Do curso de Medicina   

Um homem de ideias claras  

É um viseense acidental, mas conimbricense de coração. E pelo entusiasmo e conhecimento com que fala da Psiquiatria, ninguém diria que a Arquitetura é uma paixão que lhe ocupa o pensamento. “Costumo dizer que, se falhar como médico, ainda vou para arquiteto!”. Com um vasto e reconhecido percurso na docência e na prática clínica, duvidamos que tal aconteça. A Arquitetura decerto não se importará – e a Medicina agradece.

Nascido em Viseu, viveu lá pouco tempo com os seus pais, apenas enquanto o seu pai, que pertencia à Junta Autónoma de Estradas de Coimbra, se encontrava na região a trabalho. Por isso, afirma que a sua “base é Coimbra”. Com efeito, a maioria das suas memórias de infância e de adolescência diz já respeito à Cidade dos Estudantes.  

“Quando olho para trás, apercebo-me das pessoas interessantes que conheci ao longo da minha vida”, comenta. Dessas pessoas, João Relvas destaca alguns professores, pela importância e impacto que, desde cedo, acabaram por ter nas suas escolhas pessoais.  

Um desses professores marcou-o de forma particular. “Tive um professor fantástico na área da Psicologia e da Filosofia no Liceu D. João III [Escola Secundária José Falcão], que penso que me marcou não só a mim, mas a várias gerações de alunos”, indica. Nessa altura, João Relvas já tinha um interesse particular “pela Psicologia e pela Saúde Mental”, estimulado ainda mais pelo seu professor, que o motivou para o estudo nestas áreas. “Dos meus 16 até aos 22 anos, li quase tudo o que havia de livros de divulgação para o grande público sobre Psicanálise e Psicologia”, afirma.  


Quando fui para Medicina, já sabia que iria tirar Psiquiatria.

Apesar deste interesse, não só pela Psicologia, mas também pela investigação científica, nomeadamente na área da Biologia, João Relvas confessa não saber ao certo o que o levou a tomar esta decisão, mas o que é certo é que, findo o liceu, ingressou no curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC). “Na altura, os médicos eram figuras com um peso e prestígio bastante grande na sociedade; talvez isso possa ter contribuído, em parte, para o facto de querer ser médico”, refere.

Curioso é o facto de, assim que ingressou no curso, ter já decidida a especialização que queria seguir: “Quando fui para Medicina, já sabia que iria tirar Psiquiatria. Ao contrário daquilo que muitas vezes sucede com os alunos, eu tinha a ideia clara de que iria ser psiquiatra: estive sempre claramente orientado para isso”.  

João Relvas

Este gosto particular pela Psiquiatria não o impediu de se interessar por outras áreas, como a Pediatria, a Medicina Interna ou até a Cirurgia. Nesta, chegou mesmo a adquirir experiência no decorrer do curso: “tinha bastante jeito para a área da Cirurgia, de que gostava muito por ser mecânica, simples e lógica”, confessa. Assim, “a partir do 3º ano do curso e juntamente com outros colegas”, João Relvas ia “todas as quartas-feiras à noite fazer banco no antigo hospital”, conforme explica: “na altura, como a equipa de médicos era pequena, constituída apenas por um internista e um cirurgião, era habitual juntarem-se a ela estagiários de Medicina quando era necessário operar doentes, e nós, alunos, participávamos com gosto”. 


É uma situação em que sentimos uma espécie de atentado ao nosso papel de médico.

Apesar dos tempos que vivemos serem desafiantes e complexos, a conversa não termina sem antes sabermos o que João Relvas faz nos tempos livres e se acalenta algum sonho. É aqui que descobrimos que à lista dos seus interesses se vem juntar mais um: a música. “Tenho pena de não ter uma vocação artística ou saber tocar um instrumento musical… Sempre gostei muito de ouvir música: jazz, sobretudo, tanto que, quando ia aos Estados Unidos da América [EUA] e era possível, à noite ia frequentemente a clubes de jazz”, conta.
Pela forma interessada como fala da prática clínica, da docência e da investigação científica, percebemos a razão pela qual não restavam a João Relvas quaisquer dúvidas quanto à escolha da Psiquiatria na altura em que teve de decidir em que área faria a sua especialização. E o sonho que, um dia, gostaria de concretizar só vem comprovar, uma vez mais, esse facto: “costumo dizer ao meu filho que, se me saísse um prémio a sério do Euromilhões, não ia gastar o dinheiro de uma forma estúpida!”, começa por frisar.
O plano já está, aliás, traçado: “criava uma cátedra ao estilo anglo-saxónico com o nome – possivelmente ‘Bettencourt-Relvas’, que é o meu nome, mas também o da minha mulher e o do meu filho – para a qual atribuiria verbas para a pesquisa, nomeadamente na área das neurociências, e para bolsas de estudo para alunos promissores com dificuldades económicas”.
“Portanto, se me sair o prémio do Euromilhões… olhe, já está decidido!”, brinca. Ficaremos a fazer figas para que o sonho se possa concretizar. Neste caso, é só mesmo uma questão de sorte.