Lucerna

VOICEmed

A mente, conceito por vezes abstrato, significa o todo de pensamentos, emoções, memórias, numa intrincada teia de ligações dentro do cérebro, entre este e o resto do corpo, em constante mutação, fluindo harmoniosamente ao ritmo do que vemos, sentimos, experienciamos. É essa perfeição, tão silenciosa, que faz que com que nem sempre compreendamos os motivos que estão na base das nossas decisões.

Vem isto a propósito da necessidade de trazer à mente respostas ao desafio de dar a conhecer quem sou, as escolhas que fiz, os caminhos que trilhei, o que alcancei. 

Talvez na minha mente a paixão pela Medicina e pela Ciência, viva numas quaisquer arborizações neuronais cujas raízes guardam a memória vivída de infância da minha mãe a tentar explicar-me os princípios naturais que regem o eterno suceder do dia e da noite. Talvez seja uma paramnésia, moldada pelos afetos, talvez a curiosidade pueril de uma criança, mas é certo que esta é a memória mais longínqua da minha curiosidade pelo que me rodeia, do querer saber o porquê das coisas. Julgo que tem sido esta necessidade de conhecer, que tem impulsionado o meu trajeto clínico e científico, seja a procura do conhecimento sobre o outro, premissa que me norteia enquanto Psiquiatra; seja a procura do conhecimento sobre os fantásticos mecanismos que governam o nosso corpo na saúde e na doença, que me alimenta nos caminhos da investigação científica. Para que este impulso de conhecer se tornasse profícuo, alguns episódios e pessoas que deles fazem parte (as quais não irei nomear sob pena de omitir injustamente alguma delas), deram-lhe direção e sentido. 

O ser Médico construiu-se certamente no continuum do querer ajudar o próximo, imbuído pelo espírito humanista cujo exemplo sempre tive nos meus pais, e do meu fascínio pelo funcionamento do corpo humano. Sem dúvida que foi marcante a experiência pessoal de doença, no início da minha vida adulta, que me ajudou a ser mais capaz de me colocar nos pés do outro.

O ser Psiquiatra teve, naturalmente, as suas raízes na experiência indireta do que é a profissão através do meu pai. No entanto, penso que foi determinante que, a certa altura durante o curso de Medicina, as leituras das obras de Damásio tenham elipsado os fantasmas do dualismo cartesiano mente-corpo. Por outro lado, o saber que teria como um dos objetos de estudo da profissão, o cérebro, o mais importante e também o mais desconhecido dos elementos do corpo, fascinou-me.

Ser investigador era assim uma necessidade inerente à minha personalidade que foi sendo satisfeita ao longo do tempo. Recordo a experiência, após terminar o curso de Medicina, na investigação básica, no ano sabático que passei no Centro de Neurociências e Biologia Celular da UC, em que compreendi que a beleza dos resultados científicos se alcança com muitas horas de trabalho, em que o sucesso surge depois de muitas desilusões, num percurso que é mais uma maratona do que uma corrida de velocidade. Mais tarde, o ingresso no Instituto de Psicologia Médica da FMUC, já durante a minha formação enquanto Psiquiatra, foi crucial para desenvolver competências na investigação das perturbações mentais. Lembro também a experiência inesquecível no Institute of Psychiatry do King’s College em simultâneo com um estágio clínico numa equipa de intervenção Precoce na Psicose do reputado Maudsley Hospital em Londres, de onde brotou o meu interesse pela investigação com técnicas de neuroimagem na área da psicose, base do meu projeto de doutoramento.

Estes são apenas alguns episódios, eles mesmo encerrando inúmeras histórias impossíveis de narrar em poucas linhas, que formaram as diferentes dimensões da minha mente enquanto Médico, Psiquiatra e Investigador, influenciando-se mutuamente e indissociáveis da pessoa que sou hoje.


Miguel Bajouco

Miguel Bajouco é médico psiquiatra e aluno do Doutoramento em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Ilustração por Ana Catarina Lopes