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Carlos Santos

Carlos Santos assumiu, no passado mês de junho, a presidência do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). O mandato tem a duração de três anos.


Que balanço faz destes primeiros meses no cargo?
Têm sido meses bastante intensos, como é normal nestas funções. Encaramo-los, por um lado, com enorme otimismo, porque se têm construído algumas pontes de diálogo onde, aparentemente, havia bloqueios e, por outro lado, com enorme esperança de que desse diálogo saia a possibilidade de construir soluções integradoras numa perspetiva, sempre, de centro hospitalar.

Acho que é muito importante sublinhar que o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) é um centro hospitalar, não é um conjunto fragmentado de hospitais e, por isso, existe essa necessidade de diálogo. Tem havido um enorme investimento no relacionamento do CHUC com a Universidade de Coimbra (UC) e com o seu Magnífico Reitor, com a Faculdade de Medicina (FMUC) e com a Câmara Municipal de Coimbra.

No fundo, tem havido um investimento no relacionamento com os stakeholders que são mais importantes para desenhar o futuro deste centro hospitalar, numa perspetiva de parceria forte com a academia, com os doentes e com as associações de doentes, com quem temos tido diálogos muito importantes e que queremos integrar, cada vez mais, no nosso processo de consulta e de decisão. Temos que estar virados para o futuro, para o CHUC 2030 ou o CHUC 2.0: é nisso que estamos apostados.


E quais são os principais planos e objetivos desta nova administração?
O plano estratégico ainda está, naturalmente, a ser desenhado. É um plano que já vinha a ser trabalhado pela equipa do anterior Conselho de Administração, que eu integrava como vogal financeiro tocando já em alguns dos temas que, neste momento, temos de abordar de uma forma mais intensa.

Este plano estratégico aproveita grande parte do trabalho que já foi feito em parceria com a Faculdade de Economia, mas, fundamentalmente, faz agora aquilo que faltou fazer, que é abordar o envolvimento interno e a discussão dos principais eixos de orientação estratégica.

Dentro de cada eixo, há que identificar as principais medidas e os principais indicadores e, acima de tudo, o sistema de monitorização desses indicadores. Um plano estratégico fará tanto mais sentido quanto for passível de ser monitorizado e avaliada, no fundo, a sua exequibilidade.

Esse envolvimento dos profissionais e dos diversos stakeholders está, de certa forma, ainda por fazer e esse é o passo que, nos próximos dois ou três meses, queremos dar. Naturalmente que nesses eixos de orientação estratégica não podem deixar de estar a atratividade do capital humano, das competências e dos talentos que formamos ou que ajudamos a formar e que, por isso, temos obrigação de reter, na medida do possível. Temos que apostar na valorização das pessoas, na melhoria e na eficiência dos processos assistenciais, ou seja, centrarmo-nos no doente e naquilo que é relevante para o doente.

Queremos incorporar todos os mecanismos de voz dos doentes nos nossos processos de decisão. É evidente que isto é muito mais fácil de enunciar do que de fazer. Mas, voltando um pouco ao início desta conversa, a articulação com as associações de doentes é particularmente importante para a concretização deste objetivo.

Porque achamos que a inovação é outro pilar estratégico do CHUC e que essa inovação se faz em rede, pretendemos estabelecer parcerias com a academia e com o tecido empresarial. Essa é uma aposta muito forte do nosso lado.

Um eixo de orientação estratégica muito importante neste plano tem que ver com a necessidade de trabalharmos redes colaborativas de referenciação, mais do que normativas. As redes normativas são relevantes, com toda a certeza, mas é importante haver redes de referenciação colaborativas que resultem de negociações e de articulação entre as diversas unidades hospitalares, para fluidificar os processos e ultrapassar algumas barreiras administrativas que são, por vezes, extenuantes para os doentes. Por fim, a sustentabilidade estará também, naturalmente, presente neste plano, uma vez que é um eixo fundamental de qualquer plano estratégico.

Depois temos os investimentos que, pela sua relevância, assumem caráter estratégico. Referimo-nos à remodelação do Serviço de Urgência do polo dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), projeto essencial para a qualidade e segurança do serviço prestado às populações da Cidade, da Região e, em algumas valências, do País, cujo financiamento está assegurado por fundos comunitários e que aguarda apenas aprovação da Tutela.

A ampliação do Serviço de Medicina Intensiva é outro projeto estruturante com execução prevista para 2021 e com expetativa de financiamento por um programa vertical.

A remodelação do edifício dos doentes forenses, no Hospital Sobral Cid, é uma das prioridades de investimento para este mandato, numa conjugação de esforços entre os Ministérios da Saúde e da Justiça e com um envolvimento ativo do Diretor do Programa para a área da Saúde Mental, da Administração Regional de Saúde do Centro (ARS Centro) e do Centro de Responsabilidade Integrado de Psiquiatria do CHUC.

Por último, aquela que deve ser a prioridade de investimento na Saúde em Coimbra: o novo Serviço de Obstetrícia e Neonatologia, a nova “Maternidade”. A situação atual não é sustentável por mais tempo. Não é possível manter dois edifícios obsoletos, dois serviços de urgência de obstetrícia, dois serviços de urgência de neonatologia. Não apenas por razões de sustentabilidade financeira, e essas já seriam de monta, mas fundamentalmente por razões ligadas aos Recursos Humanos, à sua estrutura etária e ao número que decresce a um ritmo superior ao da sua renovação e à segurança da grávida, que impõe proximidade de um centro equipado com os recursos necessários ao apoio perinatal diferenciado.



Falou da lógica de centro hospitalar, de ter de se pensar todos os hospitais enquanto um conjunto integrado e não de forma autónoma. Nos últimos meses, temos assistido a alguma contestação devido à alegada intenção – que já foi negada por si – de desqualificação do Hospital Geral (Covões). Nesse sentido, queria perguntar-lhe quais são os planos do Conselho de Administração para este hospital do CHUC?
Não há nenhuma intenção de desqualificar uma unidade hospitalar do CHUC, porque isso seria até autodestrutivo. E nós o que queremos é um centro hospitalar forte e, fundamentalmente, queremos complementaridade e diversidade, com uma carteira de serviços alargada que vá ao encontro das necessidades das populações.

Queremos alargar o nosso leque de respostas e temos a perspetiva de que não é cada uma das unidades per se que deve fazer tudo. Aliás, isto aplica-se também às unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

O SNS é hoje um dos pilares da democracia, mas a sua força não reside no facto de todas as unidades hospitalares terem uma resposta universal e abrangente: pelo contrário. É impossível, aliás, que esse tipo de resposta exista.
Carlos Santos

O que é verdadeiramente importante é que o sistema, como um todo, responda de forma integrada às necessidades dos doentes. É essa complementaridade que faz com que o CHUC tenha, na região Centro, uma importância estratégica.

O Hospital Geral é uma unidade hospitalar fundamental para a estratégia do CHUC, na medida em que diversifica a oferta, não repetindo em espelho aquilo que existe nos HUC, mas potenciando as suas áreas de excelência. 

Dou-lhe só dois ou três exemplos fundamentais do que já existe hoje e dois ou três exemplos daquilo que é estratégico desenvolver num futuro próximo. A Unidade de Cirurgia de Ambulatório do CHUC está sediada no Hospital Geral. É uma unidade de referência, provavelmente das melhores em Portugal. E está lá, ou seja, os HUC não têm uma unidade deste cariz. Esta unidade do CHUC está no Hospital Geral, queremos que lá continue, queremos potenciá-la e queremos dar-lhe condições para funcionar cada vez melhor, de forma mais eficiente e mais integrada. 

Outro exemplo é o do Centro de Medicina do Sono, que está muito bem apetrechado e é extremamente bem gerido e dirigido por profissionais de uma dedicação extrema. Este é um centro de excelência e uma referência nacional. Tem, obviamente, necessidades de apoio e de investimento em recursos humanos e em tecnologia, mas estamos atentos a isso. 

Por fim, o Centro de Implantes Cocleares, do Serviço de Otorrinolaringologia, que também está sediado no Hospital Geral, é outra área de excelência que queremos promover e desenvolver. Estes três exemplos são já realidades. 

Depois, a oferta na área da Pneumologia em serviço de ambulatório estará, muito em breve, completamente sediada no Hospital Geral. Temos ainda duas áreas de inovação que lá queremos potenciar. Uma é a área da Reabilitação Cardiorrespiratória, que é única na região Centro e provavelmente em Portugal. O investimento está, neste momento, a ser executado. Estamos a remodelar instalações para uma ligação multidisciplinar entre a Cardiologia, a Pneumologia e a Medicina Física e de Reabilitação. Isto é algo inédito em Portugal. Parece incrível que no século XXI seja algo de inédito, mas é, de facto. 

E temos ainda outro projeto, cuja apresentação creio ter sido efetuada ainda antes do anterior Conselho de Administração, que é um plano de integração de cuidados de Saúde através da criação de uma Unidade de Envelhecimento Saudável e Ativo, orientada, exatamente, para o doente idoso com pluripatologia, na perspetiva do seu tratamento de uma forma rápida e integrada, com uma fortíssima ligação à Ortogeriatria.

Esta é uma área em que devemos apostar, porque a nossa população é cada vez mais idosa e a região Centro tem um índice de envelhecimento superior à média do País, como é sabido.

Isto tudo para dizer que o Hospital Geral está vivo. É um hospital com vida. Não é apenas, neste momento, um hospital COVID. Isto é muito importante porque, de facto, apesar de estar hoje identificado e ativado para uma resposta à pandemia, esta é também uma característica que torna o CHUC diferente do resto dos hospitais em Portugal, que têm de ativar hospitais de campanha e que têm uma outra dependência da criação de circuitos dentro da própria unidade.

Nós temos esta possibilidade de conseguir sediar e separar a resposta à pandemia no Hospital Geral, mas com profissionais e equipas de todo o CHUC. Isto é algo que nos torna diferentes e que nos torna mais confiáveis para a população, na perspetiva de que tentaremos até ao limite prestar cuidados às populações, não esquecendo que há mais vida, mais doenças e mais necessidades de respostas para além da COVID. Mas, como lhe digo, o Hospital Geral dos Covões é, e continuará a ser, um hospital com vida, mesmo depois da COVID.


Há pouco referiu a importância da relação entre o centro hospitalar e a academia. No contexto da atual pandemia, como está a decorrer a interação entre o CHUC e a FMUC no que diz respeito às aulas práticas, mas também quanto à investigação e à prestação de serviços?
Não conheço de perto a realidade dos outros centros hospitalares e da sua proximidade às respetivas Escolas Médicas, mas atrever-me-ia a dizer que a relação do CHUC com a FMUC e, de forma geral, com a UC, é particularmente forte e capaz de transmitir confiança, quer aos profissionais de saúde e aos doentes, quer à academia, aos alunos e aos professores. 

Temos vindo a trabalhar em diversas frentes. Um exemplo, que creio ser único em Portugal, foi a capacidade que o CHUC, juntamente com a UC, teve de criar e implementar um laboratório para resposta aos testes SARS-CoV-2, ainda em pleno início da pandemia. Isso permitiu que o CHUC e a UC pudessem contribuir para dar uma resposta que se revelou decisiva para o controlo da pandemia na região Centro.

Relativamente à circulação dos alunos no CHUC, esse é sempre um fator de risco. Por isso, trabalhámos em conjunto com a FMUC na elaboração de um Manual de Boas Práticas. Esse documento revelou-se fundamental para definir os limites de atuação dos profissionais, dos alunos e dos docentes nesta fase em que nos encontramos e em que as atividades letivas estão a ser retomadas.

Há determinados níveis do ensino que só fazem sentido se forem presenciais, como é o caso do 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina. Para os seus alunos, o CHUC disponibilizou os mesmos meios e equipamentos de proteção individual que disponibiliza aos seus profissionais.

Este Manual de Boas Práticas foi ainda complementado com um trabalho muito exaustivo do nosso Grupo de Coordenação Local do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (GCL-PPCIRA).

Trabalhámos por antecipação, criando condições de segurança e regras claras para todos, por forma a que o ensino seja retomado com a maior segurança possível.

Carlos Santos

Para fazer face a esta pandemia, foi necessário, num primeiro momento, adiar a atividade clínica não COVID que não era considerada urgente. Como está a decorrer a recuperação dessa atividade no CHUC?
Essa é uma pergunta difícil. Não está a correr tão bem como gostaríamos, embora estejamos a tentar recuperá-la o mais rapidamente possível e aproveitando esta janela de oportunidade que, apesar de tudo, a situação da infeção nos deu desde junho e julho até agora. 

Estamos a manter a atividade normal nesta altura. É evidente que a atividade normal está ela própria condicionada por uma menor eficiência dos processos assistenciais. É muito importante perceber-se que, agora, fazemos menos com os mesmos meios, porque o intervalo entre cada ato médico tem de ter muito maior, devido à maior necessidade de higienização dos espaços, circuitos e equipamentos. Ou seja, a produtividade é menor e o tempo que decorre entre atos médicos é maior. Isto contribui, não para uma redução das listas de espera, mas para a sua manutenção ou até aumento.

Temos vindo a utilizar uma alavanca específica desde agosto, que é a possibilidade de ter atividade adicional remunerada aos profissionais de uma forma majorada. A grande incógnita é saber até quando conseguimos utilizá-la. Neste momento, os recursos que são necessários para esta atividade adicional, designadamente camas para a atividade cirúrgica, começam a ser escassos pela necessidade que temos de ter capacidade de internamento disponível para os doentes infetados estáveis.

Não deveremos conseguir manter esta atividade adicional por muito mais tempo, mas a nossa obrigação é mantê-la tanto tempo quanto for possível para reduzir a lista de espera de tudo aquilo que ficou por fazer.

Entretanto, o número diário de casos de COVID-19 tem vindo a aumentar nas últimas semanas, sendo expetável que também surjam casos de vírus da gripe sazonal nos próximos tempos. Como se tem preparado o CHUC quanto à sua capacidade de resposta no caso de uma possível convergência destes dois vírus?
Tratando-se de vírus com uma sintomatologia semelhante, os desafios são os mesmos. Temos vindo a preparar-nos de várias formas. Do ponto de vista dos testes laboratoriais, estamos a fazer um enorme esforço junto dos principais laboratórios que têm as soluções automatizadas disponíveis no mercado. 

Estamos em processos de negociação direta no sentido de obter essas soluções o mais rapidamente possível. É muito importante termos testes duplos que permitam distinguir, com uma única colheita, de que vírus se trata. Isso é relevante para a orientação clínica dos doentes e para o descongestionamento das urgências.

Para além disso, estamos também a trabalhar na criação de circuitos separados em todas as urgências hospitalares e de polos de urgência em contentores climatizados e altamente equipados, para que seja possível uma melhor distribuição da procura pelas urgências hospitalares do CHUC, conseguindo também a obtenção de resultados de testes sem entradas nos edifícios, até numa perspetiva de contenção de possíveis surtos.

Obviamente que estas medidas implicarão um aumento de gastos e um impacto geral significativo, mas é a forma que nós temos de manter os hospitais o mais operacionais possível e as populações e os profissionais de saúde o mais possível livres de infeção e protegidos. É esta a nossa obrigação.

Há ainda uma questão que gostava de referir e que me parece particularmente relevante e auspiciosa neste momento em que nos encontramos. O Centro Académico Clínico de Coimbra (CACC) é, provavelmente, dos instrumentos mais importantes para o reforço ou a criação de um cluster de Saúde em Coimbra e na região Centro, que permita o desenvolvimento, aos mais diversos níveis, daquilo que é a inovação, não só na prática clínica, mas também ao nível industrial, com o envolvimento das empresas que estão orientadas e vocacionadas para inovação de produtos, processos e serviços.

E o CACC tem hoje uma oportunidade extraordinária para fazer aqui um virar de página em relação ao que tem sido até agora, numa articulação forte da UC com o CHUC, principal polo de Saúde na região. Sinto que há uma convergência de vontades muito grande para que isto aconteça como provavelmente nunca existiu. E acho que não podemos desperdiçar esta oportunidade de fazer esse virar de página.

Fruto de uma parceria estratégica do CHUC com a UC, estas instituições serão equipadas com dois novos equipamentos PET [Tomografia por Emissão de Positrões], um no CHUC e outro no Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS), através de uma candidatura a financiamento comunitário. Assim, um dos equipamentos ficará mais alocado à investigação e outro mais orientado para o tratamento, numa instituição hospitalar do SNS. E foi possível fazer-se isto: foi possível ultrapassar todos os aspetos administrativos e protocolares.

Fizemos isso com enorme rapidez, com a Reitoria, e eu creio que isso é muito importante assinalar, porque abre também aqui outras perspetivas de candidatura, dando corpo e reforçando esta ideia de materialização do CACC. É preciso dar ainda mais corpo a esta ideia e fazê-la ganhar “tração”.


por Luísa Carvalho Carreira
fotografias gentilmente cedidas por Carlos Santos


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