco mais. Morrer dentro de um hospital num corredor, numa Unidade de Cuidados Intensivos ou numa Unidade de Cuidados Paliativos é bastante diferente, tanto do ponto de vista das preferências das pessoas como das condições reais e circunstanciais de cada um destes ambientes.

Queremos não só fazer esse refinamento na classificação do local da morte, mas também compreender tudo o que o precede a morte nesse local, porque achamos que é aí que reside uma eventual explicação do desfasamento que referi.

Ao conseguirmos encontrar uma justificação para esse problema, consideramos que vamos conseguir também ajudar mais pessoas a estarem em melhores condições e onde realmente preferem estar, ou seja, possibilitaremos mais escolhas a estes doentes em fim de vida.

Tem vários trabalhos neste âmbito, focados nos cuidados paliativos. O que tem mudado nesta área, ao longo dos anos em que faz investigação?
Eu acho que as pessoas vão estando cada vez mais sensibilizadas para a importância dos cuidados paliativos. Nesta fase de pandemia, temos observado uma preocupação crescente com os chamados doentes não-COVID, muitos deles com doenças crónicas complexas, e temos visto também que várias pessoas alertam para a importância dos serviços de cuidados paliativos.

Às vezes, é difícil não sacrificar estes serviços em prol de outros, nomeadamente no contexto desta pandemia. Em alguns pontos do País e do mundo, vimos algumas das suas equipas serem mobilizadas para outros serviços, ou mesmo Unidades de Cuidados Paliativos a deixarem de prestar estes cuidados para acolherem outros doentes.

Mas, em termos gerais, as pessoas estão mais conscientes da importância dos cuidados paliativos e do apoio aos doentes em fim de vida. A aproximação entre doentes e famílias por outros meios que não apenas físicos, as competências de comunicação por parte dos profissionais de saúde, o não deixar uma pessoa morrer sozinha ainda que restrita em termos de contactos físicos com os seus entes queridos são todos aspetos de humanização dos cuidados em fim de vida, que acho que agora estão mais iluminados, obviamente, por uma circunstância negativa [pandemia], mas que estão mais enraizados, claros e que já não são tratados como tabu, como eram antigamente.
Bárbara Gomes

Ainda que os cuidados paliativos sejam transversais a todas as faixas etárias, a sua prestação é mais comum na população mais envelhecida. Nesse sentido, como vê a aposta na área dos cuidados paliativos na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), tendo em conta o destaque dado pela Escola à área do envelhecimento?
Tem havido uma aposta e um reconhecimento crescentes nesta área. Destaco um projeto em que colaborei diretamente com o Professor João Malva, a Professora Catarina Oliveira e a Dra. Maja de Brito e no qual desenvolvemos, no âmbito de um projeto financiado pelo EIT-Health, um módulo de formação à distância sobre como cuidar de pessoas idosas em fim de vida.  

Acho que temos vindo a criar alguns elos dentro da Faculdade. E a criação do Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento [MIA-Portugal] é um ótimo setting para potenciar ainda mais estes elos.

A área do envelhecimento é extremamente importante, mas, como referiu, existem também outros grupos que precisam de atenção no que diz respeito aos cuidados paliativos, nomeadamente as crianças com doenças crónicas complexas. E aí, mais uma vez, eu julgo que a Faculdade pode ter um papel importante.

Temos uma docente na Faculdade que é a coordenadora da Equipa Intra-hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos Pediátricos do Hospital Pediátrico de Coimbra: a Dra. Cândida Cancelinha é a primeira pediatra no País a ter a competência em medicina paliativa atribuída pela Ordem dos Médicos. Terá agora, certamente, uma função muito importante na formação de outros médicos e equipas que se dediquem a esta área.

Obviamente que a maior parte das pessoas que morrem têm já idades avançadas, mas há grupos minoritários importantes, como as crianças e os adolescentes, e a FMUC tem potencial para ter impacto e influência também nesta área, a nível nacional.


Os cuidados paliativos são reconhecidamente necessários, já que oferecem vantagens claras para os doentes, mas também para as suas famílias e contactos próximos. Considera que Portugal tem acompanhado essa necessidade, ou seja, existe, atualmente, uma oferta que podemos considerar adequada deste tipo de cuidados no contexto nacional, ou ainda há muito caminho a percorrer?
Há imenso caminho a percorrer. E a Região Centro é das mais debilitadas em termos de apoio aos doentes e às famílias, nomeadamente no domicílio. Nos últimos quatro anos, temos assistido a um plano estratégico por parte do Governo. Este plano desenvolve ações bienais e agora, no final de 2020, chega ao fim a segunda ronda da estratégia nacional para esta área. 

Acho que temos vindo a assistir a uma tentativa de impulso e de aumento de serviços e de apoios em cuidados paliativos, mas a verdade é que, em alguns objetivos da estratégia nacional, temos ficado aquém dos objetivos traçados, e quem sofre mais com isso são os doentes e as famílias.

É difícil trabalhar nesta área de prestação de cuidados. Falamos de cuidados complexos e de pessoas vulneráveis, mas também de equipas bastante ágeis e resilientes que prestam este tipo de cuidados. É importante este interesse político ser acompanhado por um investimento financeiro, para que sejam criadas equipas com o devido apoio.

Também temos vindo a assistir, nos últimos dois anos, a iniciativas importantes não governamentais. Nesse sentido, a Fundação La Caixa tem tido um papel que considero muito relevante a nível nacional. Tenho a honra de ser coordenadora científica do programa da Fundação dedicado a esta área em Portugal, o Programa Humaniza.

O coração deste programa consiste na criação de equipas de apoio psicossocial. Em Portugal, foram criadas 10 equipas, uma delas em Coimbra, no Instituto Português de Oncologia (IPO). Estas equipas apoiaram mais de 16 mil pessoas – doentes e famílias – desde 2018.

Este programa também atribui bolsas para a formação de médicos em cuidados paliativos, financia projetos inovadores de movimentos associativos de doentes, familiares e profissionais de saúde e, muito brevemente, vai lançar um concurso de apoio para a criação de cinco equipas domiciliárias de cuidados paliativos, uma delas pediátrica, em parceria com o Ministério da Saúde.

Há iniciativas em curso, mas ainda temos muito trabalho a fazer nesta área. Tem de haver mais financiamento e parcerias, inclusive em investigação. 

Bárbara Gomes

Há pouco abordou a questão da atual situação pandémica e de uma adaptação da prestação de cuidados paliativos neste contexto. De que forma se tem traduzido essa adaptação nas dinâmicas entre doentes, familiares e profissionais de saúde?
Acho que aprendemos muito na primeira vaga e estamos agora mais preparados para lidar com esta segunda vaga. Mas, de facto, esta situação fez com que muitos contactos presenciais tivessem de ser reduzidos ao mínimo, não só nos hospitais, mas também nas casas dos doentes.  

O apoio domiciliário, que é bastante escasso, ainda se tornou mais importante nesta fase em que as pessoas tentam evitar as idas ao hospital. O problema é que esse apoio domiciliário não aumentou. Portanto, as condições em que estes doentes, que necessitam de cuidados, estão em casa são, a meu ver, preocupantes.

No entanto, vemos agora que algumas das equipas e serviços já conseguem agilizar soluções para solucionar os problemas que tiveram na primeira vaga. Uma dessas soluções é o recurso às videochamadas. E, mais uma vez, a Fundação La Caixa desempenhou nesta questão um importante papel, através da doação de tablets a todas as Unidades de Cuidados Paliativos e Continuados do País.

Claro que a presença física é fundamental, mas não podendo existir ou estando limitada, as tecnologias ajudam imenso, e o feedback que vamos tendo por parte dos profissionais no terreno é o de que, de facto, estas tecnologias ajudam e conseguem aproximar as pessoas.

Outra questão importante na prestação de cuidados paliativos é o controlo sintomático. As equipas que prestam estes cuidados são especialistas em controlar sintomas em final de vida, e esses sintomas podem ser muito diversos.

Só para dar um exemplo, foi feito, há alguns anos, um levantamento do número de sintomas que as pessoas reportavam em final de vida, no Reino Unido. E foram identificados, em média por doente, 14 sintomas diferentes. Normalmente, pensamos mais na dor, porque é o sintoma que em geral mais nos preocupa, mas se pensarmos, agora no contexto da COVID, na falta de ar, este é um sintoma que cria bastante ansiedade nos doentes, nas famílias e nos profissionais de saúde também e para o qual não temos tantas estratégias para aliviá-lo, como temos no caso da dor.

As equipas de cuidados paliativos, especialistas em tratar estes sintomas, podem ajudar, fazendo-o em colaboração com equipas de outros serviços, o que, dado o atual contexto que vivemos, é muito importante. Muito importante também são as tomadas de decisão, a preparação dos últimos dias de vida e o apoio ao luto, especialmente em situação de pandemia. Estes são aspetos nos quais as equipas de cuidados paliativos se constituem enquanto mais-valia, em colaboração com outros profissionais.

por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Bárbara Gomes 


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