Convém, antes de avançar, esclarecer o seguinte: a minha profissão/ocupação é guionista/argumentista. Não sou humorista/comediante. Quer dizer, até/também sou. Mas humoristas/comediantes são daquelas pessoas (imagino eu - sempre) que vão para cima dum palco com um microfone contar histórias para rir. Nem são anedotas, que isso é coisa de urologista; são histórias mesmo. Começam com «Já vos aconteceu…?» ou «No outro dia reparei...» e as pessoas riem-se, sobretudo se o humorista/comediante fizer caretas ou voz de matarruano.
Eu gosto de acreditar que sou guionista/argumentista porque, apesar de escrever humor, há 10 anos que trabalho com as mesmas personagens. São bonecos que passam a vida a ralhar, é certo, mas têm as suas biografias e personalidades coerentes. É como se fosse uma sitcom que vai do youtube à televisão, passando pela rádio e o facebook. Até há um médico invisível que trabalha no CHUC.
Mas adiante.
Há muitas mais ideias de onde essa veio. Algumas delas envolvem médicos, hospitais ou investigação na área da saúde e/ou medicina legal. Aproveito para contar já porque, assim, se algum dia me roubarem estas ideias, eu tenho como provar que as tive antes de Janeiro de 2018.
1. Série policial em que o inspetor/detetive persegue um serial killer. Desesperado, pede ajuda àquela cabeça conservada em formol que está no teatro anatómico da FMUL. A FMUC também tem cabeças, que eu sei, mas estão escondidas para ninguém lá ir mexer. Só que não são cabeças de serial killers, como essa do Diogo Alves, o Assassino do Aqueduto. A cabeça não falava nada com o inspetor/detetive, era tudo imaginação dele; mas era a maneira de ele juntar as peças e tirar conclusões da sua própria cabeça. Tinha epifanias, como o Dr. House no fim de cada episódio. O inspetor/detetive tinha esses delírios porque andava a dormir mal. Andava obcecado com o serial killer e estava a passar por um divórcio.
2. Programa de receitas a partir de enlatados, congelados, secos, etc. Um dia que haja um holocausto nuclear e só sobrem salsichas e bacalhau salgado, quero ver de que é que serviram os 3000 programas de receitas que recomendam «sempre os legumes mais frescos». O futuro é dos desenrascados e das baratas. (Com batatinha nova e robalinho de mar também eu faço magníficos cozinhados, olha a dificuldade…) Receitas é nutrição - outra área da saúde.
3. Uma sitcom com arrumadores chamada «O Antro». Os arrumadores eram todos muito morenos e magros porque eram drogados. Não devemos rir disto, mas a série era tragico-cómica. Tipo Médico de Família ou Super Pai. Havia momentos para rir, momentos para chorar e momentos para pensar. A gente ria-se mas depois chorava e ficava a pensar em como combater o flagelo da droga. É um assunto de saúde pública, por isso também está relacionado com médicos.
4. Um filme de terror dum cirurgião que deixava objetos dentro da barriga dos pacientes. Da primeira vez foi uma compressa, por desleixo; depois foram coisas mais específicas. Acaba com ele a deixar relógios automáticos (daqueles que não precisam de pilha, basta o movimento da pessoa para recarregar) no interior de várias pessoas; pessoas essas que nunca mais deixaram de ouvir aquele tic tac irritante que não as deixavam dormir. Algumas pessoas começavam a ficar doidas e matavam-se; outra só ficavam mal humoradas e descarregavam em esposas/maridos.
5. Voltando ao Dr. House, uma versão dele na Idade Média. Terminava sempre os episódios a fazer sangrias e/ou amputações com a ajuda dum barbeiro. Não dava para muitas temporadas, na verdade. Talvez uma minissérie, vá.
Obrigado a todos os leitores. Tenho a certeza que, agora, testemunharão de bom grado a meu favor se/quando me roubarem alguma(s) destas ideias.
João Moreira
(Co-criador e intérprete da personagem Bruno Aleixo)