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Rodrigo Cunha 

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O Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento (MIA-Portugal) é um projeto da Universidade de Coimbra que conta com a colaboração do Instituto Pedro Nunes e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro. Rodrigo Cunha, coordenador científico do instituto, dá-nos a conhecer melhor este projeto.

 

O que é o Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento (MIA) e quais os seus objetivos?
É um instituto que pretende ser de investigação, no senso lato, desde aspetos fundamentais até aspetos aplicados, quer de questões mais diretamente relacionadas com a clínica, com a translação para ensaios clínicos, quer para um ambiente mais industrial, digamos assim, no caso de serem aplicações ou dispositivos médicos que permitam aumentar, sempre, a qualidade de vida do idoso, porque é para isso que o instituto está desenhado.

 

Temos, no mundo, mas, sobretudo, na União Europeia, uma população envelhecida. Portugal tem a quarta população mais velha do mundo e nós já cumprimos, nos últimos anos e graças aos avanços da Medicina e a melhores condições económicas, o objetivo a que chamaria ‘Ageing 1.0’, que é aumentar a esperança de vida. Mas este aumento da esperança de vida traz, em si, uma armadilha, porque o envelhecimento é o principal fator de risco para uma série de doenças crónicas, como cancro, doenças cardiovasculares, Alzheimer, diabetes. Todas são doenças em que o maior fator de risco é sempre o envelhecimento.

 

Digo que temos esta armadilha porque aumentar a esperança de vida não significa, necessariamente, aumentar a qualidade de vida do idoso. Para ter uma ideia, cerca de cinco por cento dos doentes do Sistema Nacional de Saúde (SNS), que são idosos e têm doenças crónicas, consomem, aproximadamente, 40 a 50 por cento dos recursos do SNS. Portanto, não é só a perda de qualidade de vida das pessoas que aqui está em causa, é também o custo socioeconómico que isso tem.

 

Hoje, aquilo que nós sabemos fazer, do ponto de vista da intervenção, é tratar cada uma destas doenças individualmente. Mas, se o envelhecimento é o principal fator de risco para todas elas, faz sentido colocar a hipótese de haver fatores biológicos, celulares e moleculares associados ao envelhecimento e que sejam críticos como modificadores que aumentam a suscetibilidade a todas estas doenças.

 

Um dos principais objetivos deste instituto é tentar identificar quais são esses fatores e a esperança, a médio-longo termo, será a de que, identificando esses fatores, se consigam encontrar estratégias, que serão únicas ou relativamente reduzidas em número, que permitam mitigar todas as doenças crónicas associadas ao envelhecimento. Aumentar a qualidade de vida do idoso, o objetivo do MIA-Portugal, pode ser visto como um objetivo a que chamaria ‘Ageing 2.0’.

 

Por isso, o instituto tem de trabalhar de uma maneira muitíssimo aberta, na medida em que nós não sabemos ainda, por um lado, quais são estes fatores e, por outro lado, que estratégias poderemos desenhar para interferirem com estes fatores. Podem ser medicamentos, tal como nós os conhecemos, com princípios moleculares ativos para interferirem com estes alvos, mas podem ser também estilos de vida. Estou aqui a colocar hipóteses, como é óbvio, mas pode ser dormirmos uma sesta, ouvirmos música clássica antes de jantar ou uma estimulação, a determinada frequência, de músculos ou do cérebro. Temos de estar abertos a todas as hipóteses, por mais implausíveis que pareçam.

 

Rodrigo Cunha

O edifício Biomed III, no Polo III da Universidade de Coimbra (UC), vai acolher o MIA e deverá começar a ser construído ainda este ano. Quando se prevê que o instituto esteja em pleno funcionamento?
Há duas fases a considerar: a fase do início das atividades do MIA e a fase do funcionamento em pleno. Para a fase de início de atividades, espero que seja a muito curto prazo, querendo com isto referir-me a meses para que comece a haver uma movimentação, dentro da UC, em termos de trabalho e ações de grupos que já existem, por exemplo, na Faculdade de Medicina (FMUC) e que, fruto do lançamento deste projeto, se comecem a interessar pela temática do envelhecimento.  

O MIA não surge como algo completamente novo e desajustado daquilo que é a realidade atual da UC. Aproveitar-se-ão, certamente, alguns grupos, que, pelo tipo de atividade e excelência da sua atividade, serão facilmente cooptados para parceiros próximos dos grupos que depois virão para o MIA. Começaremos, durante este ano e se as coisas correrem como esperamos, por contratar já os dois primeiros grupos que começarão a levar a cabo atividade em centros de investigação que pertencem à UC, enquanto se constrói o edifício.

A construção do edifício, a ser iniciada, como previsto, no final deste ano, nunca demorará menos de dois anos a estar concluída. Só nessa altura é que teremos a contratação daquele que esperamos que venha a ser o diretor científico, que ficará responsável pela contratação do resto das cinco equipas do MIA e que fará a gestão dos espaços e de colaborações com outros grupos da UC, da FMUC e do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), em função dos objetivos que, nessa altura, forem definidos como estratégia para o desenvolvimento deste instituto.


Em relação aos grupos de investigação, tem uma ideia de quantos investigadores estamos a falar, assim que os grupos estejam todos constituídos?
Quanto ao número de investigadores que o projeto prevê contratar como novos investigadores pertencentes ao MIA, aí estamos a falar de cerca de 54 investigadores. Para além disso, serão contratados também entre 10 e 14 técnicos. Mas, obviamente, este instituto só faz sentido se integrado em colaboração muito estreita e dinâmica com grupos existentes na FMUC e que espero que venham também a ocupar o futuro edifício do UC-Biomed.  


Referiu a necessidade de ter a mente aberta e de considerar todas as hipóteses na descoberta dos fatores associados ao envelhecimento. Está prevista a contratação ou a colaboração de investigadores de outras áreas, ou apenas de investigadores das chamadas ciências exatas e biológicas?
Numa primeira fase, o que está previsto é a contratação de grupos de investigação muito focados em aspetos mais de Biociências. Quanto a contratações de grupos de investigação de outras áreas, posso dar-lhe a minha visão, mas, obviamente, a decisão final será do futuro diretor científico. Creio que fará sentido que haja, ou a contratação, ou a colaboração muito estreita com colegas das áreas de Economia, por exemplo, mas as colaborações por excelência serão sempre com a FMUC, visto que é um projeto virado para as Ciências da Saúde. Quanto ao CHUC, nem faz sentido equacioná-lo como parceiro, porque é um elemento intrínseco da atividade do MIA, mas poderão vir a ser parceiros pessoas das áreas da Engenharia, da Matemática, do Direito e também da Sociologia.  

Na área da Sociologia temos, aliás, um instituto que é considerado de excelência a nível europeu e, portanto, faz todo o sentido que o CES [Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra] venha a ser parceiro desta iniciativa. Veremos como será possível cruzar a atividade do MIA com os interesses do CES. Terá de haver abertura para aproveitar o potencial existente.  



Rodrigo Cunha

Qual o impacto e o significado que considera ter a escolha de Coimbra para albergar o único instituto deste carácter no sul da Europa?
A escolha de Coimbra deve-se, essencialmente, ao ecossistema que já aqui está instalado. Temos o maior hospital do País. Ao contrário daquilo que é a perceção dos colegas de Lisboa e do Porto – eu sou de Lisboa, portanto, não tenho problema nenhum em dizer isto –, é um hospital que não vê reconhecida a sua excelência em termos de investigação clínica: em termos de intervenção na saúde, o CHUC é, certamente, um centro de referência a nível nacional.  

No que diz respeito à investigação fundamental, temos instituições como o Centro de Neurociências de Coimbra (CNC), que tem um foco muito grande em doenças associadas ao envelhecimento, doenças neurodegenerativas, por um lado, e doenças metabólicas, em particular diabetes, por outro. Portanto, existe uma possibilidade do MIA crescer com estas entidades de maneira muito mais efetiva.  

Para além desta base científica e desta translação para a clínica, temos ainda o aspeto tecnológico. Nós temos os dois parques tecnológicos mais premiados a nível europeu, que são o Instituto Pedro Nunes e o Biocant, parceiros deste projeto. Temos aqui um ecossistema com um tema unificador – o envelhecimento – e, por isso, há que tirar partido do que já existe em termos de investigação, explorar parte dessa investigação, ir buscar ideias, explorá-las com toda a atividade clínica e, eventualmente, aproveitar a exploração comercial de algumas ideias que emerjam a partir desses parques tecnológicos. Ou seja, o MIA surge um bocado como um aglutinador, um magnete à volta de vários centros, cada um com sua área de intervenção, mas de excelência, na área de Coimbra. 

Por fim, Coimbra é uma das regiões de referência do envelhecimento saudável na Europa. Portanto, acho que faz todo o sentido que seja nesta região que o MIA fique instalado. 


A médio e longo prazo, e com o trabalho que o MIA pretende desenvolver, podemos dizer que teremos pessoas, não só a viverem melhor, mas também a viverem mais?

O grande foco nesta altura é, claramente, o ‘Ageing 2.0’, que é não nos preocuparmos com a idade em que as pessoas entram em falência total, mas sim com o facto de que na véspera das pessoas entrarem nessa falência total, possam estar, alegremente, a fazer o seu jogging, depois a ir almoçar com os familiares e a jogar futebol com os netos ou com os bisnetos. Ou seja, até ao fim da vida, terem uma qualidade de vida que seja - eu não vou dizer a ideal, porque nunca se atinge o ideal - muitíssimo boa, sem doença e com alegria de viver. Digamos que aumentar a esperança de vida não é o principal objetivo, nesta altura, do MIA. O objetivo é, claramente, o envelhecimento com qualidade de vida.

por Luísa Carvalho Carreira 
fotografia de Paulo Amaral


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