Lucerna

Do Camboja à Neurologia

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Aquilo que me definiu desde muito cedo foi a vontade de conhecer o mundo, as cores vibrantes, os cheiros intensos, os sabores exóticos, as ideologias e crenças, as pessoas, uma ânsia de compreender tudo e de conquistar o desconhecido. Tenho a alma presa ao que existe lá fora por descobrir, dizia eu aos meus pais enquanto lhes contava que ia viver um ano para Itália em Erasmus. Nessa aventura, como em todas as outras de mochila às costas, havia sempre espaço para momentos de reflexão... Não se parte para uma viagem e se volta igual... Impossível. Não muda só a visão externa, encontra-se uma nova bússola interior, aquilo que temos como garantido é colocado em perspetiva, aprendemos a relativizar, apercebemo-nos como tudo é um momento. Em cada viagem deixamos para trás o imediatismo da tecnologia e imbuímo-nos no espírito local, agradecemos cada desvio que nos leva a uma nova paisagem.

No ano de 2013 parti para mais uma viagem. Juntamente com três amigos, decidimos explorar a Indochina. Mas desta vez levava uma preocupação... Aproximava-se a escolha da especialidade e confesso que estava um pouco perdida. Tinha diversos amores na medicina e era difícil escolher apenas um e assumir um compromisso para a vida. Visitámos a Tailândia, o Camboja e o Vietname. Estes países conservam uma herança histórica e espiritual que deixa saudade. Caminhámos por entre aldeias ladeadas por tranquilos riachos, tesouros arqueológicos, santuários de elefantes e sorrisos calorosos. Foi a contemplar um nascer do sol em Angkor Wat que tudo começou a fazer sentido. À medida que o sol se elevava por detrás desse templo milenar, também dentro de mim nascia alguma clarividência. Porque não transportar este gosto peculiar pela descoberta para a minha profissão? Então só haveria uma resposta possível... Neurologia.

Assim nasceu o fascínio pela complexidade do cérebro, pelo mundo das sinapses e dos neurotransmissores. A neurologia não é apenas uma especialidade, é a arte de compreender como nos ligamos ao mundo e aos outros, através da linguagem, do comportamento, do movimento, da sensibilidade. É a descoberta das diferentes capacidades humanas por detrás da definição de vida. Confiei que só podia ser este o caminho, afinal a geografia da vida é simples... Parti, então, à conquista deste novo mundo...

Joana Ribeiro

Joana Ribeiro é doutoranda da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Ilustração por Ana Catarina Lopes