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Joaquim Murta

VOICEmed #2
O projeto NECSUS (NEuroadaptation after Cataract and Refractive SUrgery Study) ganhou 400 mil euros, um valor pouco comum à realidade portuguesa. O que significa este prémio e no que vai ajudar?
Este projeto começou há uns anos e, de forma progressiva e consistente, foi ganhando notoriedade científica nacional e internacional. Ganhou uma bolsa anual, aqui na Faculdade, depois concorreu ao prémio Amélia de Mello que venceu, e por fim recebeu o Clinical Research Award 2016, da European Society of Cataract & Refractive Surgeons. Neste último, foi realizado, numa primeira fase, um estudo piloto que demorou quase um ano, e de que resultaram quatro publicações em revistas de quartil um. Isto é consequência de uma estreita colaboração entre a parte clínica e básica. O projeto passou, neste momento, a envolver mais dois centros, um na Bélgica e um na Holanda, e vai ser determinante nesta área científica. Todos falavam em neuroadaptação, ninguém sabia ao certo o que era e, pela primeira vez, provou-se que existe. Isto é fundamental em termos futuros, no desenvolvimento de novas tecnologias, na avaliação e seleção de diferentes modelos lentes bem como na aplicação de estratégias que favoreçam a neuroadaptação. De referir também que vai permitir a realização de diversos doutoramentos, como foi o caso da Andreia Rosa.


Outro projeto, o InEye, pode vir a ajudar pacientes com patologias oftalmológicas crónicas.
Está mais do que demonstrado que os doentes não aderem à medicação de forma adequada quando se trata dessas doenças crónicas. Este é mais um exemplo de colaboração, desta vez com investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra - Marcos Mariz, Helena Gil e Paula Ferreira. Trata-se de um dispositivo que é colocado na parte interna da pálpebra inferior e que liberta a ou as drogas, de uma forma constante, até 100 dias. E está a começar o mesmo processo do NECSUS, com uma vitória no Arrisca C e no EIT Health, tendo ainda concorrido a mais uma série de prémios internacionais.

Mobirise

O projeto de construção da "sala branca" já está implementado? Qual a sua importância?
Esse projeto foi uma autêntica “novela mexicana” aqui na universidade. Andámos cerca de três anos para conseguir a aprovação para as obras, com financiamento assegurado da Fundação Champalimaud para a aquisição de material. Estamos a falar de cerca de 150 mil euros e a reitoria, com as mais diversas justificações, nunca autorizou. Para não se perder a verba, mudámos para o CHUC. O projeto está feito para o piso -2, o valor orçamentado para a obra está praticamente garantido, tudo com a concordância da administração. Vai representar um desenvolvimento tremendo em termos das novas terapias regenerativas, células estaminais, engenharia celular tanto em Oftalmologia como noutras especialidades. É o único local do género em Portugal, nesta área, e penso que vai estar concluído em 2018.


O que mudou na oftalmologia na última década?
A profissão modificou-se radicalmente. Cada vez mais as cirurgias necessárias são minimamente invasivas, tempos de recuperação muito rápidos, possibilidade de dar aos doentes uma melhor qualidade de vida. Contudo há aqui um problema grave, principalmente quando é visto do lado dos economistas e dos gestores. Uma cirurgia de catarata demora 15 a 20 minutos e eles fazem as contas a quantas cirurgias podem ser feitas por hora. Mas uma cirurgia deste tipo só pode correr ou bem ou mal, não há meio-termo. Isso faz com que o nível de exigência tenha de ser extremo, com material altamente sofisticado e com uma equipa médica preparada e capaz. Ou seja, não há um equilíbrio entre a parte financeira e a parte humana.

Há também outra questão, que eu venho a alertar há mais de dez anos. Os médicos estão a ficar assalariados, pela negativa, dos grandes grupos económicos, mas são quem têm o 'know-how', deviam combater essa posição. O médico, quando se forma, e vai para o privado porque o SNS está sem dinheiro, aceita determinadas condições, o que vai resultar numa desvalorização salarial.
Mobirise

Em 2015, numa entrevista à Visão, disse que "não há nada que não se faça no estrangeiro que não se faça cá [CHUC]" e que Coimbra é um exemplo a nível europeu em termos de oftalmologia. Mantém a opinião?
Tirando um tratamento: radioterapia com feixe de protões. Esteve programado para Coimbra e há poucos na Europa. Fora isso, não há nada que se faça no estrangeiro que não se realize cá. Os oftalmologistas, e os médicos portugueses em geral, estão muito bem preparados como é facilmente provado pelo sucesso que têm além fronteiras. Deveríamos, no entanto, apostar muito mais na pós-graduação. É algo muito sério que a Universidade de Coimbra deve refletir. O Plano Estratégico do Conselho Geral, que está a ser elaborado, e que vai obviamente orientar o próximo reitor, poderá dar uma valiosa contribuição nesta matéria.

É obrigatório fazer de Coimbra a cidade da saúde. Em Coimbra há duas coisas de grande referência: a universidade e a saúde, com os hospitais, as clínicas privadas, as empresas ligadas ao setor. É o desígnio da cidade. Falta união e verdadeiro espírito de colaboração entre as estruturas e instituições envolvidas, algumas lideranças carismáticas, bem como uma universidade aberta à sociedade e ao tecido empresarial.


Qual a relevância de Coimbra ter um consórcio como o Ageing?
O Ageing é um dos exemplos da falta de entendimento das pessoas. É um processo que poderia ter sido fantástico, mas está moribundo. O Centro de Portugal foi reconhecido, pela Comissão Europeia, como uma região de referência para o envelhecimento ativo e saudável. Conseguiu-se um 'European Research Area - ERA Chair'. Tínhamos um projeto 'Teaming' de mais de 30 milhões de euros, o apoio e envolvimento muito importante da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional Centro, um projeto de recuperação do antigo Hospital Pediátrico, com a construção de um Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento e um Campus da Vida em Coimbra, mas foi gravemente “ferido” por falta de entendimento e visão estratégica de algumas pessoas da cidade.

O processo começou comigo, quando estava na direção da faculdade, com uma equipa totalmente dedicada ao projeto durante cerca de três anos. Tínhamos dois grandes parceiros completamente envolvidos. Groningen, uma região modelo com imenso financiamento a nível de União Europeia, e que entretanto se afastou, e Newcastle. Mais uma vez, isto tem a ver com lideranças. Se houver lideranças fortes, que consigam congregar as pessoas, fazer equipas, delegar... Continuamos a ter todo o potencial para o fazer. Se não o fizermos, é um projeto perdido, mal perdido, e seremos ultrapassados, inexorável e definitivamente, por outras regiões, que estavam bem atrás de nós.

Outra questão... No próximo ano, vai-se realizar em Coimbra o maior evento de sempre na área da saúde, a Conferência Intercalar da Cimeira Mundial de Saúde de 2018, a 19 e 20 de Abril. Vão cá estar pessoas representando as maiores e mais prestigiadas instituições de todo o mundo (universidades, hospitais, organizações de saúde, etc). Já ouviu falar alguma coisa de concreto acerca desta conferência, do seu programa? À exceção de um grupo muito restrito de pessoas, ninguém sabe nada, a pouco mais de três meses. Mais outra oportunidade perdida?


por Paulo Sérgio Santos (com Ana Carolina Marques)

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